quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Essa vale a pena!!!

Sentença Chocolates Garoto

Diário Oficial de 26-07-2011, de Araraquara

Primeira Vara Cível de Araraquara


0295/11 - INDENIZAÇÃO (ORDINÁRIA) - CAMILA MUZEL X CHOCOLATES GAROTO S/A - (Certificado que o brinde da empresa ré, que acompanhou a petição da autora de fls. 43/45, foi apresentado pela procuradora, Dra. Zélia Moraes de Queiroz, OAB/SP 126.326, dentro de um envelope lacrado, nele consignando sua identificação com o número do processo e das partes litigantes, estando o referido envelope arquivado nesta Serventia).


SENTENÇA:


CAMILA MUZEL, já qualificada, ajuizou a presente AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS contra CHOCOLATES GAROTO S/A, também qualificada, aduzindo, em síntese, que: a) adquiriu um ovo de páscoa produzido pela ré, sendo que em seu interior, como brinde, veio um brinquedo que mais se parecia com um vibrador; b) chocada, requer indenização por danos morais. Regularmente citada, a requerida ofereceu contestação (fls. 19/24), sustentando: a) o brinde se trata de uma caneta no formato do Baton, um dos produtos fabricados pela ré; b) a caneta é movida a pilha a fim de que trema e modifique a escrita das crianças, tornando o brinquedo mais divertido; c) requer a improcedência do pedido. Houve réplica (fls. 43/45).

É o relatório.

Fundamento e decido.

Navegando por águas mais calmas e deixando de lado toda a dissensão filosófica que permeia a denominada Teoria do Conhecimento, não é de hoje que o problema relacionado ao ato de ver gera discussão. Rubem Alves, educador e psicanalista de renome, ciente dos mais diversos desatinos que envolvem a alma humana, acentua que: “Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.”

Fazendo alusão à beleza da natureza, prossegue: “Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.

Adélia Prado disse: “Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra”. Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema. Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores.” (Folha de São Paulo, Caderno Sinapse, 26.10.04)

E não para por aí. Há mais de dois mil anos, Jesus Cristo já havia dito que “a boca fala do que o coração está cheio”. Enxergamos com os olhos da alma, aí embutidos nossos sentimentos e emoções dos mais variados matizes. Nessa linha de consideração e ainda tratando do ato de ver, o poeta Augusto Branco adverte: “Teu mundo é espelho de você. A beleza está nos olhos de quem vê, assim como muitas vezes a maldade que enxergamos está apenas em nossos olhos. O mundo é o que você enxerga, mas principalmente o que você quer enxergar e o que você quer fazer dele.”

Assim como a sabedoria popular nos adverte que “nem tudo que reluz é ouro”, podemos também afirmar que nem tudo que vibra seja um vibrador, ao menos na forma pensada pela requerente. Aqui em casa, após carregá-lo com pilhas, mostrei o brinde aos meus filhos, que logo o apelidaram de “caneta tremedora”.

Foi difícil convencê-los a devolver o brinquedo. Então, entre as alternativas que se apresentam, ou seja, entre o que o brinde é – nada além de um brinquedo para os menores – e aquilo que a autora enxergou mais parecer, fico com Gonzaguinha ... “com a pureza da resposta das crianças”.

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido deduzido na inicial. Indevidas as custas e despesas processuais em razão da gratuidade de Justiça, arcando a autora com os honorários advocatícios que fixo em 10% do valor atualizado da causa, observada a garantia do artigo 12 da Lei nº 1.060/50.


P.R.I. - DRS. ZÉLIA MORAES DE QUEIROZ (OAB 126.326), ALEXANDRE NASSAR LOPES (OAB 116.817)

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