Por João Ozorio de Melo
Na Índia, advogados estrangeiros podem atuar apenas em duas áreas: arbitragem internacional e consultoria internacional — isto é, podem prestar assessoria a seus clientes sobre o sistema jurídico de seus países de origem ou questões jurídicas internacionais. Sempre em uma base itinerante (fly-in, fly-out basis), o que significa que podem entrar no país apenas para prestar a assessoria solicitada pelos clientes, sem se estabelecer. E não podem exercer atividade advocatícia de qualquer espécie internamente, seja em contencioso ou não contencioso, a menos que cumpram as exigências da Lei da Advocacia de 1961 e as regras da Ordem dos Advogados da Índia, de acordo com a Suprema Corte de Chennai (antiga Madras).
Também podem operar na Índia empresas que prestam serviços terceirizados a organizações jurídicas, chamadas de LPO (legal process outsourcing), desde que não exerçam qualquer atividade pertencente à profissão de advogado. As LPOs prestam uma variedade de serviços de apoio a entidades jurídicas, como de processamento de texto, secretaria, transcrição, revisão, agência de viagens, administração de conhecimentos, administração e relatório de banco de dados de CRM (Customer Relationship Management), desenvolvimento de negócios, treinamento e suporte de TI, relações públicas, contabilidade e finanças, faturamento e pagamentos, contabilidade, relatório e análise de administração, administração de folha de pagamento, contratações, administração de projetos e outros. Porém, se essas empresas avançarem o sinal que separa seus serviços das atividades profissionais dos advogados, a Ordem do Advogados devem tomar as ações apropriadas contra elas.
A decisão da Suprema Corte de Chennai foi provocada por uma ação judicial movida em 2010 pelo advogado A.K. Balaji, representando a Associação de Advogados Indianos. Balaji acusou 31 firmas estrangeiras e uma de LPO de praticarem advocacia ilegalmente. Entre as acusadas, estão grandes bancas inglesas, como Clifford Chance, Linklaters, Freshfields Bruckhaus Deringer, Norton Rose e Allen & Overy e americanas, como Davis Polk & Wardwell, Shearman & Sterling e White & Case. A empresa de terceirização de serviços nomeada foi a Integreon. O advogado afirma, na ação, que a Integreon, entre outras coisas, faz revisão de documentos jurídicos, o que constitui trabalho de advogado.
Arbitragem internacional
A Suprema Corte acatou argumento do governo do país de que a Índia não pode abrir mão da arbitragem internacional. Ao contrário, é propósito do governo tornar a Índia um grande centro de arbitragem internacional. Seguindo essa linha de pensamento, os ministros da corte escreveram: "Se for negada entrada às firmas estrangeiras para lidar com arbitragens na Índia, o país vai perder muitas arbitragens para Cingapura, Paris e Londres. Isso contraria a política declarada do governo e os interesses nacionais". Segundo a corte, um grande número de arbitragens, atualmente, já é feita fora da Índia, onde as partes indianas são assessoradas por firmas de advocacia ou advogados indianos.
A Índia é signatária do Acordo Mundial de Comércio, o que abriu as portas do país para as empresas estrangeiras. E o governo adotou uma política econômica que favorece o investimento externo, a formação de joint ventures e as colaborações de empresas internacionais. Assim, a corte reconhece que as reformas econômicas do país não vão se tornar inteiramente efetivas, se a legislação que trata de disputas e acordos comerciais, doméstica e internacionalmente, não entrar em sintonia com o plano econômico do país. A Índia é a quarta maior economia do mundo, o segundo país mais populoso e o sétimo em extensão geográfica.
Mas a queixa dos advogados indianos, na ação, é de que os advogados estrangeiros estão fazendo mais do que participar de arbitragem, fazer seminários e encontrar com clientes em hotéis. Segundo a petição, eles estariam redigindo documentos, fazendo contatos com autoridades judiciárias, ajudando clientes em fusões, aquisições, controle, incorporações, a despeito das restrições da Lei da Advocacia. A própria corte admitiu que algumas firmas trabalham no limite do permitido, assessorando clientes em questões de proteção e gestão de direitos de propriedade intelectual, empresarial e industrial, além de realizar levantamentos, pesquisas de mercado e publicar relatórios e jornais. E mantêm escritórios, chamados de escritórios de contatos.
Reciprocidade
A lei que rege a advocacia na Índia criou o mecanismo da reciprocidade, que permite a atuação de advogados estrangeiros no país, quando seus países permitem a atuação de advogados indianos em seus territórios. Mas o Reino Unido, os Estados Unidos e Austrália, os que mais têm advogados na Índia, além de outros países, não permitem que os advogados indianos atuem em suas jurisdições, diz a petição. "Mesmo que deixassem, as exigências são tamanhas — entre elas, Exames de Ordem, provas de qualificação, experiência anterior, permissão da Imigração para trabalhar no país — e os custos são tão altos, que esse projeto se torna inviável para os advogados indianos. E essas e outras exigências não constam da Leia da Advocacia da Índia, para advogados estrangeiros", escreveram.
Para praticar advocacia na Índia, o advogado deve ser cidadão indiano e ser formado por uma faculdade de Direito credenciada para funcionar no país. Mas, pode ser formado em outro país e obter licença para atuar na Índia, se seu diploma for reconhecido pela Ordem dos Advogados e ele aceitar as condições impostas pela entidade regularmente.
Profissão nobre
Um dos maiores problemas, relacionados à presença das firmas inglesas, americanas e australianas na Índia, segundo a petição, é a forma como a advocacia é vista pelos profissionais. "Na Índia, a advocacia é considerada uma profissão nobre, cuja principal função é servir a sociedade e não pode ser tratada como se fosse uma atividade comercial. Para aquelas firmas estrangeiras, a advocacia é tratada como um negócio, um empreendimento comercial para se ganhar dinheiro, apenas", argumentam os indianos.
Para eles, essas firmas estrangeiras dão pouca importância a questões de ética, sempre muito valorizadas pelos indianos. "Na Índia, os advogados são proibidos de fazer publicidade, seja na mídia impressa, na eletrônica ou através de qualquer outro meio. Nenhum advogado na Índia pode se auto promover, solicitar trabalho ou fazer o marketing do escritório ou da profissão. Enquanto isso, essas firmas estrangeiras anunciam abertamente em seus websites, oferecem seus serviços, solicitam trabalho, assegurando resultados", disseram.
"Além disso, eles vem à Índia com visto de turistas, trabalham e ganham dinheiro, que remetem para seus países de origem, sem pagar imposto de renda ou taxas da imigração, causando um perda para o tesouro do país", queixaram-se os indianos. Eles acusaram ainda as firmas estrangeiras de atuar no país "sem pedir qualquer permissão ao governo da Índia, à Ordem dos Advogados da Índia ou de qualquer seccional da entidade nos estados, e nem mesmo do Departamento da Receita ou do Banco Central para ganhar dinheiro e fazer remessa para seus países".
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 7 de março de 2012
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