segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Conflito e conciliação por Moacyr Scliar



O texto abaixo foi escrito por Moacyr Scliar e publicado na Zero Hora de domingo dia 15.08.2010 no Caderno Dona.O texto é bom e discorre sobre a importância da conciliação e do bom senso no momento de resolver conflitos de maneira pacífica e satisfatória para ambas as partes.

Porém, me chamou a atenção o fato de que ao discorrer sobre o programa "O Conciliador" da Rede Globo o texto aponta para algumas especificidades, dentre elas para o fato de que "estar na mídia" e ter o seu problema debatido na televisão muitas vezes pode ser um argumento facilitador para a construção do acordo entre as partes. Porém não posso concordar com o Scliar no sentido de que quem participa do programa está "pré-disposto" a acordar. No meu entendimento, existem casos assim, mas muitas pessoas querem apenas os seus 5 minutos de fama e outros pretendem realmente "lavar a roupa suja" em rede nacional. Tal fato fica comprovado pelas conciliações que resultam inexitosas, na sua maioria recheadas de ofensas e de muito rancor.

De qualquer maneira a proposta do Fantástico, retratada por Scliar, é extremanente válida pois deu visibilidade a uma das formas alternativas de tratar conflitos. Na sua esteira poderemos também apostar na mediação e na arbitragem.

Segue o texto, vale a pena!


"O bom senso nem sempre está disponível em nossas cabeças

Conciliação e conflito representam importante binômio em nossas vidas, correspondendo mais ou menos ao Eros e Tanatos de Freud, o instinto da vida e o instinto da morte; ou, na mitologia, a Venus e Marte, amor e agressividade. Em seu 37º ano, o Fantástico acertou em cheio ao introduzir, em abril desse ano, um quadro chamado exatamente assim, O Conciliador, apresentado por Max Gehringer. Que parte de uma necessidade bem real. Tramitam, na sobrecarregada justiça brasileira, cerca de 70 milhões de processos, 80% dos quais poderiam ser resolvidos mediante simples bom senso. Acontece que esse bom senso nem sempre está disponível em nossas cabeças. É preciso mobilizá-lo, e é isso que o Fantástico se propõe a fazer desde abril desse ano.

Que o consegue mostrou-o o programa do domingo, 8 de agosto. O caso era daqueles que, dependendo da maneira como é contado, deixa as pessoas revoltadas. Um rapaz atravessava uma movimentada avenida no centro de São Paulo, pela faixa de segurança, quando um carro atropelou-o. O jovem foi jogado à distância e teve uma fratura complicada de clávicula, o que levou a uma imobilização prolongadas. O motorista teria ido embora sem prestar ajuda à vítima.

Nossa reação, ao ouvir uma história assim, é de indignação: esse motorista é um bandido, deveria apodrecer na cadeia para aprender a respeitar os outros. Mas seria mesmo o homem esse bandido sanguinário?

Ele foi trazido ao programa, junto com a mãe do jovem. Não parecia bandido nenhum. Ao contrário, a câmera mostrava um homem de meia idade, humilde, assustado. Um pintor, residente em Embu, cidadezinha conhecida como reduto de artistas em São Paulo. E a história que contou foi diferente. Não, não tinha furado o sinal, que estaria aberto para ele. E sim, teria se oferecido para ajudar o rapaz. Já a mãe deste, entrevistada antes da “audiência de conciliação”, declarou que estava chocada pelo que considerou um descaso com a vida de seu filho.

Uma situação dessas poderia se transformar num bate-boca perpétuo. Mas o contexto era conciliador, e isso funcionou. Mais: transformou-se num processo de catarse que chegou ao clímax quando o homem começou a chorar. Já não era possível vê-lo como um tipo cruel, agressivo; não, quem estava ali era um homem angustiado, sofredor. Da mesma maneira mudou a mãe do adolescente. Ela não queria dinheiro, não queria indenização; queria justiça e propôs que o pintor prestasse serviço comunitário, o que ele aceitou. No final os dois se abraçaram: aquele final feliz que a gente só via nos antigos filmes de Hollywood e que em nosso mundo violento parece uma impossibilidade.

Como foi possível essa conciliação? Em primeiro lugar, por causa do contexto em que ocorreu. Era um estúdio da Globo, havia pessoas promovendo a conciliação diante de câmeras que representam a opinião pública e que funcionam como uma espécie de super-ego. Mais: se aquelas duas pessoas haviam aceitado comparecer ao programa, era porque previamente se dispunham a fazer as pazes. Talvez, na vida real, não seja tão fácil conciliar as pessoas.

Mas é uma possibilidade. E a simples possibilidade de conciliação é a coisa que deveríamos sempre ter presente em nossos corações e mentes, nem que seja sob a forma de uma pergunta: será que eu não poderia resolver esta pendência (seja uma questão de negócios, seja um problema familiar, seja uma discussão entre vizinhos) de outra maneira? Será que não poderíamos chegar a um acordo bom para todo o mundo?

A resposta certamente é positiva. E data de muito tempo; desde aquela época em que a expressão “Paz na terra às pessoas de boa vontade” foi incorporada à história da humanidade. É verdade que a frase começava com um “Glória a Deus”. Mas isso está implícito: Deus certamente se sente glorificado quando as pessoas vivem em paz."

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