Por Alessandro Cristo
Imagine-se chegando, no primeiro dia, em um novo emprego. Ao tomar pé do serviço que lhe espera, você fica sabendo que tem nada menos que 12 mil casos por resolver, alguns de vida ou morte, e que até o fim do mês outros 500 chegarão. A rotina se repetirá todos os meses do ano e, por causa disso, alguns de seus colegas, na mesma função que a sua, já acumulam estoques de quase 20 mil casos, sendo que, na melhor das hipóteses, esperam apenas dar conta das novas situações que aparecem.
A realidade desoladora é da 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que cuida de processos previdenciários vindos de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Só no ano passado, a seção recebeu quase 100 mil recursos, o que dá mais de 6 mil novos casos para cada um dos 16 desembargadores responsáveis por julgar se o INSS deve ou não pagar o que pede um trabalhador que contribuiu a vida toda ou uma família que não tem como se sustentar. O acervo sem julgamento apurado até agosto chegou a 146 mil casos.
Difícil, mas não impossível. Empossado em 2004 como desembargador pelo quinto constitucional, o advogado Antônio Carlos Cedenho conseguiu reduzir um estoque de 12 mil processos para 7 mil em seis anos. Gestor do próprio escritório e da subseção da OAB de Santo André, com 3,5 mil advogados inscritos, Cedenho levou a expertise para a Justiça. Com método, colaboração e força de vontade, deu certo.
Bem articulado, o desembargador mostrou habilidade ao costurar convênios com o INSS para solucionar processos repetitivos. O sucesso o levou, em 2008, ao comando do recém-criado Gabinete da Conciliação do tribunal, onde ficou até este ano. No último dia 19 de março, passou o bastão para a também experiente conciliadora desembargadora Daldice Santana. No currículo, Cedenho ostenta mais de 30 mil casos solucionados pela negociação amigável, o que tratando-se de órgãos do Poder Executivo em um dos lados da demanda, é um feito histórico.
Com 63 anos, Cedenho julga, desde o ano passado, na 5ª Turma da 1ª Seção do tribunal, que cuida, entre outros casos, de processos criminais. Em 2011, também ocupou o cargo de ouvidor-geral da 3ª Região. Recentemente foi nomeado diretor da Revista do Tribunal. Paulistano, formou-se em Direito pela PUC-SP em 1972 e é mestre em Direito Constitucional pela mesma universidade. Deu aulas de Direito Administrativo e Comercial em duas faculdades, entre 1995 e 1998.
Conselheiro do Corinthians, Cedenho tem na ponta da língua o placar de torcedores da corte. Para sua alegria, os corintianos lideram com 15 desembargadores. Outros seis são palmeirenses, três são são-paulinos e dois são santistas. A corte ainda tem, segundo suas contas, um flamenguista — Cotrim Guimarães, e um colorado — Nelton dos Santos.
O desembargador concedeu entrevista à ConJur para o Anuário da Justiça Federal 2012, lançado neste mês.
Leia trechos da entrevista.
ConJur — Assim que entrou no tribunal, o senhor já começou julgando na seção mais sobrecarregada da corte, que cuida de casos previdenciários. Como trabalhar com tamanho estoque?
Antônio Cedenho — Tomei posse em 15 de julho de 2004 e assumi o gabinete que pertencia ao desembargador Newton De Lucca [atual presidente do TRF-3], com aproximadamente 12 mil processos. Esse gabinete ficou sob minha responsabilidade até o início de fevereiro de 2011, quando então troquei a 3ª Seção pela 1ª. Ao deixar o antigo gabinete, o número de processos era de aproximadamente 7 mil, ou seja, houve uma redução bastante grande. Na época em que deixei o gabinete, três gabinetes na seção tinham cerca de 18 mil processos.
ConJur — Qual o segredo?
Antônio Cedenho — O trabalho foi bem intenso, houve colaboração de todas as áreas do gabinete para que nós alcançássemos essa diminuição. Desde que assumi, só não vencemos a distribuição em um ou dois meses, porque são meses em que normalmente está todo mundo de férias, como dezembro e janeiro. Para a minha felicidade, o mesmo está acontecendo no atual gabinete. Quando cheguei, no fim de janeiro [de 2011], havia 8.221 processos. Em poucos meses [até setembro] já reduzimos para 6.831. O viés é sempre de queda.
ConJur — É uma questão de gestão?
Antônio Cedenho — A gente ouve falar muito em gestão, mas não temos uma formação acadêmica para poder tratar desse assunto como se fosse realmente uma gestão administrativa. Vai um pouco de intuição também, um pouco de experiência em relação ao outro gabinete, o previdenciário. Aqui, temos um acervo bastante grande de processos de crimes e, na área cível, a matéria-prima mais frequente aqui é Sistema Financeiro de Habitação. Então, a ideia é concentrar esforços em um determinado tema, durante um tempo, até praticamente zerar os processos relacionados, para só depois pegar outro tema. Agora, o número de processos sobre SFH já é relativamente pequeno. O próximo alvo são casos sobre Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
ConJur — Como divide as tarefas dentro do gabinete?
Antônio Cedenho — Adotamos uma rotina. Há funcionários que preparam voto só dentro de um determinado tema. Tem gente que só cuida de agravos, porque o número de agravos também é bastante grande. Outros pegam só mandados de segurança. Alguns só cuidam da parte criminal, em que o cuidado que se tem é evitar a prescrição. Fazemos um pente fino nos processos que chegam ao gabinete para saber quais são os principais atos processuais, e em quais há contagem de prazo prescricional. Além disso, hoje em dia o gabinete também se volta para a questão da estatística, o que envolve um controle administrativo para fornecer dados ao CNJ. Finalmente, há também a elaboração das pautas de julgamento, o que toma um tempo que poderia ser usado para a solução de processos. Temos julgamento de Turma todas as segundas-feiras. Na primeira e na última semanas de cada mês temos julgamento na Seção. Recebemos processos para a sessão de segunda-feira até a quinta-feira, para dar tempo de conhecer a pauta proposta pelos colegas. Ás vezes, a pauta só se completa na sexta-feira, que acaba me tomando até o fim de semana, porque tenho de olhar toda a pauta para poder votar com consciência, com tranquilidade, sabendo exatamente o que vai acontecer, principalmente nos casos criminais. As sessões de julgamento têm muitas sustentações orais nos casos criminais, por isso são demoradas. Começamos às 14h e vamos até as 19h ou 20h.
ConJur — Ter chegado ao tribunal pelo quinto constitucional é uma das razões do traquejo administrativo?
Antônio Cedenho — É. Porque o advogado tem que administrar seu escritório. Não é uma critica, é uma constatação. O fato de você ter sido juiz de carreira e, na primeira instância, ter sido muito soberano com relação a tudo e a todos cria, às vezes, uma dificuldade de trabalhar em colegiado, de aceitar críticas que não são pessoais, são divergências. Isso não significa dizer que não tenhamos aqui desembargadores que são de carreira que já têm outro comportamento. O fato de eu ter trabalhado institucionalmente na OAB também ajudou. Minha subseção, por exemplo, é uma das maiores do estado. Na época, tinha mais de 3,5 mil advogados. É uma classe difícil. Para ser presidente, é preciso passar por uma eleição, não se é indicado.
ConJur — Sua atuação à frente do Gabinete da Conciliação foi elogiada. Como começou esse trabalho?
Antônio Cedenho — Durante minha trajetória do gabinete previdenciário, comecei um trabalho junto ao CNJ em uma comissão de conciliação especificamente destinada à parte previdenciária, em 2007, na época em que o ex-ministro da Previdência Social era Luiz Marinho, hoje prefeito de São Bernardo do Campo (SP), com quem eu tinha uma amizade devido à atuação da OAB. Isso fez com que conseguíssemos fazer um convênio com o INSS. Em janeiro de 2088, já na gestão da desembargadora Marli Ferreira na presidência do tribunal, foi criado o Gabinete da Conciliação, e ela me chamou para coordená-lo. Como já havia um trabalho de conciliação desde o tempo da desembargadora Ana Maria Pimentel, em 2004, em relação ao Sistema Financeiro de Habitação, paralelamente desenvolvemos um trabalho em relação à Previdência Social. Na montagem do gabinete, passamos a trabalhar com esses dois temas. Hoje, já passaram pelo Gabinete da Conciliação aproximadamente 60 mil processos, dos quais conseguimos conciliar aproximadamente 29 mil. Na área previdenciária, foram mais de 20 mil conciliações.
ConJur — Como funciona o Gabinete da Conciliação?
Antônio Cedenho — No caso do Sistema Financeiro de Habitação, que traz processos em que as pessoas financiam imóveis, mas acabam não conseguindo pagar, as conciliações são feitas tanto em relação aos processos da primeira quanto da segunda instâncias. Temos um calendário anual, marcamos semanas de conciliação, não só na capital, mas também em algumas subseções da nossa jurisdição. São marcadas as audiências. No Fórum Pedro Lessa, por exemplo, temos cerca de 12 mesas de conciliação. São convocados juízes e os processos são selecionados pela Caixa Econômica Federal e pela Emgea, que é uma empresa que cuida do passivo desses processos, de tudo o que foi considerado perdido pela Caixa. Ela tenta, então, fazer conciliação e recuperar parte desse passivo. As partes são intimadas a comparecer e então fazemos a conciliação. Em relação aos casos previdenciários, firmamos um convênio com o Ministério da Previdência Social e o INSS. Temos um número de funcionários dentro do Gabinete da Conciliação, que no inicio eram 12 e mais quatro procuradores. Os gabinetes da 3ª Seção do tribunal mandavam de cem a duzentos processos por ano para a conciliação. Lá, só trabalhamos com processos que versem sobre aposentadoria por idade do trabalhador rural.
ConJur — Por que esse tema em especial?
Antônio Cedenho — Porque o número de processos sobre isso é muito grande no tribunal, e são processos que para o próprio INSS é mais fácil analisar. No SFH, por exemplo, a negociação leva em conta caso a caso. Já no previdenciário, o INSS concorda em pagar 80% dos valores atrasados e implantar os benefícios imediatamente. Os valores são corrigidos, inclusive os honorários advocatícios, que também são pagos em 80%. Essa era uma atividade que a 1ª Região já vinha praticando por força do nosso trabalho lá, de uma comissão que existia no CNJ, com pessoas da Justiça Federal, do INSS e da própria Advocacia-Geral da União. Isso foi formatado lá, e aqui fizemos uma grande adaptação: uma vez analisado o processo, feitos os cálculos, uma correspondência é enviada ao advogado da parte, com envelope timbrado do tribunal, com cópia do convênio e um ofício assinado por mim, falando da assinatura do convênio entre o tribunal e o INSS. Segue também uma planilha de cálculo dos valores corrigidos, além de uma petição, que nós chamamos de petição-proposta, já dirigida ao Gabinete da Conciliação e assinada pelo procurador do INSS, com campo próprio para a parte e para o advogado assinarem. A petição já pode ser enviada no próprio envelope-resposta, segundo convênio que fizemos com os Correios. Chegando ao gabinete, eu homologo a proposta por assinatura digital e isso já entra no sistema. O INSS, via DataPrev, comunica às agências e o benefício é implantado. Como esses valores estão aquém do valor do precatório, são pagos através do sistema de Requisição de Pequeno Valor, e o processo volta ao juízo de origem. Em 30 ou 40 dias, no máximo, esses 80% são pagos na origem.
ConJur — Por que há mais casos previdenciários que de SFH?
Antônio Cedenho — Porque no SFH as questões são um pouco mais difíceis. Além disso, o acervo tanto do tribunal quanto da primeira instância também não é relevante. O CNJ inclusive está em um movimento de tentar liquidar esses casos no Brasil inteiro. A informação que a Emgea passou em uma reunião em que estivemos em Brasília com a ministra Eliana Calmon, que está coordenando está atividade, é de que existem 20 mil processos em todo o país, sendo que desses 20 mil, nós teríamos na 3ª Região cerca de 5,4 mil.
ConJur — Qual o mérito do CNJ nisso?
Antônio Cedenho — A Resolução 125 do CNJ cria as centrais de conciliação e institucionaliza a conciliação em todo o Judiciário nacional. Hoje, obrigatoriamente, tem que ser criado um programa de conciliação em todos os tribunais. Na 3ª Região, já iniciamos o cumprimento dessa resolução com a instalação da Central de Conciliação na Praça da República, que corresponde à subseção judiciária da Capital de São Paulo. Lá, começamos a tratar de processos de conselhos de classe. Fizemos um levantamento que mostrou que temos, na primeira instância, só no estado de São Paulo, cerca de 130 mil processos de conselhos de classe. Isso nós só vamos conseguir vencer por intermédio da conciliação, não tem outro meio. Também estamos tentando levar para a conciliação as ações que envolvem a carteira comercial da Caixa Econômica, processos sobre cheque especial, empréstimos e cartão de crédito. Os acordos já têm sido excelentes. Em um mutirão que fizemos recentemente, 80% dos casos foram resolvidos por conciliação. Outra questão problemática é o Financiamento Estudantil, que tem um número muito grande de processos. Fizemos algumas experiências em audiências, mas não deram resultado, porque o governo não dava nenhuma abertura, queria receber tudo. Agora, já me parece que há outra orientação do governo. Assim que tivermos definida essa situação, vamos começar a trabalhar também com o FIES.
ConJur — Os demais desembargadores compraram a ideia?
Antônio Cedenho — Hoje, os processos não são mais solicitados aos gabinetes. Antes, solicitávamos o processo aos desembargadores, e às vezes eles ficavam um pouco bravos porque tinham que separar os casos e mandar para o gabinete da conciliação, mas aqueles que não eram conciliados tinham que voltar, e isso implicava colocar tudo de volta outra vez. Hoje, conseguimos na gestão do desembargador Roberto Haddad na presidência, que ele baixasse um ato direcionando a distribuição desses processos diretamente ao gabinete da conciliação. O que não é conciliável aí sim volta para os seus relatores de origem.
ConJur — Tratar via conciliação cobranças de conselhos de classe envolve romper a barreira de negociar em execuções fiscais. Isso é possível?
Antônio Cedenho — É a única forma de fazer frente ao acervo que se tem. Segundo a AGU, as agências reguladoras têm mais de 2 milhões de autuações lavradas, que eventualmente podem se transformar em processos. Continuamos insistindo com o governo para que se crie uma situação em que seja possível cuidar das execuções fiscais. No caso do INSS, por exemplo, eles têm autorização da AGU, por isso nós estamos otimistas em relação à questão das execuções fiscais.
ConJur — Como as centrais de conciliação atacarão as execuções?
Antônio Cedenho — Uma das características dos conselhos de classe é ter um corpo reduzido de advogados para atender aos profissionais. Sempre se queixavam de ter de ir a Araçatuba (SP), por exemplo, para resolver dois ou três processos, e no dia seguinte teriam de estar em Santos, para resolver também poucos casos. Porque é o juiz quem marca a audiência. Com a criação das centrais de conciliação, queremos estabelecer um rodízio. Enquanto o Conselho Regional de Medicina está em Ribeirão Preto (SP), o de Farmácia está em Franca (SP). E vão rodando. Mas é necessário ter estrutura. É preciso um juiz específico para a conciliação, com um corpo funcional também específico. Quando o Conselho Nacional de Justiça baixou a resolução, não deu o suporte material necessário. Outra meta é trabalhar naquilo que nós chamamos de pré-processual, ou seja, evitar que os processos sejam distribuídos. Os conselhos de classe, por exemplo, para fugir da Lei de Responsabilidade Fiscal — porque são subordinados aos tribunais de contas — e não perderem prazos de prescrição, ajuízam 15 mil processos de uma só vez. Nossa ideia é fazer com que esses processos sejam distribuídos, para que as dívidas não prescrevam, mas em seguida já colocar no programa de conciliação. Começamos também um curso, em parceria com da Escola da Magistratura da 3ª Região, para formação de conciliadores.
ConJur — Com centrais de conciliação em diversos municípios, elas terão de seguir o roteiro determinado pelo tribunal?
Antônio Cedenho — A ideia é que elas tenham vida própria, porque a resolução do CNJ diz que tem que ser assim. Cada central de conciliação tem suas peculiaridades. Organizar um programa de conciliação sobre assuntos previdenciários em um determinado lugar não é interessante, porque não há processos suficientes, mas em outros lugares sim. Por isso, elas vão poder desenvolver seus próprios programas. É claro que há temas que fazem parte do programa do gabinete, como esse sobre SFH, e as metas deverão ser cumpridas.
ConJur — Há juízes suficientes para servir exclusivamente nas centrais?
Antônio Cedenho — A portaria fala em um juiz titular e um auxiliar, com funcionários próprios. Em São Paulo, estamos tentando a todo custo. Quando não tem conciliação, esses funcionários cuidam da parte administrativa da central, que seriam as intimações. No dia da conciliação, eles vão para as mesas de atendimento. Pedimos à Presidência do tribunal e ela convoca juízes para poder dar conta dessas mesas. Assim vai funcionar também nas outras centrais, muito provavelmente com juízes da própria subseção. Vai ter um responsável pelo gabinete da conciliação, alguns funcionários, mas na semana da conciliação os juízes da subseção vão ter que colaborar, eventualmente até cedendo funcionários. No início, vai ser assim, até que se crie uma outra estrutura. Para fazer do jeito que o CNJ pretende, teríamos que ter um número grande de funcionários, talvez até seja necessário concurso público.
ConJur — Há outros temas em vias de entrar no programa?
Antônio Cedenho — Um campo bastante rico são as questões referentes às desapropriações em torno dos aeroportos de Guarulhos e Campinas (SP). Em Campinas, são 2 mil ações. Em Guarulhos, são quase 400. Lá, já estava quase tudo pronto para começar, mas o prefeito pediu à Infraero que aguardasse um pouco, porque eles precisariam alocar as pessoas que sairiam das propriedades, uma população bem pobre. A Infraero já faz isso na 4ª Região com êxito grande. As avaliações são honestas, eles fazem reuniões dizendo como vai ser, apresentam propostas, dão prazos para que as pessoas analisem. No dia da audiência, fica todo um corpo de apoio: juiz, Ministério Público, Defensoria Pública, advogado da Infraero e até um perito avaliador. O índice de acordos é muito grande.
ConJur — Como foi sua carreira antes de entrar no tribunal?
Antônio Cedenho — Eu me formei em 1972, e advoguei de 1974 até 2004. Foram 30 anos. Sempre me estabeleci profissionalmente na região do ABC, e fui presidente da subseção da OAB de Santo André (SP) durante quatro mandatos consecutivos, durante praticamente 11 anos, até 2003. Eu me desliguei da subseção para concorrer à vaga no tribunal, mas não consegui da primeira vez, por não alcançar o número de votos necessários para a lista tríplice. Só que, na OAB, quando você mostra intenção de concorrer a uma vaga na magistratura, essa comunicação é recebida como uma renúncia ao cargo. Então, deixei de ser presidente durante um determinado período, eu não cumpri até o final meu mandato. É uma coisa interessante, porque se você se candidatar a um cargo eletivo, você se licencia. Mas no caso de concorrer a uma vaga no tribunal, eles entendem como renúncia. Em seguida, tornei-me secretário de Combate à Violência Urbana na Prefeitura de Santo André, na gestão pós-Celso Daniel, em função do relacionamento existente entre a OAB de Santo André e a Prefeitura. Equivaleria à Secretaria de Segurança Pública do estado.
ConJur — Tinha envolvimento com a política?
Antônio Cedenho — Não, até porque, como presidente da subseção da OAB, não poderia ter. Mas em função de afinidade, fiquei na função por nove meses, até que se abriu outra vaga, do desembargador Aricê do Amaral Santos, que era também do quinto da advocacia e se aposentou. Obtive 39 dos 41 votos no tribunal.
ConJur — De onde veio o interesse pela magistratura?
Antônio Cedenho — Como presidente da subseção da OAB, participei da instalação da Justiça Federal em Santo André. Foi daí que surgiu o interesse de vir para o tribunal. Pode ser até que os desembargadores que votaram em mim tenham lembrado do empenho que mostrei para a instalação. Além disso, tenho um padrinho de casamento cujo pai foi desembargador do Tribunal de Justiça, dr. Coelho de Paula, primeiro presidente do 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo. E eu ia estudar muito com ele, vinha de Santo André, do subúrbio, e ficava na casa dele em Perdizes. O desembargador sempre falava: “Você tem jeito de juiz, deveria prestar concurso”.
ConJur — Quais decisões mais marcaram?
Antônio Cedenho — Creio ter sido o segundo julgador no país a reconhecer o relacionamento homoafetivo para efeito previdenciário. Teve uma decisão anterior na 4ª Região. Depois, o próprio INSS passou a reconhecer o direito. Mas a decisão mais marcante da minha vida foi em um plantão. Impedi o fechamento do aeroporto de Congonhas. Recebi um recurso da Anac contra decisão de um juiz que tinha determinado o fechamento do aeroporto para as aeronaves da Gol e da Ocean Air. Dei a liminar para continuar aberto. Esse processo depois foi distribuído para a desembargadora Cecília Marcondes e a liminar foi mantida. Isso causou uma repercussão mundial. Seria um absurdo fechar o aeroporto. Iria saturar Viracopos e Guarulhos e paralisar a aviação. Do ponto de vista pessoal, tive certo aborrecimento. Depois de dois anos, houve aquele acidente com o avião da TAM em Congonhas. Um advogado de Santos, logo depois do ocorrido, divulgou na internet que as famílias das vítimas deveriam me responsabilizar. Só que, em primeiro lugar, as aeronaves da TAM não estavam na proibição que derrubei. Em segundo lugar, houve um termo de ajuste de conduta com o Ministério Público e acabou a história. Eu até liguei para o advogado e disse que ele não tinha noção, não sabia da história. Recebi conselhos para entrar com uma ação contra ele, mas resolvi não fazer. Ele me disse que não sabia. “Então, o senhor procura se informar melhor, porque isso causa uma situação muito ruim”, respondi. Se você pesquisar no Google, vai achar essas declarações.
ConJur — É a favor do aumento do número de desembargadores no tribunal?
Antônio Cedenho — Se houver uma reorganização do tribunal e uma conscientização de todos, o acervo dos gabinetes cairá muitíssimo. Eu peguei um gabinete previdenciário com 12 mil ações e consegui baixar para 7 mil. Não sei se se justificaria aumentar o número de desembargadores só para dizermos: “Agora estamos julgando o suficiente”. O excesso de processos se deve, por exemplo, a estratégias erradas como a que a OAB defendeu, e falo porque estive lá dentro participando de tudo. A OAB deu um tiro no pé com esse negócio de tirar as férias coletivas dos tribunais. Achar que o Judiciário tem que funcionar como um hospital é bonito, mas você cria problemas dentro dele. Eu, por exemplo, no previdenciário, cheguei a tirar processo de pauta porque a composição da Turma com juízes convocados ficou de tal forma que eles tinham pensamento contrário à nossa jurisprudência. Não achei justo. Sempre julgamos de um forma. Daí dois desembargadores tiram férias, vêm juízes convocados em seus lugares e aquele segurado do INSS vai ser prejudicado em razão disso. Vira loteria. Nos últimos nove meses, em apenas dois tivemos composição integral da Turma.
ConJur — Convém aos juízes ter 60 dias de férias diante de tantos processos?
Antônio Cedenho — Sim, porque trabalhamos nos fins de semana. Mas, para mim, se passar a ser de 30 dias, não tenho constrangimento. Em mais de 30 anos de advocacia, tive um mês de férias. Advogado cuida de escritório, não tira férias. Esse é um outro problema da bandeira da OAB contra as férias coletivas nos tribunais, porque o maior prejudicado acaba sendo o advogado. Em 2010, a semana nacional da conciliação caiu no meio das minhas férias. Não poderia perder.
ConJur — Alguns desembargadores do TRF-3 se mostram mais suscetíveis a pressões do Ministério Público Federal. Que efeitos isso traz?
Antônio Cedenho — Vou falar sobre a experiência que eu estou tendo nesse período. Não acho que alguns setores do tribunal sofram influência do Ministério Público, mas sim que há procuradores que são mais contundentes, que não reagem de uma forma tão profissional em relação às decisões, e levam para o lado pessoal, buscando pessoalmente obter sucesso em relação aos processos de que cuidam. Alguns procuram o desembargador, de alguma forma cercam o desembargador, cobram. Eu, por exemplo, fiquei de licença durante um período porque acabei caindo no meio da Avenida Paulista e tive uma luxação no ombro, um rompimento de tendão. Para não ter problemas de continuidade do trabalho, pedi ao meu médico para me dar licença até um domingo, porque na segunda-feira eu teria sessão e o desembargador André Nekatschalow estava de férias e não haveria quórum. Só que teve uma decisão que dei justamente no dia em que eu estava aqui, que não agradou à representante do Ministério Público. Fiquei sabendo que ela foi à Turma para saber se eu teria dado a decisão durante a minha licença ou se eu estava apto para dar a decisão. Quer dizer, eu vim para colaborar, mas as pessoas reagem de uma forma inadequada. Uma vez comentei com um representante do Ministério Público: “Deve ser muito complicado ter uma profissão em que você praticamente não pode, mesmo por uma questão de consciência, pedir a absolvição de alguém e ter de ir na linha da condenação o tempo todo”. Porque no MP estadual, se você der um parecer contrário à condenação, tem que mandar o caso para o Conselho aprovar.
ConJur — Hoje o senhor está do outro lado do balcão, julgando. Mas como advogado, que decisões do TRF-3 lhe vêm à memória?
Antônio Cedenho — A que obrigou os profissionais liberais a recolher a Cofins é uma delas. Havia deixado de recolher a Cofins durante muito tempo, tive até uma sentença favorável. Quando chegou aqui no tribunal, no entanto, acabei perdendo. Aí foi para o STJ, onde já havia jurisprudência favorável ao contribuinte, com súmula. Mas o Supremo mudou a orientação seguindo a linha do TRF-3. Tive que entrar no Refis. Até em função da minha atividade agora, não quis discutir mais. Essas coisas a gente vai empurrando goela abaixo, porque não tem jeito.
Alessandro Cristo é editor da revista Consultor Jurídico
Revista Consultor Jurídico, 1º de abril de 2012
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