terça-feira, 20 de novembro de 2012

Um processo por 15 centavos

Publicado no Espaço Vital Porto Alegre, 20.11.12 - Criação de Marco Antonio Birnfeld - Tel. (51) 32 32 32 32 - 123@espacovital.com.br Em discussão a condenação a dois anos de prisão imposta a ajudante de pedreiro que teria furtado uma fotocópia de cédula de identidade, uma moeda de R$ 0,10 e outra de R$ 0,05, levadas de uma vítima tinha acabado de ser agredida por outros, quando foi abordada pelo réu e um menor que o acompanhava. Para o juiz, a sociedade clamava por “tolerância zero” e a jurisprudência rejeitava o conceito de crime de bagatela. O fato de terem os autores se aproveitado da vítima ferida, sem condições de resistir, indicaria alto grau de culpabilidade, por demonstrar “o mais baixo grau de sensibilidade e humanidade”. O TJ de São Paulo, ao julgar a apelação, classifica o princípio da insignificância como “divertimento teorético, supostamente magnânimo e ‘moderno’". O acórdão é verborrágico: “Acha-se implantada uma nova ordem de valores, a moderna axiologia: comerás com moderação! Beberás com moderação e furtarás com moderação!”. E dá uma alfinetada no subscritor do recurso de apelação: “Curioso e repugnante paradoxo: essa turma da bagatela, da insignificância, essa malta do Direito Penal sem metafísica e sem ética, preocupa-se em afetar deplorativa solidariedade aos miseráveis; no entanto, proclama ser insignificante e penalmente irrelevante o furto de que os miseráveis são vítimas”. O relator no STJ registra estranheza com “a forma afrontosa dos fundamentos” do TJ-SP. “O respeito à divergência ideológica é o mínimo que se pode exigir dos operadores do Direito, pois, constituindo espécie das chamadas ciências sociais aplicadas – o que traduz sua natureza dialética –, emerge sua cientificidade, de que é corolário seu inquebrantável desenvolvimento e modernização, pena de ainda vigorar o Código de Hamurabi” - registra. O relator aponta que o furto protege especificamente o patrimônio da vítima, sem alcançar, mesmo indiretamente, sua pessoa, como no roubo. Por isso, para aferir a tipicidade material do fato, além da mera tipicidade formal, seria preciso avaliar em que medida o “patrimônio” da vítima foi afetado. “Ora, por óbvio, o furto de R$ 0,15 não gera considerável ofensa ao bem jurídico ´patrimônio´. Conduta sem dúvida reprovável, imoral, mas distante da incidência do Direito Penal”, conclui o ministro. A Turma concede o habeas corpus por unanimidade. O julgado consagra a verborragia. E a linguagem objetiva vai para o brejo.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Juízes que não sejam apenas visitantes nas comarcas!

Porto Alegre, 01.11.12 - Criação de Marco Antonio Birnfeld - Tel. (51) 32 32 32 32 - 123@espacovital.com.br Magistratura (Espaço Vital - 01.11.12) O presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, falou ontem (31), em João Pessoa (PB) sobre a assinatura do acordo de Cooperação Técnica com o Poder Judiciário da Paraíba, que vai implementar o projeto “presença do juiz na comarca”. Segundo ele, “essa é uma reivindicação da sociedade brasileira em todo o país, e nós temos o compromisso com a Justiça Brasileira no sentido de fazê-la funcionar, pois ela não pode ser feita no sentido de se fortalecer internamente”. "A magistratura tem que usar sua autonomia para devolver ao cidadão tudo aquilo que ele investe na Justiça Brasileira. A presença do juiz na comarca é essencial, pois é uma referencia de segurança para o cidadão. Ela é efetivamente o compromisso da Justiça para com aquela comunidade, e é nesse sentido que a OAB se associa ao CNJ, CNMP, Tribunal de Justiça da Paraíba e Defensoria Pública, com o objetivo de zelar para que isso aconteça na prática". Questionado sobre a crítica feita pelo novo corregedor nacional da Justiça, ministro Francisco Falcão sobre os casos de juízes paraibanos que são vistos nas comarcas somente às terças e quartas-feiras, Ophir disse que "morar onde presta jurisdição e manter assiduidade já é uma obrigação legal, mas na prática não vem acontecendo" Segundo o dirigente da Ordem nacional, "o projeto ´presença do juiz na comarca´ tem justamente o objetivo de combater esse problema que acontece no Brasil inteiro". Ele ressaltou que "os advogados não são inimigos dos juízes, mas o que se quer é que eles dêem ao cidadão o direito de ter o seu processo analisado num tempo razoável". Na entrevista dada à Rádio Correio FM, Ophir arrematou dizendo que "a presença do juiz na comarca é importante não só como fator de segurança jurídica, mas para que também ele conheça a vida da sua comarca, onde muitos costumam ser apenas um visitante".

sábado, 13 de outubro de 2012

Obrigação alimentar

Consultor Jurídico ISSN 1809-2829 13 outubro 2012 Obrigação alimentar Pensão alimentícia e sua vinculação ao salário mínimo Por Afonso Tavares Dantas Neto A pensão alimentícia compreende "os alimentos necessários para o sustento, mas, também, os demais meios indispensáveis para as necessidades da vida no contexto social da cada um... os alimentos devem atender também a compatibilidade com a condição social" (Doutrina e Prática dos Alimentos. Sérgio Gilberto Porto, 4ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. página 17, passim). Mais adiante o mesmo autor explica que os "alimentos necessários para o sustento, vestuário e habitação são definidos pela doutrina como alimentos naturais, ao passo que os alimentos destinados às despesas de educação, instrução e lazer são denominados alimentos civis" (obra citada, página 20). A Constituição Federal de 1988 dispõe, in verbis: “Artigo 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”. Numa leitura apressada do dispositivo constitucional acima transcrito, poder-se-ia imaginar que jamais poderia haver vinculação do salário mínimo “para qualquer fim”. Tal interpretação é temerária, pois constitui modalidade literal de análise do texto jurídico. Afastando-se a interpretação ao pé da letra, chamada tecnicamente de interpretação literal, para adotar uma interpretação sistemática da norma jurídica em análise, conclui-se que a vinculação vedada é aquela que foge à finalidade da instituição do salário mínimo, ou seja, a vinculação pura e simples, sem caráter alimentar ou salarial. Convida-se à leitura dos dois julgados lapidares do excelso Supremo Tribunal Federal que dirimiram definitivamente a questão, verbo ad verbum: “EMENTA: PENSÃO ESPECIAL. FIXAÇÃO COM BASE NO SALÁRIO-MÍNIMO. C.F., ART. 7., IV. A vedação da vinculação do salário-mínimo, constante do inciso IV do artigo 7. da Carta Federal, visa a impedir a utilização do referido parâmetro como fator de indexação para obrigações sem conteúdo salarial ou alimentar. Entretanto, não pode abranger as hipóteses em que o objeto da prestação expressa em salários-mínimos tem a finalidade de atender as mesmas garantias que a parte inicial do inciso concede ao trabalhador e a sua família, presumivelmente capazes de suprir as necessidades vitais básicas. Recurso extraordinário não conhecido” (STF – RE 170203, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 30/11/1993, DJ 15-04-1994 PP-08076 EMENT VOL-01740-08 PP-01535 RTJ VOL-00151-02 PP-00652). “AÇÃO DE ALIMENTOS. FIXAÇÃO DE PENSÃO ALIMENTICIA COM BASE EM SALARIO MINIMO. ALEGAÇÃO DE MALTRATO AO ARTIGO 7., INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A fixação de pensão alimentícia tem por finalidade garantir aos beneficiários as mesmas necessidades básicas asseguradas aos trabalhadores em geral pelo texto constitucional. De considerar-se afastada, por isso, relativamente a essa hipótese, a proibição da vinculação ao salario mínimo, prevista no inciso IV do artigo 7. da Carta Federal. Recurso Extraordinário não conhecido” (STF – RE 134567, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, 1ª Turma, julgado em 19/11/1991, DJ 06-12-1991 PP-17829 EMENT VOL-01645-03 PP-00378 RTJ VOL-00139-03 PP-00971). Na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Federal, existe um excelente julgado (unânime), relatado pela Desembargadora Vera Lúcia Correia Lima (egressa dos quadros do Ministério Público cearense), do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, que merece ser consultado, ipsis verbis et litteris: “PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C ALIMENTOS. EXAME DE DNA. RESULTADO POSITIVO. POSTERIOR RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE. PEDIDO DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. FIXAÇÃO DOS ALIMENTOS EM MÚLTIPLOS DO SALÁRIO MÍNIMO. ALINHAMENTO À JURISPRUDÊNCIA DO STF. TERMO INICIAL DA DÍVIDA ALIMENTAR. CITAÇÃO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ CONFIGURADA. APELAÇÃO CONHECIDA E IMPROVIDA. 1. Trata-se de recurso de apelação cível interposto em face de sentença que, proferida nos autos de ação de investigação de paternidade c/c alimentos, deu provimento ao pedido da parte autora, reconhecendo o parentesco em linha reta, em primeiro grau, entre investigante e investigado, bem como fixando pensão alimentícia no valor de três salários mínimos mensais, condenando o demandado como litigante de má-fé. 2. Busca o apelante a total reforma da sentença, a fim de que: a) o processo seja extinto sem julgamento do mérito com relação à investigação de paternidade, por perda superveniente do objeto; b) os alimentos sejam fixados em percentual da remuneração, e não em salários mínimos; c) o termo inicial do débito alimentar ocorre somente a partir da prolação da sentença; e d) seja excluída a condenação do apelante por litigância de má-fé. 3. O reconhecimento da procedência do pedido do réu configura a hipótese prevista no artigo 269, II, do Código de Processo Civil, ensejando resolução do mérito, pelo que não merece guarida a pretensão do apelante de ver reformada a sentença para que o processo seja extinto sem julgamento do mérito, quanto à investigação de paternidade, por suposta perda superveniente do objeto. 4. Encontra-se pacificado o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que é possível a vinculação de pensão alimentícia ao salário mínimo. Precedentes: REs 170.203-6/GO, relator Ministro Ilmar Galvão, DJ de 15.04.94, 140.356-6/GO, relator Ministro Ilmar Galvão, DJ de 15.04.94 e 166.586-6/GO, relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 29.08.97. Pairando dúvidas acerca dos exatos rendimentos do alimentante, mostra-se prudente a fixação dos alimentos em salários mínimos, e não em percentual da sua remuneração, evitando maiores dificuldades no momento de calcular o valor da prestação. Ressalte-se que, havendo alteração no binômio necessidade-possibilidade, poderá qualquer dos interessados ingressar com a ação cabível, como o fim de revisar ou exonerar o valor da pensão alimentícia. 5. "Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação" (Enunciado 277 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça; artigo 13, parágrafo 2º, da Lei 5.478/68). 6. Não merece reproche o decisum vergastado quanto à condenação do investigado por litigância de má-fé, uma vez que, das informações trazidas aos autos, emerge, de forma cristalina, a indisposição do réu no sentido de cooperar com o deslinde do feito, dificultando a produção da prova técnica, bem como a falta de compromisso com a verdade em suas declarações, condutas que excederam os limites do direito à ampla defesa, ingressando no campo da deslealdade processual. 7. Recurso de apelação cível conhecido e improvido” (TJCE – Apelação 17134-85.2000.8.06.0070/1, 4ª Câmara Cível do TJCE, Rel. Vera Lúcia Correia Lima. unânime, DJ 07.02.2011). O egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco também abordou o tema com bastante lucidez, conforme se vê adiante, verbatim: “DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO REVISIONAL. ALIMENTOS IN NATURA. CONVERSÃO PARA PECÚNIA E VINCULAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO. POSSIBILIDADE. PREVALÊNCIA DO INTERESSE DA CRIANÇA. REAJUSTE. ADEQUAÇÃO AO BINÔMIO. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO À UNANIMIDADE. 1. Em se tratando de alimentos, a capacidade financeira de quem presta e a necessidade de quem recebe constituem os parâmetros para a fixação do valor da pensão alimentícia, admitindo-se sua modificação, a partir das circunstâncias do caso concreto, inclusive como medida de atualização do valor anteriormente fixado. 2. A conversão dos alimentos in natura para pecúnia melhor atende ao interesse da criança e a vinculação do valor ao salário mínimo garante a correção automaticamente. 3. Recurso improvido. Decisão unânime” (TJPE – Apelação 0228700-7, 4ª Câmara Cível do TJPE, Rel. Jones Figueirêdo. j. 05.07.2011, unânime, DJe 14.07.2011). Obviamente, considerando que o Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição, constitui o intérprete por excelência do texto constitucional. Corroborando a exposição até aqui, recomenda-se a leitura da insuperável doutrina do mestre civilista Yussef Said Cahali, na sua obra DOS ALIMENTOS, 7ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. Páginas 116 e seguintes. Uma eventual irresignação contra a interpretação do texto constitucional pelo Supremo Tribunal Federal tem grande probabilidade de resultar num insucesso processual, pois considerando-se a hierarquia do Judiciário nacional, não é de se esperar que as instâncias judiciárias inferiores contrariem o entendimento do Pretório Excelso. Logo, não há como fugir à constatação de que a vedação de vinculação do salário mínimo comporta exceção, devidamente analisadas acima. Se ainda havia alguma dúvida quanto ao tema em questão, com a edição do novo Código Civil de 2002 o assunto restou totalmente resolvido, in verbis: “Artigo 1.710. As prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atualizadas segundo índice oficial regularmente estabelecido”. Ora, se o próprio Código Civil defende expressamente a atualização da prestação alimentícia segundo índice oficial regularmente estabelecido, não resta qualquer argumento para criticar a vinculação dos alimentos ao salário mínimo, cuja finalidade coincide com o objetivo da norma civilista. Aliás, verdade seja dita, a vinculação da pensão alimentícia ao salário mínimo constitui inclusive medida de economia processual, pois evita o ajuizamento de sucessivas ações de majoração de alimentos para atualizar o valor da verba alimentar. Além do mais, não há como negar a evidente vantagem da utilização do salário mínimo como parâmetro de atualização da pensão alimentícia, pois assim evita-se a burocracia de fazer-se uma periódica correção monetária da obrigação alimentar. Isto posto, na linha do que é preconizado pela mais alta Corte de Justiça do Brasil, o salário mínimo pode (e deve) ser utilizado para fins de fixação da pensão alimentícia, preservando-se assim o poder de compra dos alimentos e evitando-se a deletéria e irresistíveis corrosão da pensão alimentícia pela inflação. Finalmente, nada mais longe da realidade jurídica brasileira do que cogitar da inconstitucionalidade da fixação dos alimentos em percentual do salário mínimo, visto que o intérprete por excelência da Carta Magna, o Supremo Tribunal Federal, já pacificou o assunto autorizando expressamente o emprego do salário mínimo como parâmetro ou fator de indexação para as obrigações de caráter alimentar. Afonso Tavares Dantas Neto é promotor de Justiça de Família e Sucessões em Juazeiro do Norte (CE). Revista Consultor Jurídico, 13 de outubro de 2012 http://conjur.com.br/rss.xml

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Livro novo!!!

Livro novo, produto da pesquisa realizada durante o pós-doutorado em Roma. Com prefácio de Eligio Resta, foi publicado pela UNIJUI.

domingo, 29 de julho de 2012


O livro foi publicado em parceria com Luciana Turatti e Caroline Muller Bintencourt pela editora espanhola EAE na Alemanha. Pode ser adquirido nos endereços abaixo:

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quinta-feira, 5 de julho de 2012

Tribunal de Justiça de MG autoriza avó a adotar neta

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais concedeu a uma avó o direito de adotar a neta, que é maior de idade e incapaz. A decisão é da 1ª Câmara Cível do TJ-MG e modifica sentença que proibia essa possibilidade sob o argumento de que o artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente veda a adoção de descendente por ascendente.

O relator do processo, desembargador Eduardo Andrade, entendeu que o Estatuto da Criança e do Adolescente não se aplica nos casos de adoção de descendente maior de idade por ascendente, mas apenas aos casos envolvendo menores. O desembargador concluiu que a adoção de descendente maior de idade por ascendente é possível, pois não há vedação legal prevista no Código Civil de 2002.

Em seu voto, ele ressaltou que a idosa foi quem sempre se responsabilizou, de fato e de direito, pela neta, suprindo a omissão dos pais no desempenho dos deveres inerentes ao poder familiar. O magistrado lembrou que, apesar da idade avançada, a idosa encontra-se aparentemente lúcida e com capacidade física satisfatória.

O Ministério Público foi contrário à adoção, e afirmou que o desejo da idosa, com 92 anos, é reverter sua pensão — de cerca de R$ 7 mil mensais — à neta, o que seria um ato para burlar o sistema de Previdência Social.

Segundo os dados do processo, a avó sempre cuidou da neta, que tem deficiência mental. Quando a menina era menor, ela tinha a sua guarda. Após a maioridade, a garota foi interditada judicialmente e a avó foi nomeada a sua curadora. Em seu recurso no TJ-MG, a idosa alegou que suas preocupações vão muito além do amparo previdenciário e inclui também a possibilidade de garantir as necessidades especiais da moça, hoje com 21 anos, e oferecer os tratamentos terapêuticos especializados, de forma a garantir o seu bem-estar e uma vida digna.

“Parece-me induvidoso que o presente pedido de adoção visa a resguardar uma situação fática já existente há anos, na qual a avó paterna sempre foi a responsável por propiciar à neta assistência afetiva, material e psicológica necessárias ao seu bem-estar e à garantia de uma vida digna, tendo com ela firmado vínculos de afinidade e afetividade”, disse o desembargador em seu voto. Para ele, a constatação afastaria a hipótese de que o pedido de adoção tivesse o intuito único e exclusivo de resguardar à adotanda o amparo previdenciário. Para ele, eventual benefício previdenciário a ser recebido pela neta seria decorrência decorrido de uma situação legítima e justa.

Com base nesses fundamentos, o relator julgou o pedido da idosa procedente e decretou a destituição do poder familiar dos pais biológicos. Determinou ainda que seja realizada a alteração no registro de nascimento, com inclusão do nome da mãe adotiva e dos respectivos avós, além da alteração do sobrenome.

Votaram de acordo com o relator os desembargadores Geraldo Augusto e Vanessa Verdolim Hudson Andrade. Com informações da Assessoria de Comunicação Institucional.

Revista Consultor Jurídico, 5 de julho de 2012

domingo, 17 de junho de 2012

Países discutem administração da Justiça em Haia


Em congresso promovido pela International Association for Court Administration (IACA), 340 pessoas, representando 46 países, compareceram em Haia, Países Baixos (Holanda), para discutir medidas para alcançar maior eficiência nas atividades do Poder Judiciário. O local do evento não podia ser mais adequado: Corte Internacional de Justiça (CIJ), onde o Brasil brilhou e brilha, com a presença dos ministros Francisco Rezek e Cançado Trindade.

A IACA (http://www.iaca.ws/), com sede em Saint Louis, EUA, foi criada oficialmente em 2004 por administradores judiciais norte-americanos. Seu objetivo é estudar a administração da Justiça. Neste mister reúne magistrados, professores, administradores judiciais e operadores jurídicos de todos os continentes, facilitando a troca de ideias e experiências. No seu International Journal on Court Administration, que nada mais é do que uma revista eletrônica, publica artigos oriundos dos mais diversos países.

A primeira observação que se faz é como administradores judiciais conseguiram, em 8 anos, estender suas atividades por dezenas de países, em todos os continentes. Aí está uma mescla de ousadia e competência inusitadas. A ideia partiu de Markus Zimmer e Jeffrey Apperson (1999), quando ambos eram administradores judiciais da Justiça Federal de primeira instância nos estados de Kentucky e Utah EUA. Não é difícil imaginar as dificuldades encontradas no meio do caminho, representadas pelas barreiras linguísticas, políticas, econômicas, religiosas e, acima de tudo, a necessidade de conseguir recursos financeiros para a realização de eventos.

A segunda observação é sobre a figura dos administradores judiciais, nome que se dá aos membros da cúpula dos tribunais nos países da “Common Law” e em alguns da Europa. Equivalem aos nossos diretores-gerais, secretários-gerais ou diretores administrativos dos tribunais ou dos foros. A diferença é que eles se dedicam exclusivamente a administrar o Judiciário, enquanto os nossos diretores, regra geral, permanecem no prazo do mandato de quem os indicou, ou seja, 2 anos. Por isso mesmo, nem sempre eles detêm experiência administrativa. Muitos foram sempre assessores, dedicando-se exclusivamente ao estudo de teses jurídicas. A falta de uma cultura específica desses gestores sobre administração da Justiça colabora para gestões pouco expressivas.

Vejamos como se deu a quinta Conferência Internacional da IACA, cujo tema foi “O desafio de desenvolver e manter Cortes eficientes e fortes em uma era de incertezas”. As anteriores foram em Ljubljana (Eslovênia), Verona (Itália), Dublin (Irlanda) e Istambul (Turquia), além de duas conferências regionais em Trinidad Tobago (Caribe) e na Indonésia (Ásia).

Em três dias de conferências e oficinas de trabalho, os participantes discutiram os mais complexos temas da efetividade da Justiça moderna. O pano de fundo foi e continua sendo a necessidade de um Poder Judiciário independente como forma de garantia da democracia. Os idiomas oficiais do congresso foram inglês, russo, árabe, espanhol e francês.

Inicialmente, merece menção especial a forma de exposição dos vários palestrantes. Os europeus mantêm o antigo sistema de levar o texto escrito e lê-lo, o que não é muito sedutor. Os norte-americanos, como sempre, práticos, exibem lâminas de power-point e dão exemplos práticos. Os asiáticos, sempre discretos, utilizam pouco os instrumentos tecnológicos. Podemos dizer que as exposições do sistema brasileiro não devem nada a país algum, são vibrantes e recheadas com senso de humor.

Um painel foi dedicado exclusivamente ao Tribunal Penal Internacional que, apesar de todas as dificuldades, vem atuando na persecução penal daqueles que praticaram genocídio. Em sua fala o presidente da Corte, ministro Sanh-Hyun Song, ressaltou que a jurisdição da Corte é complementar, só age na omissão dos Estados, e que deles necessita para dar efetividade às suas decisões.

Em outras palestras surgem situações novas, a mostrar quão diversas são a soluções. A ministra Diana Bryant, presidente da Corte de Família da Austrália, que naquele país pertence à Justiça Federal, relatou o projeto “one pager”, através do qual todos os dados relacionados com orçamento e gastos são colocados em uma só página web, de modo a facilitar ao cidadão a visualização objetiva. Naquele país os juízes federais são indicados pelo Governador-Geral (Presidente) e aprovados pelo Senado, enquanto o método de escolha dos estaduais é assunto privativo de cada estado.

Os julgamentos pelo Júri, para nós algo pouco estimulante, acham-se em franca evolução em países do leste europeu, como forma de participação popular na Justiça. Konstantine Kublashvili, da Suprema Corte da Geórgia, narrou que naquele país agora vige o processo penal acusatório, o juiz só preside e decide, ficando as provas a cargo das partes. Contou, ainda, que ao tempo do domínio da União Soviética era comum vir ordens dos detentores do poder para que se julgasse desta ou daquela forma. Siniza Vazic, da Corte de Apelação da Sérvia, noticiou que naquele país crimes apenados até 5 anos são julgados por juízes profissionais e os que ultrapassam 5 anos são decididos por Tribunais mistos, juízes e leigos.

Paulo Lotulung, vice-procurador geral da Indonésia, narrou que a Suprema Corte teve uma fase crítica, acumulando 20 mil processos (quase nada, se comparado ás estatísticas brasileiras), mas que um plano de ação reduziu drasticamente aquele acervo, inclusive apontando-se com quem e desde quando estava cada processo.

Richard Foster, oficial-chefe da Corte de Família da Austrália, contou que até 1990 a Justiça era muito conservadora e depois passou por um processo de modernização, que inclui a valorização dos servidores e a criação de um Conselho misto que discute e propõe medidas de eficiência da Justiça.

Sheryl Loesch, executiva da Corte Federal em Orlando, Flórida, EUA, relatou vários programas de aproximação com a sociedade, inclusive uma visita que estudantes fazem ao foro, onde aprendem sobre a Justiça Federal. Esta boa iniciativa foi feita, há alguns anos, pelo juiz Roberto Bacellar junto ao Tribunal de Justiça do Paraná.

Sakaru Laukkanen, professor e juiz da Corte de Apelação de Rovaniemi, Finlândia, narrou excelente programa de aperfeiçoamento feito no norte do país, com a participação de servidores, advogados e mediadores, dele resultando 9 livros sobre práticas de sucesso. Além disto, lembrou a necessidade de manter-se um bom ambiente de trabalho com os servidores.

A importância do papel da Universidade lembrada pela professora Daniela Piana, da Universidade de Bolonha, Itália, a existência da matéria na Universidade de Utrecht (Holanda), onde é ministrada pelo professor Philip Langbroek, informações sobre a Justiça do Azerbaijão e Ucrânia, até a forma de recrutamento de ministros da Corte de Cassação dos Emirados Árabes Unidos, feita por contrato de tempo determinado entre pessoas respeitadas e experientes de países vizinhos, foi lembrada, tudo a mostrar que muitas e diversas são as tentativas de aperfeiçoamento ao redor do mundo.

Entre avanços e retrocessos, segue o Judiciário nos mais diversos países e culturas, firmando-se como Poder de Estado. E a IACA, fortalecida com mais este Congresso, cumpre seu papel derrubando fronteiras e mantendo o foco exclusivamente na administração da Justiça, abstraindo adversidades políticas, econômicas ou religiosas.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.

Revista Consultor Jurídico, 17 de junho de 2012