sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Todo o esforço da Justiça não conseguiu gerar eficiência

Por Luciano Athayde Chaves

Há poucos dias, foram divulgados, pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do Conselho Nacional de Justiça, os dados do relatório Justiça em Números, que, de uns tempos a esta parte, tem buscado fornecer, com esforço metodológico, um diagnóstico sobre o funcionamento do Poder Judiciário brasileiro.

Estou seguramente entre aqueles que acreditam que os números não dizem tudo, em especial quando se trata de distribuição de justiça, uma atividade tão antiga quanto nossa conhecida história, e tão complexa quanto à evolução cultural e política das sociedades. Isso não significa, porém, que os números não digam nada. Certamente, os dados estatísticos podem sugerir reflexos e análises sobre o funcionamento, sobre o perfil da atividade judiciária, em ordem a oferecer um vasto campo de análise para os profissionais que atuam no palco da Justiça.

O Relatório de 2010 estampa, como já vem sucedendo, dados superlativos, mercê da dimensão de nosso país e de nosso aparato judicial. É emblemático, por exemplo, saber que no ano passado ingressaram, no Primeiro Grau de jurisdição, nada menos que 20,5 milhões de novos processos, sendo 73% relativos à chamada fase de conhecimento (quando o Judiciário é chamado a “dizer o direito”) e 27% atinentes à fase de execução (item 2.2.3 da versão resumida do Relatório). Isso implicou uma carga média de trabalho cerca de 5.423 para cada magistrados de Primeiro Grau.

São preocupantes, contudo, os indicadores inerentes à chamada taxa de congestionamento, que diz sobre a capacidade de solução dos casos em tramitação.

Se nos limitarmos ao Primeiro Grau de jurisdição, essa taxa é de 58% na fase de conhecimento e de expressivos 84% na fase de execução. É dizer, nessa última, “de cada 100 processos que tramitaram, em 2010, aproximadamente, 84 não tiveram sua baixa definitiva alcançada” (item 2.2.6 da versão resumida).

A Justiça do Trabalho, de cariz nomeadamente mais efetiva nesse campo, contribui para a construção da taxa global de congestionamento com 67.8%, abaixo dos índices da Justiça Estadual (86%) e Federal (85%). Porém, o índice de 2010 é superior àquele de 2009, quando a Justiça do Trabalho apresentou uma taxa de congestionamento para essa fase em torno de 66.8%.

Ainda que o perfil da Justiça do Trabalho mostre uma performace melhor nesse aspecto jurisdicional, trata-se de um dado extremamente preocupante, isso se tomamos em conta os interesses em jogo nos processos trabalhistas e a urgência que clama sua solução. Mas, não é uma realidade nova, e uma análise minimamente comprometida com a ciência não pode prescindir da percepção de seu caráter multifatorial.

Já há algum tempo, tenho insistido para um diálogo institucional sobre os problemas de efetividade da Justiça brasileira, e da trabalhista em especial.

Apesar dos avanços das ferramentas eletrônicas na fase de cumprimento forçado das decisões e dos títulos extrajudiciais, cuja execução é admitida na Justiça do Trabalho, a efetividade processual continua a revelar sérios problemas.

A baixa faticidade ou eficácia da legislação trabalhista de algum modo também se projeta sobre o universo endoprocessual, sendo rarefeita as iniciativas de satisfação voluntária das sentenças. Na maior parte dos casos, a solução precisa passar por um ou muitos atos processuais de constrição judicial. Em muitos deles, ainda há a necessidade de se promover a expropriação patrimonial para satisfação do crédito.

Temos ainda o problema da execução contra a Fazenda Pública, que ganhou contornos preocupantes de retardamento de efetividade com a adoção do regime especial permitido pela Emenda Constitucional 62.

Examinando o Judiciário do Trabalho, ainda se vê uma considerável priorização de recursos humanos e materiais na fase de conhecimento, o que resulta numa taxa de congestionamento muito mais baixa, em torno de 35,8% no primeiro grau de jurisdição.

Porém, é fundamental para o caráter (ou escopo) pedagógico da jurisdição que o Poder Judiciário dê uma efetiva resposta ao jurisdicionado sobre a demanda apresentada. E essa resposta não pode ser atendida pela solução do caso apenas na ótica do direito controvertido. Nas ações de reparação em geral, que envolve obrigações de dar (ou pagar), o sentimento de justiça concreta está umbilicalmente ligado à entrega do bem da vida pleiteado: a justiça substancial, e não meramente formal.

Esse certamente é uma dos exponenciais desafios que o Relatório nos intima a enfrentar. Todo o esforço empreendido até aqui não tem sido suficiente para atender ao preceito da eficiência (artigo 37, CF), o que implica dizer que precisamos ampliar as discussões dentro e fora do Judiciário, em ordem a construir alternativas e soluções para a efetividade processual.

Precisamos enfrentar temas como a redistribuição das tarefas de magistrados e servidores, equilibrando o tempo entre as diversas fases processuais; a participação dos advogados na construção de alternativas para a solução substancial dos processos; a reforma pontual da legislação processual; o aproveitamento de institutos processuais mais eficazes e simplificados; a valorização das decisões e o maior potencial da execução provisória; a cobrança de maior eticidade processual; a revisão do regime de penalidades para atos atentatórios à dignidade da Justiça; a remodelação do sistema de contempt of court no processo pátrio; dentre outros temas.

Parece-me que esse é o desafio para o qual todos nós somos chamados quando se revelam os dados do Poder Judiciário, especialmente quando sua legitimiação social depende, em expressiva medida, do comprometimento de todos os seus atores com uma tutela jurisdicional de qualidade e materialmente efetivada em prazo razoável, pois se trata de direito fundamental de todos, e cuja pretensão de eficácia, como lembra Konrad Hesse, depende também da vontade de todos.

Luciano Athayde Chaves é juiz do Trabalho da 21ª Região e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Revista Consultor Jurídico, 2 de setembro de 2011

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