sexta-feira, 26 de agosto de 2011

"O solene corno"



Charge de Gerson Kauer


A expressão - entre aspas - que dá título ao Romance Forense de hoje - e outros pensamentos no mínimo curiosos foram usadas por um juiz leigo numa proposta de decisão de Juizado Especial Cível de uma grande capital de Estado brasileiro, no fecho de uma ação por dano moral em que um marido traído acusava o amante de sua mulher de calúnia e ofensa à honra.

Tudo começou quando o cidadão, um policial federal, descobriu que a mulher o traía. Resolveu, então, telefonar para o amante cobrando explicações e exigindo seu afastamento. O agente da PF teria feito ameaças ao rival. Assustado, o amante recorreu à corregedoria da PF, denunciando o risco que admitia estar correndo.

Não houve, no entanto, sigilo no processo administrativo e o marido, sentindo-se ultrajado pelo deboche de colegas de trabalho, decidiu buscar reparação extrapatrimonial. Virou, então, processo num JEC, com citação, instrução, depoimentos etc.

Na longa proposta de decisão, o juiz leigo devaneia e faz comparações. "Alguns homens, no início da ‘meia idade’, já não tão viris, o corpo não mais respondendo de imediato ao comando cerebral/hormonal e o hábito de querer a mulher ‘plugada’ 24 horas, começam a descarregar sobre elas suas frustrações, apontando celulite, chamando-as de gordas (pecado mortal) e deixando-lhes toda a culpa pelo seu pobre desempenho sexual” - escreve o julgado.

O juiz leigo prossegue na avaliação: "as mulheres na fase pré-menopausa desejam sexo com maior frequência, melhor qualidade e mais carinho – que não dure alguns minutos apenas”.

E adivinhando os dois caminhos que elas devem seguir, o julgador vaticina que "ou elas se fecham deprimidas ou buscam o prazer em outros olhos, outros braços, outros beijos e traem de coração”.

O julgado também cita os clássicos da literatura “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert, e a personagem Capitu, no romance “Dom Casmurro”, de Machado de Assis.

E afinal conclui: “um dia o marido relapso descobre que outro homem teve a sua mulher e quer matá-lo - ou seja, aquele que tirou sua dignidade de marido, de posseiro e o transformou num solene corno!”.

Ao julgar improcedente o pedido reparatório, o juiz leigo prega que "ao réu também deve ser estendido perdão, porque as provas demonstraram que o autor perdoou sua esposa e agora busca vingança contra o réu, que também é vítima de si mesmo juntamente com a esposa adúltera".

Em consequência da repercussão nos corredores do foro da grande cidade brasileira, o tribunal publicou discreta nota em que explica que "os juízes leigos integram quadro criado para auxiliar os juízes de JECs, em razão do excesso de serviço que atinge estes órgãos da Justiça, sendo profissionais formados em Direito e recrutados dentre estudantes da Escola da Magistratura. (...) A parte técnica da sentença - que sempre sofre detida análise - examinou corretamente a questão jurídica, o que originou a homologação da decisão pelo magistrado. Eventuais complementos dos juízes leigos nas sentenças são atribuíveis à sua forma pessoal de redação, e respeitados desde que não tenham o objetivo de atingir as partes envolvidas".

A sentença proferida estava sujeita a recurso. Mas o "solene corno" - aliás, o autor - não recorreu.

Publicado no Espaço Vital : http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?id=25090

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