terça-feira, 27 de setembro de 2011

Problema da Justiça brasileira é apatia da magistratura

O problema da Justiça brasileira é a apatia dos juízes, e não a falta de recursos financeiros e humanos e a ausência de uma reforma processual. A opinião é do juiz federal Ali Mazloum, titular da 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo. "O juiz, na primeira chance que tem de adiar, de empurrar a audiência, ele faz. Não muda a rotina dos processos porque não quer. Está acostumado a postular alterações legislativas, pedir mais orçamento, mais pessoal e instalação de mais varas. Grande equívoco", afirmou Mazloum em entrevista ao jornalista Fausto Macedo publicada pelo O Estado de S. Paulo.

A pregação de Mazloum vai contra o argumento dominante entre seus colegas. É frequente ouvir deles que o Judiciário precisa de mais verbas, retoques nos códigos ou mais comarcas. Tudo isso, de acordo com o juiz federal de São Paulo, "é desnecessário". "Quando o Judiciário diz que precisa de mais dinheiro e mais leis, ele está jogando a culpa no Executivo. É uma estratégia equivocada." Em sua opinião, a população paga caro por um Judiciário ineficiente, que não presta bons serviços.

Por isso, há três anos, Mazloum implantou em sua vara o processo cidadão. Entre as principais conquistas, está o prazo inalterável do processo, que "tem que acabar em dez meses, nenhum dia a mais". Quando começou o projeto, tinha mil ações penais nas mãos. Hoje, tem 270. "Basta vontade para mudar a máquina do Judiciário. Bastam pequenas alterações, não precisa de grandes milagres e reformas", resume.

Com o processo cidadão, a vida de uma ação ficou mais curta. "Quando o réu é citado, no início da ação, ele já fica ciente do dia em que será julgado. Adotamos uma pauta inteligente, concentração de atos processuais sem causar danos ao contraditório e à ampla defesa. É trabalho em equipe, todos os funcionários da vara empenhados. A audiência é improrrogável", explica Mazloum.

Para comprovar, o juiz faz contas: em 2007, a 7ª Vara Criminal Federal de SP tinha mil ações penais, com duração média de quatro anos. O custo de cada processo era de R$ 2.150 — R$ 44,79 por mês por processo, dos quais "70% em salários e 30% em insumos". Com o processo cidadão, conta, o preço de cada ação passou a ser R$ 1.892, ou R$ 39,41 por mês — um abatimento de 40%.

Entre iguais
Ali Mazloum também cita sua famosa disputa pelo lugar de acusação e defesa. Para ele, "acusação e defesa devem estar em pé de igualdade" perante o Estado. Hoje, porém, o representante do Ministério Público fica sentado à direita do juiz, em lugar mais alto do que o advogado.

Sua luta pela causa é antiga. Ele tem uma disputa com a desembargadora federal Cecília Marcondes pelo lugar do Ministério Público nas audiências da Justiça Federal. Ele havia determinado que o promotor e o advogado se sentassem "ombro a ombro" com o juiz, garantindo tratamento igualitário. Ela, porém, obteve uma liminar para garantir que o MP continuasse em seu lugar privilegiado.

Mazloum, então, foi ao Supremo Tribunal Federal registrar uma reclamação contra a liminar, pois sua decisão visou garantir a igualidade e isonomia entre todos nos processo. Na fala ao Estadão, o juiz se defendeu mais uma vez: "o processo é feito para inocentes, não para culpados. É um instrumento de interlocução entre o acusado e o Estado, não é instrumento de punição, espada na cabeça do réu. Acusado e Estado, acusação e defesa, devem estar em pé de igualdade. Obrigações, direitos e deveres para ambos os lados."

Revista Consultor Jurídico, 25 de setembro de 2011

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terça-feira, 20 de setembro de 2011

Recursos não são o motivo da morosidade da Justiça

Por Guilherme Octávio Batochio

De tempos a esta parte assalta o espírito de todos o falso dogma, reverberado por alguns muitos, segundo o qual "àquele que detém cabedal econômico para contratar um bom advogado, que sabe manejar bem os recursos, está garantida a impunidade, porque o processo jamais alcançará seu fim". Repetido incontáveis vezes, pode ganhar foros de aparente verdade, mesmo sem sê-lo.

É preciso desmistificar o sofisma.

Principie-se por assinalar que os recursos processuais disponíveis, ao contrário do que se pretende fazer crer, não são passíveis de serem interpostos exclusivamente pelos profissionais a quem se denominam "bons advogados" (e não se atina com que parâmetros isso é mensurado). Ora, se estão eles — recursos — todos previstos em lei, são mesmo para serem utilizados pelas partes, nas hipóteses cabíveis. Nada a censurar. Assim, sob tal perspectiva, "bons advogados" são, por princípio, todos aqueles regularmente inscritos nos quadros da OAB, já que difícil seria conceber que o bacharel que desconheça o ordenamento jurídico e o mister da postulação fosse aprovado no exame de Ordem.

Assoalha-se, então, que "a parte desprivilegiada economicamente, especialmente o réu miserável, não tem meios materiais para chegar aos Tribunais de Brasília" o que constitui, igualmente, outra falácia. De fato, o peticionamento eletrônico é hoje uma realidade — notadamente nos Tribunais Superiores — e a OAB disponibiliza aos seus afiliados computadores nas diversas "salas do advogado" disseminadas junto aos auditórios do país. A informática operou saltos. E, ainda que assim não fora, é perfeitamente possível — e comum, diga-se – sejam os recursos dirigidos àquelas Cortes Superiores por remessa física, através dos correios e a custo ínfimo.

Há, ainda, de quebra, a Defensoria Pública, que atende aos hipossuficientes com elogiável competência e, não raro, alcança vitórias notáveis em favor dos menos favorecidos nos ditos "inatingíveis" Tribunais Superiores.

De outro ângulo, também não é correto afirmar — contrariamente ao que insistentemente se martela — haja um número insuportavelmente excessivo de recursos previsto no processo penal pátrio. Ordinariamente, há o de apelação, o recurso em sentido estrito (que impugna decisões interlocutórias e algumas terminativas), os embargos declaratórios (que visam a coibir omissões, contradições ou ambigüidades dos julgados), os embargos infringentes (incomuns, e tirados contra decisões não unânimes proferidas em segundo grau), além dos recursos especial e extraordinário, dirigidos ao STJ e ao STF, respectivamente.

Nada mais consubstanciam que instrumentos de reafirmação do duplo grau de jurisdição, destinados a corrigir o desacerto da decisão do juiz inferior ou, no caso dos dois últimos mencionados, a possibilidade de se discutir, nos Tribunais Superiores, hipóteses de negativa de vigência a lei federal, divergência em sua interpretação por cortes diversas, e afronta a preceito constitucional. É muito?

Tem-se que não!

Inaceitável, pois, que, sob o pretexto de se conformar um "Judiciário mais ágil", se pretenda restringir, minimizar ou mesmo mortificar direitos e garantias individuais de índole processual, árdua conquista consolidada na reconstrução do nosso Estado Democrático de Direito. Direitos esses que, sublinhe-se, assistem a todos, ricos, pobres, brancos, negros, católicos, protestantes, evangélicos, homens, mulheres, enfim, a todo e qualquer cidadão.

Não se deslembre, ademais, que o Judiciário não foi concebido para os magistrados ou para os profissionais do Direito e suas conveniências funcionais, mas existe para servir ao povo e nenhuma comodidade para os que estão aquém das cancelas pode prevalecer no cotejo com as garantias instrumentais do cidadão litigante e com as garantias da cidadania. Mesmo porque, os que se propõem a julgar sabem, de antemão, o que encontrarão pela frente. Ou será que não?

Natural, de outro lado, que os litígios sejam mesmo crescentes no seio de uma sociedade que cada vez mais se conscientiza de seus direitos e se mostra disposta a fazê-los valer invocando a tutela concreta do Poder Judiciário. A busca do cidadão por justiça revela o grau de cultura e desenvolvimento de um povo, sendo absolutamente normal – e mesmo sintomático –, que tenha havido um incremento nas controvérsias postas em juízo.

Nessa ordem de ideias, dificultar ou contra-estimular, por quaisquer artifícios, o cidadão de recorrer da decisão que lhe é desfavorável — e o recurso é instrumento de controle das decisões judiciais de grau inferior —, representa, em última análise, um retrocesso, um arbítrio, digno de concepções burocrático-autoritárias.

Para além disso, são inconstitucionais (artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição) quaisquer óbices que se oponham ao livre acesso do cidadão à Justiça, exibindo-se preocupante que, nesta quadra da nossa democracia, se chegue mesmo à extrema audácia de pretender limitar o Habeas Corpus (falam alguns autoritários do seu "uso excessivo"), proposta que só encontra paralelo nos sombrios tempos do regime militar, com a edição do Ato Institucional 5.

Se impunidade diz com morosidade judiciária, e se o que se busca é uma Justiça mais célere, que seja ela adequadamente aparelhada, em todos os sentidos, inclusive no incremento da proporção juiz/jurisdicionado. Se a idéia for, por outro lado, eliminar processos (difícil conceber a idéia de juízes que não queiram julgar...), para isso restringindo-se direitos, que se o faça em relação aos do Estado, de longe o maior e mais demandista “cliente” do Poder Judiciário que, com seu voraz apetite arrecadatório, entulha e atravanca os Tribunais. Contra os direitos fundamentais do cidadão, jamais!
Guilherme Octávio Batochio é advogado e Conselheiro Federal da OAB.

Revista Consultor Jurídico, 20 de setembro de 2011
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domingo, 18 de setembro de 2011

Judiciário é refratário a mecanismos de controle

Coluna do jornalista Fernando de Barros e Silva publicada originalmente no jornal Folha de S.Paulo, neste domingo (18/9).

Dos três Poderes, o Judiciário é o mais opaco, o mais refratário à ideia de que deve se submeter a mecanismos de controle e exigências de transparência. A natureza deste poder cercado de pompas e formalidades favorece e serve de pretexto à atitude corporativa.

O conhecido bordão "decisão judicial não se discute" é bem sintomático dessa mentalidade autoritária, segundo a qual o Judiciário não deve satisfações à opinião pública nem pode ser contestado.

As coisas já foram piores, sem dúvida. Mas podem voltar a piorar. O Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, está sob ataque especulativo dos magistrados. Querem transformá-lo numa reunião de sábios inúteis, uma espécie de ABL -um templo decorativo do Judiciário.

Há uma enorme pressão para que o STF reduza as competências do CNJ, proibindo-o de investigar e punir juízes corruptos antes que as corregedorias dos tribunais de Justiça dos Estados façam esse trabalho de apuração e julgamento.

Ocorre que as corregedorias dos TJs, via de regra, existem para não funcionar. Estão submetidas ao compadrio e ao espírito de corpo.

O CNJ foi criado em 2004, mas sobretudo a partir de 2008, com o corregedor-geral Gilson Dipp, passou a fazer inspeções em vários tribunais com indícios de problemas. Ainda que de forma limitada e com recursos precários, o submundo da Justiça começou a ser destampado.

A atual corregedora, Eliana Calmon, procurou expandir esse trabalho por meio de parcerias entre o CNJ e os órgãos de fiscalização, como a Receita, a CGU, o Coaf.

Tudo isso vai para o lixo se prevalecer a tese do atual presidente do SFT, ministro Cezar Peluso, que esvazia o órgão nacional de controle e devolve aos TJs a sua intransparência. Na prática, a Corregedora já é asfixiada por uma gestão que a alijou de todas as comissões do CNJ.

Ninguém está contra a autonomia da Justiça nos Estados. O que está em jogo é a impunidade togada e seus elos com o crime organizado.
Revista Consultor Jurídico, 18 de setembro de 2011

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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

É possível ação de investigação de paternidade e maternidade socioafetiva

Fonte: STJ
Data: 16/09/2011


A busca do reconhecimento de vínculo de filiação socioafetiva é possível por meio de ação de investigação de paternidade ou maternidade, desde que seja verificada a posse do estado de filho. No caso julgado, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime, negou a existência da filiação socioafetiva, mas admitiu a possibilidade de ser buscado seu reconhecimento em ação de investigação de paternidade ou maternidade.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) havia rejeitado a possibilidade de usar esse meio processual para buscar o reconhecimento de relação de paternidade socioafetiva. Para o TJRS, seria uma “heresia” usar tal instrumento – destinado a “promover o reconhecimento forçado da relação biológica, isto é, visa impor a responsabilidade jurídica pela geração de uma pessoa” – para esse fim.

Analogia

A relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, apontou em seu voto que a filiação socioafetiva é uma construção jurisprudencial e doutrinária ainda recente, não respaldada de modo expresso pela legislação atual. Por isso, a ação de investigação de paternidade ou maternidade socioafetiva deve ser interpretada de modo flexível, aplicando-se analogicamente as regras da filiação biológica.

“Essa aplicação, por óbvio, não pode ocorrer de forma literal, pois são hipóteses símeis, não idênticas, que requerem, no mais das vezes, ajustes ampliativos ou restritivos, sem os quais restaria inviável o uso da analogia”, explicou a ministra. “Parte-se, aqui, da premissa que a verdade sociológica se sobrepõe à verdade biológica, pois o vínculo genético é apenas um dos informadores da filiação, não se podendo toldar o direito ao reconhecimento de determinada relação, por meio de interpretação jurídica pontual que descure do amplo sistema protetivo dos vínculos familiares”, acrescentou.

Segundo a relatora, o artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) afasta restrições à busca da filiação e assegura ao interessado no reconhecimento de vínculo socioafetivo trânsito livre da pretensão. Afirma o dispositivo legal: “O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça.”

Estado de filho

Apesar de dar legitimidade ao meio processual buscado, no caso especifico, a Turma não verificou a “posse do estado de filho” pela autora da ação, que pretendia ser reconhecida como filha. A ministra Nancy Andrighi diferenciou a situação do detentor do estado de filho socioafetivo de outras relações, como as de mero auxílio econômico ou mesmo psicológico.

Conforme doutrina apontada, três fatores indicam a posse do estado de filho: nome, tratamento e fama. No caso concreto, a autora manteve o nome dado pela mãe biológica; não houve prova definitiva de que recebia tratamento de filha pelo casal; e seria de conhecimento público pela sociedade local que a autora não era adotada pelos supostos pais.

“A falta de um desses elementos, por si só, não sustenta a conclusão de que não exista a posse do estado de filho, pois a fragilidade ou ausência de comprovação de um pode ser complementada pela robustez dos outros”, ponderou a ministra. Contudo, ela concluiu no caso julgado que a inconsistência dos elementos probatórios se estende aos três fatores necessários à comprovação da filiação socioafetiva, impedindo, dessa forma, o seu reconhecimento.

O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.

Extraído do site www.editoramagister.com

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A ação mais antiga no Supremo já tem 52 anos

Enio Silva/Mazelas do Judíciário

Data: 12.09.11

O processo mais antigo à espera de uma decisão do STF está com 52 anos e três meses de tramitação, há cerca de dois meses. Quando foi protocolado, em junho de 1959, o endereço da Corte não era a Praça dos Três Poderes, em Brasília, mas a Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro.

O atual presidente do Supremo e relator da ação, ministro Cezar Peluso, tinha 16 anos de idade. O ministro mais moço, José Antonio Dias Toffoli, atuais 43 de idade, ainda não havia nascido.

Até o nome do nosso país era outro: República dos Estados Unidos do Brasil. E o valor da causa foi de cem mil cruzeiros.

Com 12 volumes e três apensos, o processo tem 2.449 páginas - todas amareladas e muitas em processo de desintegração. Várias estão improvisadamente protegidas por sacos plásticos, para não virarem pó. Pelas estimativas dos servidores da casa, essa é, seguramente, a ação em tramitação no Supremo, com maior número de ácaros por página.

A ação foi proposta pelo então procurador-geral da República, Carlos Medeiros da Silva, contra o Estado de Mato Grosso, que, naquele tempo, ainda não havia sido dividido. Para colonizar a região, o governo estadual havia doado a seis empresas lotes de terras públicas - hoje localizados em Mato Grosso do Sul -, com áreas superiores a dez mil hectares. O problema é que, pela Constituição de 1946, então em vigor, a doação não poderia ser feita sem prévia autorização do Senado.

Como isso não ocorreu, o procurador-geral pediu a nulidade dos contratos. Em sua defesa, o governo mato-grossense alegou que não houve cessão das terras e que as seis empresas, em troca do benefício recebido, se comprometeram a promover assentamentos de famílias de agricultores e pecuaristas e construir estradas, escolas, hospitais, olarias, serrarias e campos de aviação.

Como mostram uma reportagem do jornal O Globo e editorial de O Estado de S. Paulo, desde sua proposição, o processo já teve nove relatores. O primeiro foi o ministro Cândido Motta Filho, que se aposentou em 1967. O atual relator, ministro Cezar Peluso, assumiu o caso em junho de 2003 e, finalmente, concluiu seu voto e pretende incluí-lo numa das pautas de julgamento deste mês.

A arrastada tramitação do processo se deve aos pedidos de diligências feitos pelos relatores que antecederam Peluso, para que fossem colhidos depoimentos de todas as pessoas que tinham comprado terras na região depois da doação. "Como achar esse povo?", indaga Peluso.

Qualquer que seja a decisão que o Supremo vier a dar a este processo, ela não deverá ter maiores efeitos práticos - e esse é o aspecto mais surrealista do caso. Desde que as seis empresas beneficiadas pelo governo mato-grossense promoveram os primeiros assentamentos de pecuaristas e agricultores na região, há mais de cinco décadas, já foram registradas várias revendas de terrenos por ocupantes de boa-fé. Detalhe: foram erguidas cidades nas glebas doadas.

Assim, o resultado do julgamento será inócuo: será impossível erradicar do mapa municípios de pequeno e médio portes nascidos de assentamentos irregulares.

Como não podem tomar decisões contrárias ao que a Constituição de 1946 determinava, os 11 ministros do Supremo provavelmente considerarão inconstitucional a doação dos terrenos, feita em meados do século passado.

Mas na prática não há como obrigar a União a despejar os ocupantes daqueles terrenos ocupados indevidamente e indenizar os atuais moradores das áreas que se encontram sub judice.

Além dessa ação, o Supremo terá de julgar várias outras que também tramitam há décadas. Na lista dos processos mais antigos, que foram protocolados entre 1969 e 1981, quatro estavam sob responsabilidade da ministra Ellen Gracie.

Como ela se aposentou sem decidir, essas ações serão enviadas a um novo relator. Dependendo do ritmo e da carga de trabalho do STF, esses processos podem bater o recorde de longevidade hoje detido pela ação proposta pelo procurador-geral da República há 52 anos.

O signatário da petição inicial faleceu em 3 de março de 1983, aos 75 de idade.

"Esse é um retrato - que não se pode chamar de instantâneo - da Justiça brasileira" - conclui o editorial do Estadão, em sua edição de ontem (11).


Fonte: Redação do Espaço Vital, com informações de O Globo e o Estado de SP
http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?id=25262

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Além de quantidade, tem também qualidade?

Justiça do Trabalho conseguiu baixar o seu estoque

Por Marília Scriboni

A única esfera do Judiciário que funciona no país. O epíteto pode perfeitamente ser atribuído à Justiça Trabalhista. O ramo conseguiu, em 2010, com maestria, julgar mais do que recebeu — de 3,3 milhões de processos que chegaram a esse ramo do Judiciário, 3,4 milhões foram analisados pelas mais de 1,3 mil varas de trabalho e pelos 24 tribunais regionais. Os números podem ser encontrados no relatório Justiça em Números 2010, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça.

Assim como acontece em todo Judiciário, os cinco maiores tribunais concentram também a maior parte da demanda. Nos gabinetes dos juízes dos tribunais de Campinas, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul estão mais da metade — ou, com mais precisão, 55,6% — dos casos que tramitam no país. Também vieram desses tribunais a grande fatia de decisões: 57,5%.

E há uma notícia boa: comparando com 2009, no ano passado a Justiça do Trabalho julgou 4% a mais do que o número de processos novos. Na prática, isso significa 135 mil casos a menos. Durante o ano de 2010, servidores e juízes cuidaram de 6,6 milhões de casos. Mas eles não conseguiram dar conta de tudo: o estoque ainda é de 3,4 milhões de processos.

Para efeito de comparação, a Justiça Estadual, tida como a de maior peso no cenário nacional no que se refere ao número de processos, tem cerca de 48 milhões de casos pendentes. No Judiciário todo, 59,1 milhões de casos esperam pela decisão da Justiça.

Ainda no papel e barbante
Mas não foi graças ao processo eletrônico, bandeira da celeridade processual, que a Justiça trabalhista conseguiu mais do que dar conta dos casos que nela ingressaram em 2010. Somente seis tribunais informaram terem casos na forma digital.

O número de casos que chegam de forma eletrônica à Justiça do Trabalho ainda é irrisório, apenas 2%. Dos tribunais que informaram estarem substituindo os calhamaços de papel e os fios de barbante, cinco deles estão entre os de médio porte, conforme o critério adotado pelo CNJ.

Destes, somente um supera a metade dos casos: o Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, que atende à Paraíba. Nele, o índice de processos eletrônicos é de 72%. Os outros sequer atingem a marca de 50%. No TRT do Piauí, segundo mais bem colocado, registrou-se uma taxa de 32%. Os outros tribunais que alegaram possuir acervos eletrônicos são o TRT da 11ª Região (Amazonas e Roraima), o TRT da 12ª Região (Santa Catarina) e o TRT da 9ª Região (Goiás).

Como explica o próprio Justiça em Números, o índice guarda relação com a entrada de processos, e não com o acervo já existente. Ou seja, para se chegar à taxa, é preciso calcular a relação de processos eletrônicos ingressados sobre o total de processos ingressados em 2010.

Congestionamento
Apesar do bom índice de informatização do tribunal paraibano, os demais números do TRT–PB não atestam o mesmo sucesso. O órgão tem uma taxa de congestionamento, ainda na fase de conhecimento, de 52,3%. Na fase de execução, fica pior: a taxa sobe para 99,5%. Enquanto isso, é o tribunal que teve a menor média de casos novos por magistrado. Cada julgador toma conta de cerca de 484 processos. Em média, cada magistrado trabalhista brasileiro cuida de 837 casos.

Além disso, o TRT paraibano foi o que obteve o menor indicador de produtividade, com 480 sentenças por magistrado. Tinha 2,2% dos juízes atuantes no primeiro grau, mas só responde por 1% das sentenças da instância.

Os números do TRT alagoano, por sua vez, mostram que o órgão apresentou uma piora em relação a 2009, quando a taxa de congestionamento era de 0,3%. Em 2010, esse a fração pulou para exorbitantes 55,2%, quase o dobro da média trabalhista da segunda instância. O TRT da 14ª Região (Roraima e Acre) tem a menor taxa de congestionamento do Judiciário trabalhista, com 3,6%.

No geral, a taxa de congestionamento da Paraíba é de 72,3% e a média nacional é de 47,6%. O Ceará não fica muito atrás, com um índice de 98,7%, seguido pelo Rio Grande do Norte, com 86,5%, e Maranhão, com 84,8%.

Os números gerais são animadores: ainda em 2010, foram baixados cerca de 582 mil processos — 8% a mais que 2009. Como resultado, um saldo positivo: o número de baixas foi superior ao de processo ingressados. Já o número de decisões que põem fim á relação processual foi maior. Foram quase 685 mil decisões a mais que em 2009.

Marília Scriboni é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 7 de setembro de 2011

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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Todo o esforço da Justiça não conseguiu gerar eficiência

Por Luciano Athayde Chaves

Há poucos dias, foram divulgados, pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do Conselho Nacional de Justiça, os dados do relatório Justiça em Números, que, de uns tempos a esta parte, tem buscado fornecer, com esforço metodológico, um diagnóstico sobre o funcionamento do Poder Judiciário brasileiro.

Estou seguramente entre aqueles que acreditam que os números não dizem tudo, em especial quando se trata de distribuição de justiça, uma atividade tão antiga quanto nossa conhecida história, e tão complexa quanto à evolução cultural e política das sociedades. Isso não significa, porém, que os números não digam nada. Certamente, os dados estatísticos podem sugerir reflexos e análises sobre o funcionamento, sobre o perfil da atividade judiciária, em ordem a oferecer um vasto campo de análise para os profissionais que atuam no palco da Justiça.

O Relatório de 2010 estampa, como já vem sucedendo, dados superlativos, mercê da dimensão de nosso país e de nosso aparato judicial. É emblemático, por exemplo, saber que no ano passado ingressaram, no Primeiro Grau de jurisdição, nada menos que 20,5 milhões de novos processos, sendo 73% relativos à chamada fase de conhecimento (quando o Judiciário é chamado a “dizer o direito”) e 27% atinentes à fase de execução (item 2.2.3 da versão resumida do Relatório). Isso implicou uma carga média de trabalho cerca de 5.423 para cada magistrados de Primeiro Grau.

São preocupantes, contudo, os indicadores inerentes à chamada taxa de congestionamento, que diz sobre a capacidade de solução dos casos em tramitação.

Se nos limitarmos ao Primeiro Grau de jurisdição, essa taxa é de 58% na fase de conhecimento e de expressivos 84% na fase de execução. É dizer, nessa última, “de cada 100 processos que tramitaram, em 2010, aproximadamente, 84 não tiveram sua baixa definitiva alcançada” (item 2.2.6 da versão resumida).

A Justiça do Trabalho, de cariz nomeadamente mais efetiva nesse campo, contribui para a construção da taxa global de congestionamento com 67.8%, abaixo dos índices da Justiça Estadual (86%) e Federal (85%). Porém, o índice de 2010 é superior àquele de 2009, quando a Justiça do Trabalho apresentou uma taxa de congestionamento para essa fase em torno de 66.8%.

Ainda que o perfil da Justiça do Trabalho mostre uma performace melhor nesse aspecto jurisdicional, trata-se de um dado extremamente preocupante, isso se tomamos em conta os interesses em jogo nos processos trabalhistas e a urgência que clama sua solução. Mas, não é uma realidade nova, e uma análise minimamente comprometida com a ciência não pode prescindir da percepção de seu caráter multifatorial.

Já há algum tempo, tenho insistido para um diálogo institucional sobre os problemas de efetividade da Justiça brasileira, e da trabalhista em especial.

Apesar dos avanços das ferramentas eletrônicas na fase de cumprimento forçado das decisões e dos títulos extrajudiciais, cuja execução é admitida na Justiça do Trabalho, a efetividade processual continua a revelar sérios problemas.

A baixa faticidade ou eficácia da legislação trabalhista de algum modo também se projeta sobre o universo endoprocessual, sendo rarefeita as iniciativas de satisfação voluntária das sentenças. Na maior parte dos casos, a solução precisa passar por um ou muitos atos processuais de constrição judicial. Em muitos deles, ainda há a necessidade de se promover a expropriação patrimonial para satisfação do crédito.

Temos ainda o problema da execução contra a Fazenda Pública, que ganhou contornos preocupantes de retardamento de efetividade com a adoção do regime especial permitido pela Emenda Constitucional 62.

Examinando o Judiciário do Trabalho, ainda se vê uma considerável priorização de recursos humanos e materiais na fase de conhecimento, o que resulta numa taxa de congestionamento muito mais baixa, em torno de 35,8% no primeiro grau de jurisdição.

Porém, é fundamental para o caráter (ou escopo) pedagógico da jurisdição que o Poder Judiciário dê uma efetiva resposta ao jurisdicionado sobre a demanda apresentada. E essa resposta não pode ser atendida pela solução do caso apenas na ótica do direito controvertido. Nas ações de reparação em geral, que envolve obrigações de dar (ou pagar), o sentimento de justiça concreta está umbilicalmente ligado à entrega do bem da vida pleiteado: a justiça substancial, e não meramente formal.

Esse certamente é uma dos exponenciais desafios que o Relatório nos intima a enfrentar. Todo o esforço empreendido até aqui não tem sido suficiente para atender ao preceito da eficiência (artigo 37, CF), o que implica dizer que precisamos ampliar as discussões dentro e fora do Judiciário, em ordem a construir alternativas e soluções para a efetividade processual.

Precisamos enfrentar temas como a redistribuição das tarefas de magistrados e servidores, equilibrando o tempo entre as diversas fases processuais; a participação dos advogados na construção de alternativas para a solução substancial dos processos; a reforma pontual da legislação processual; o aproveitamento de institutos processuais mais eficazes e simplificados; a valorização das decisões e o maior potencial da execução provisória; a cobrança de maior eticidade processual; a revisão do regime de penalidades para atos atentatórios à dignidade da Justiça; a remodelação do sistema de contempt of court no processo pátrio; dentre outros temas.

Parece-me que esse é o desafio para o qual todos nós somos chamados quando se revelam os dados do Poder Judiciário, especialmente quando sua legitimiação social depende, em expressiva medida, do comprometimento de todos os seus atores com uma tutela jurisdicional de qualidade e materialmente efetivada em prazo razoável, pois se trata de direito fundamental de todos, e cuja pretensão de eficácia, como lembra Konrad Hesse, depende também da vontade de todos.

Luciano Athayde Chaves é juiz do Trabalho da 21ª Região e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Revista Consultor Jurídico, 2 de setembro de 2011