domingo, 17 de junho de 2012

Países discutem administração da Justiça em Haia


Em congresso promovido pela International Association for Court Administration (IACA), 340 pessoas, representando 46 países, compareceram em Haia, Países Baixos (Holanda), para discutir medidas para alcançar maior eficiência nas atividades do Poder Judiciário. O local do evento não podia ser mais adequado: Corte Internacional de Justiça (CIJ), onde o Brasil brilhou e brilha, com a presença dos ministros Francisco Rezek e Cançado Trindade.

A IACA (http://www.iaca.ws/), com sede em Saint Louis, EUA, foi criada oficialmente em 2004 por administradores judiciais norte-americanos. Seu objetivo é estudar a administração da Justiça. Neste mister reúne magistrados, professores, administradores judiciais e operadores jurídicos de todos os continentes, facilitando a troca de ideias e experiências. No seu International Journal on Court Administration, que nada mais é do que uma revista eletrônica, publica artigos oriundos dos mais diversos países.

A primeira observação que se faz é como administradores judiciais conseguiram, em 8 anos, estender suas atividades por dezenas de países, em todos os continentes. Aí está uma mescla de ousadia e competência inusitadas. A ideia partiu de Markus Zimmer e Jeffrey Apperson (1999), quando ambos eram administradores judiciais da Justiça Federal de primeira instância nos estados de Kentucky e Utah EUA. Não é difícil imaginar as dificuldades encontradas no meio do caminho, representadas pelas barreiras linguísticas, políticas, econômicas, religiosas e, acima de tudo, a necessidade de conseguir recursos financeiros para a realização de eventos.

A segunda observação é sobre a figura dos administradores judiciais, nome que se dá aos membros da cúpula dos tribunais nos países da “Common Law” e em alguns da Europa. Equivalem aos nossos diretores-gerais, secretários-gerais ou diretores administrativos dos tribunais ou dos foros. A diferença é que eles se dedicam exclusivamente a administrar o Judiciário, enquanto os nossos diretores, regra geral, permanecem no prazo do mandato de quem os indicou, ou seja, 2 anos. Por isso mesmo, nem sempre eles detêm experiência administrativa. Muitos foram sempre assessores, dedicando-se exclusivamente ao estudo de teses jurídicas. A falta de uma cultura específica desses gestores sobre administração da Justiça colabora para gestões pouco expressivas.

Vejamos como se deu a quinta Conferência Internacional da IACA, cujo tema foi “O desafio de desenvolver e manter Cortes eficientes e fortes em uma era de incertezas”. As anteriores foram em Ljubljana (Eslovênia), Verona (Itália), Dublin (Irlanda) e Istambul (Turquia), além de duas conferências regionais em Trinidad Tobago (Caribe) e na Indonésia (Ásia).

Em três dias de conferências e oficinas de trabalho, os participantes discutiram os mais complexos temas da efetividade da Justiça moderna. O pano de fundo foi e continua sendo a necessidade de um Poder Judiciário independente como forma de garantia da democracia. Os idiomas oficiais do congresso foram inglês, russo, árabe, espanhol e francês.

Inicialmente, merece menção especial a forma de exposição dos vários palestrantes. Os europeus mantêm o antigo sistema de levar o texto escrito e lê-lo, o que não é muito sedutor. Os norte-americanos, como sempre, práticos, exibem lâminas de power-point e dão exemplos práticos. Os asiáticos, sempre discretos, utilizam pouco os instrumentos tecnológicos. Podemos dizer que as exposições do sistema brasileiro não devem nada a país algum, são vibrantes e recheadas com senso de humor.

Um painel foi dedicado exclusivamente ao Tribunal Penal Internacional que, apesar de todas as dificuldades, vem atuando na persecução penal daqueles que praticaram genocídio. Em sua fala o presidente da Corte, ministro Sanh-Hyun Song, ressaltou que a jurisdição da Corte é complementar, só age na omissão dos Estados, e que deles necessita para dar efetividade às suas decisões.

Em outras palestras surgem situações novas, a mostrar quão diversas são a soluções. A ministra Diana Bryant, presidente da Corte de Família da Austrália, que naquele país pertence à Justiça Federal, relatou o projeto “one pager”, através do qual todos os dados relacionados com orçamento e gastos são colocados em uma só página web, de modo a facilitar ao cidadão a visualização objetiva. Naquele país os juízes federais são indicados pelo Governador-Geral (Presidente) e aprovados pelo Senado, enquanto o método de escolha dos estaduais é assunto privativo de cada estado.

Os julgamentos pelo Júri, para nós algo pouco estimulante, acham-se em franca evolução em países do leste europeu, como forma de participação popular na Justiça. Konstantine Kublashvili, da Suprema Corte da Geórgia, narrou que naquele país agora vige o processo penal acusatório, o juiz só preside e decide, ficando as provas a cargo das partes. Contou, ainda, que ao tempo do domínio da União Soviética era comum vir ordens dos detentores do poder para que se julgasse desta ou daquela forma. Siniza Vazic, da Corte de Apelação da Sérvia, noticiou que naquele país crimes apenados até 5 anos são julgados por juízes profissionais e os que ultrapassam 5 anos são decididos por Tribunais mistos, juízes e leigos.

Paulo Lotulung, vice-procurador geral da Indonésia, narrou que a Suprema Corte teve uma fase crítica, acumulando 20 mil processos (quase nada, se comparado ás estatísticas brasileiras), mas que um plano de ação reduziu drasticamente aquele acervo, inclusive apontando-se com quem e desde quando estava cada processo.

Richard Foster, oficial-chefe da Corte de Família da Austrália, contou que até 1990 a Justiça era muito conservadora e depois passou por um processo de modernização, que inclui a valorização dos servidores e a criação de um Conselho misto que discute e propõe medidas de eficiência da Justiça.

Sheryl Loesch, executiva da Corte Federal em Orlando, Flórida, EUA, relatou vários programas de aproximação com a sociedade, inclusive uma visita que estudantes fazem ao foro, onde aprendem sobre a Justiça Federal. Esta boa iniciativa foi feita, há alguns anos, pelo juiz Roberto Bacellar junto ao Tribunal de Justiça do Paraná.

Sakaru Laukkanen, professor e juiz da Corte de Apelação de Rovaniemi, Finlândia, narrou excelente programa de aperfeiçoamento feito no norte do país, com a participação de servidores, advogados e mediadores, dele resultando 9 livros sobre práticas de sucesso. Além disto, lembrou a necessidade de manter-se um bom ambiente de trabalho com os servidores.

A importância do papel da Universidade lembrada pela professora Daniela Piana, da Universidade de Bolonha, Itália, a existência da matéria na Universidade de Utrecht (Holanda), onde é ministrada pelo professor Philip Langbroek, informações sobre a Justiça do Azerbaijão e Ucrânia, até a forma de recrutamento de ministros da Corte de Cassação dos Emirados Árabes Unidos, feita por contrato de tempo determinado entre pessoas respeitadas e experientes de países vizinhos, foi lembrada, tudo a mostrar que muitas e diversas são as tentativas de aperfeiçoamento ao redor do mundo.

Entre avanços e retrocessos, segue o Judiciário nos mais diversos países e culturas, firmando-se como Poder de Estado. E a IACA, fortalecida com mais este Congresso, cumpre seu papel derrubando fronteiras e mantendo o foco exclusivamente na administração da Justiça, abstraindo adversidades políticas, econômicas ou religiosas.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.

Revista Consultor Jurídico, 17 de junho de 2012

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Bem de família vai à penhora caso devedor venda seus bens

Princípio da boa-fé

Desfazer-se de patrimônio por conta de dívida é ofensa ao princípio da boa-fé, e nesse caso a impenhorabilidade do imóvel ocupado pela família do devedor pode ser afastada. A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça adotou essa posição em recurso movido por sócio de uma construtora contra o julgamento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). A Turma, de forma unânime, negou o recurso do sócio.

O recurso refere-se à ação de execução ajuizada em 1995 por consumidor que entrou num plano de aquisição de imóvel ainda na planta, a ser construído pela empresa. Porém, mesmo após o pagamento de grande parte do valor do apartamento, as obras não foram iniciadas. Verificou-se que a construtora havia alienado seu patrimônio e não teria como cumprir o contrato. Em 2011, foi pedida a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, de modo que a obrigação pudesse ser cumprida com o patrimônio pessoal dos sócios.

Após a desconsideração, o imóvel residencial de um dos sócios foi penhorado. Essa penhora foi impugnada pelo empresário sob o argumento que se trata de bem de família, único que teria para residir. Entretanto, o TJ-RJ considerou que houve esvaziamento patrimonial, ou seja, que o sócio de desfez de seu patrimônio com a intenção de evitar a quitação do débito. Também considerou que o sócio não conseguiu afastar a presunção de fraude à execução.

Houve então o recurso ao STJ, com a alegação de ofensa ao artigo 3º da Lei 8.009/90, que estabelece ser impenhorável o bem de família. Segundo a defesa, o artigo estende a impenhorabilidade contra débitos trabalhistas, fiscais e de execução civil. Também invocou o artigo 593 do Código de Processo Civil (CPC), que define a alienação ou oneração de bens como fraude de execução se há ação pendente sobre eles.

Todavia, a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, afirmou que nenhuma norma do sistema jurídico pode ser entendida apartada do princípio da boa-fé. "Permitir que uma clara fraude seja perpetrada sob a sombra de uma disposição legal protetiva implica, ao mesmo tempo, promover injustiça na situação concreta e enfraquecer, de maneira global, o sistema de especial proteção objetivado pelo legislador", afirmou. Ela destacou que o consumidor tentou comprar sua moradia de boa-fé e, mais de 15 anos depois, ainda não havia recuperado o valor investido.

Nancy Andrighi também observou que, segundo os autos, o consumidor estaria inadimplente e correndo risco de perder o imóvel em que reside com sua família. "Há, portanto o interesse de duas famílias em conflito, não sendo razoável que se proteja a do devedor que vem obrando contra o direito, de má-fé", asseverou. Para a ministra, quando o sócio da construtora alienou seus bens, exceto o imóvel em que residia, durante o curso do processo, houve não só fraude à execução mas também à Lei 8.009/90. Na visão da ministra, houve abuso do direito, que deve ser reprimido.

Por fim, ela refutou o argumento de que as alienações ocorreram antes do decreto de desconsideração da personalidade jurídica e, portanto, seriam legais. A ministra apontou que, desde o processo de conhecimento, a desconsideração já fora deferida e o patrimônio pessoal do sócio já estava vinculado à satisfação do crédito do consumidor. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

REsp 1.299.580

Revista Consultor Jurídico, 12 de junho de 2012

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Ineficácia de pacto antenupcial celebrado pouco antes do casamento

Porto Alegre, 08.06.12 - Criação de Marco Antonio Birnfeld - Tel. (51) 32323232 - 123@espacovital.com.br

(08.06.12)
"Nos anos 70 muitas mulheres ainda tinham a visão de que o casamento era para sempre. E certamente a mulher não imaginou que a assinatura do pacto tivesse repercussão futura, até porque, na ocasião, sequer havia divórcio no Brasil".

(Trecho da sentença).

Sentença proferida na 3ª Vara de Família e Sucessões de Porto Alegre declarou a ineficácia de pacto nupcial de separação total de bens, assinado poucos dias antes do matrimônio celebrado em 1976 - época em que o regime da comunhão total era o habitual.

O julgado foi proferido em ação ajuizada por um homem (W.) contra a ex-cônjuge (J.), alegando que "os dois filhos já alcançaram a maioridade e inexistem bens a partilhar, pois o regime adotado pelo casal era o de separação patrimonial absoluta".

A mulher contestou e também apresentou reconvenção, alegando que "o regime vigente à época do casamento (1976) era o regime da comunhão universal, porém, às vésperas do casamento, W. impôs como condição que o regime fosse o da separação absoluta de bens, mediante pacto antenupcial".

A defesa da mulher alegou ainda que, "por ocasião da assinatura do pacto, o casal não possuía bens, e portanto, não vislumbrava qualquer prejuízo quanto a assinatura do mesmo".

A instrução processual revelou que durante as três décadas em que permaneceram casados, W. foi se tornando um empresário de sucesso no ramo da construção civil e hoje é detentor de um império imobiliário. A mulher seguiu sendo professora e só após os 50 anos de idade ingressou em curso superior, para formar-se em Psicologia.

A mulher pretendeu "a participação nos aquestos sob pena de enriquecimento ilícito do varão, vez que se dedicou durante todos estes anos aos cuidados da família, e que com o seu trabalho fora de casa, como psicóloga, também cooperou para a formação do patrimônio".

Um detalhe familiar: a irmã do empresário prestou em Juízo um depoimento fundamental em favor da (ex) cunhada. Disse que "J. ajudou a construir o patrimônio que W. possui hoje; ela sempre foi uma mulher econômica, extremosa, primorosa no tratamento dos filhos e do marido".

Foi realizado acordo em audiência quanto ao divórcio, prosseguindo a reconvenção no tocante à partilha, girando a discussão em torno da eficácia e abrangência do pacto antenupcial.

O Ministério Público opinou pelo afastamento dos efeitos do pacto antenupcial, passando a vigorar o regime legal a época do casamento e partilha dos bens.

A juíza Jucelana Lurdes Pereira dos Santos salientou na sentença que “a situação mudou tanto, que hoje, além do divórcio, já é possível a alteração do regime do casamento, o qual até a reforma do Código Civil (2003), era imutável". O julgado destaca que "mudaram os costumes sociais e as leis”.

A sentença - que está sujeita a recurso de apelação a ser julgado pela 7ª Câmara Cível do TJRS - declarou ineficaz o pacto antenupcial devendo serem partilhados todos os bens adquiridos na constância do casamento: 50% para cada um.

A advogada Silvia Mac Donald Reis atua em nome da mulher. Os autos estão com vista ao Ministério Público em segundo grau para parecer.