terça-feira, 19 de outubro de 2010

Curador não é curandeiro!



Charge de Gerson Kauer

Data: 19.10.10


O conhecido advogado interiorano atuava principalmente em Direito de Família. Pela manhã ele sempre ia ao foro da comarca, onde o juiz comparecia sempre só das 9 às 11h30. Assim, as tardes de trabalho do advogado eram, em geral, dedicadas ao atendimento dos clientes.

Numa sexta-feira, aí pelas 17h30, o advogado chamou pelo nome aquela que seria a sua última cliente do dia. Era uma senhora de traços franzinos e gestos educados.

- Em que posso ajudá-la? - questionou prestativo.

- Doutor, meu marido faleceu na semana passada. Tenho três filhos e precisamos fazer o inventário. Gostaria de saber se o senhor “pega” esse tipo de ação? - questionou a visitante.

- Sim, esta é uma das minhas especialidades - disse o advogado orgulhoso.

E logo passaram, ambos, aos detalhes.

- Um dos meus filhos tem uma doença mental e entende muito pouco das coisas - disse a cliente.

- Lamento o fato. Mas tranquilizo-a que esse não será empecilho, pois seu filho será representado por um curador.

- Curador? - a mulher perguntou, curiosa.

- Sim, abriremos o inventário e pediremos para o juiz nomear um curador, pois o filho não tem capacidade para praticar atos processuais.

- Um curador para o meu filho?

- Sim, um curador.

Ato contínuo, a mulher ensaiou levantar-se, pegou a sua bolsa etc, indicando que iria embora. Surpreso com a ação repentina da novel cliente, o advogado questionou:

- Algum problema? Eu estou aqui para esclarecê-la.

- Meu pranteado marido, meus filhos e eu somos todos evangélicos e essa ideia de chamar um curandeiro para o processo violenta a nossa convicção religiosa.

Foi preciso que o advogado gastasse meia dúzia de minutos e baixasse um dicionário para explicar que curador e curandeiro são palavras parecidas, mas de conteúdo oceanicamente diferente.

Depois de mais alguns minutos de conversa, a mulher deu-se aparentemente por satisfeita e ficou de voltar na semana seguinte para mais detalhes. Quando isso aconteceu, ela admitiu ao advogado que havia, pouco antes, naquele dia, dado uma passadinha no foro, para conversar com o promotor.

Com este, ela conferiu - e anotou devidamente - que curador significa "o que administra bens alheios por encargo judicial", enquanto curandeiro é "pessoa que trata de doenças sem título legal".

No mês seguinte o inventário foi aberto, um curador foi nomeado e a viúva teve, então, a certeza de que não haveria a participação de nenhum charlatão.

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2 comentários:

  1. Dra. Fabiana muito interessante esta história. Um "causo" jurídico como tantos outros de cidades do interior. Adorei o estilo do blog comentar o acesso a jurisdição.
    Parabéns!

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  2. Isso me faz lembrar a história (e não estória) que vivi quando Supervisor de Prática Jurídica do Curso de Direito da UNISC.
    Um cidadão afeito às lidas campeiras pretendia realizar um usucapião de área rural. Após atendimento normal, pelos estagiários, fui chamado para esclarecer um ponto levantado pelo cliente.
    Quem faria a procuração?
    Esclarecei que a procuração seria feita pelos estagiários e que ele, cliente, apenas deveria indicar os nomes completos e endereços dos lindeiros para citação. Eram muitos.
    Após essa fala, voltou ele a questionar:
    quem faria a procuração?
    Ratifiquei que a procuração seria feita pelos estagiários, a quem logo solicitei, para solver a dúvida do cliente. Chegando o documento, é assinado.
    Mas a pergunta retorna:
    quem vai fazer a procuração ... de todos os lindeiros, porque ele não os conhece a todos e alguém devem PROCURÁ-LOS !

    Fabiana, feliz aniversário!

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