quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Justiça não é número; tem que ter solução

(Publicado no dia 21.10.11 no Espaço Vital)

Por Carlos Hamilton Bezerra Lima,
juiz de Direito no Estado do Piauí e vice-presidente da Anamages

Ninguém ignora que em todos os países do mundo a justiça seja morosa, neste ou naquele grau; em canto algum da terra a justiça age como relâmpago, mesmo nos países europeus; na Ásia ou América do Norte, ou em qualquer continente o estigma da lentidão judiciária não é monopólio apenas da terra brasilis.

Há anos se discute a morosidade judicial e suas causas e soluções já foram divulgadas em centenas de congressos jurídicos ao longo de décadas: excessos de prazos, formalismos exacerbados, quantidade enorme de recursos processuais, privilégios das Fazendas Públicas, Municípios, Estados e União, falta de infra-estrutura material e humana, esta quase sempre desqualificada e resistente a inovações, para citar algumas.

O fato parece remeter à fábula dos ratos a discutir o problema do gato: todos parecem saber ou apontar a solução de colocar o guizo no pescoço do bichano, mas poucos têm sido os que se apresentaram à difícil tarefa.

A culpa dos juízes - é preciso que se diga - tem sido mínima, justiça lhes seja feita. Eles cumprem o que está posto. A grande maioria trabalha inclusive aos sábados, domingos e feriados, e acreditem, outros tantos usam as férias para julgar. Não fazem leis, não administram presídios, não nomeiam, nem contratam. Não foram remetidos estes assessores ou número suficiente em material e recursos humanos qualificados, desejáveis à personificação da justiça. O juiz, peça fundamental, foi esquecido por completo ao longo dos anos, – e não há evidência de atenção na reforma do Judiciário -, e hoje, estão sendo cobrados à exaustão, como se fossem o cajado de Moisés a abrir solução para tudo para o que não deram causa.

A culpa repita-se mais uma vez, na maioria esmagadora das vezes está numa legislação anacrônica, vetusta, que quando inova parece olvidar por completo a condição de trabalho dos magistrados, como se o processo fosse algo simples, como a colocar uma roupa suja numa máquina de lavar e dali sair pronta, inclusive passada. Neste particular o Legislativo pouco concorreu para avanço do Judiciário. Uma postura mais firme e direcionada a um poder judicante mais independente e pragmático, pouco tem se revelado em efeitos concretos ao povo, real destinatário da prestação jurisdicional.

Não se pode olvidar idêntica postura ao Executivo – um dos maiores clientes do Judiciário -, seja como autor ou como réu, as infrações à lei por este assoberbam as prateleiras da mais minúscula comarca ao Supremo Tribunal Federal.

Quem esquece que num único dia mais de dez mil ações neste país foram ajuizadas quando do plano Collor? No frigir dos ovos, o Estado concorre para a quantidade necessária de juízes proporcional a seu número de habitantes? Neste particular, aqui somos triste exclusividade no mundo: um magistrado para cada vinte e três mil habitantes, uma verdadeira ilha, sob um cipoal de leis e infrações por todos os lados em canto nenhum do globo jamais testemunhado.

Que não se descure também o orçamento anual previsto ao Judiciário. Quem desconhece as constantes divergências, senão arranhões político-institucionais, quando do dito orçamento, sempre diminutos e podados pelos outros dois poderes? Ora o Judiciário não faz leis e nem tem a bolsa; aquelas são com o Legislativo e esta com Executivo; o Judiciário detém apenas e tão somente a espada, instrumento que vez por outra querem tomar ou impor rédeas a esgrimi-la, e então, como sabemos a democracia sempre corre perigos.

É de suma importância que a Justiça seja célere e dê a resposta ao direito da parte em tempo razoável; todos queremos isso e os juízes estão comprometidos com este desiderato. Entretanto, temos visto nos últimos tempos uma preocupação unicamente com números para solução do processo, aliás, com referenciais e escore de percentuais para a sentença.

A providência tem bons propósitos, até faz sentido, entretanto por mais que seja o anseio dos pais em conhecer a criança, esta não pode ser arrancada do ventre da mãe a qualquer tempo e modo, no mínimo princípios e circunstâncias médicas a cada caso urge sejam observadas, e ainda que esteja passada da hora de nascer, é que os meios e cuidados maiores devam ser observados, senão, mata-se a mãe e o filho.

Não se julga um processo, máxime os antigos, conduzidos quase sempre por outros juízes que o antecederam, sem que seja lido e avaliadas as provas e o direito com muita acuidade; não se cuida de algo simples que o magistrado pudesse apenas ditar sem meias palavras; este defiro, aquele não, este condeno, o outro absolvo. O direito e a justiça não se operam dessa forma.

A democracia precisa sobreviver, idem o bem comum e a pacificação de conflitos, mas por um Judiciário justo, coerente e sábio na avaliação das provas, obediente às leis e princípios jurídicos ínsitos da decisão judicial respectiva. E isso não se faz como quem se busca um recorde, sob pena de fazer exatamente o contrário a que se propõe.

A Justiça não são números, nem é compatível e nem deve se comprazer com estatísticas; se faz sim pela satisfação das partes, com justeza, e isso somente pode acontecer se instrumentalidade for dada ao Judiciário; caso contrário vamos ficar ouvindo o já inócuo e repetitivo discurso de uma dialética que a nada serve se não for acompanhada de ação.

Ação, pois é o que basta; o tempo, é agora. Que os juízes sejam rápidos, mas que essa urgência não os imponha ou exponha a injustos.

carloshamilton@anamages.org.br

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