quarta-feira, 30 de novembro de 2011

"Arbitragem é essencial para o capital estrangeiro"

Por Líliam Raña

A Câmara de Comércio Internacional (CCI) registrou em 2009 um aumento de 20% no número de participantes, chegando a quase 90 países. Naquele ano, o CCI registrou 817 novos casos, elevando para 1.461 os conflitos em arbitragem, o que representou 50% a mais nos últimos dez anos. O Brasil acompanhou essa tendência mundial de crescimento e registrou "um aumento sem precedentes" de participantes, segundo o relatório da CCI. Saltou de quatro, em 1995, para 86, em 2009. O Brasil é atualmente o quarto país que mais utiliza a arbitragem no mundo.

De acordo com o advogado Pedro Batista Martins, é importante observar que o Judiciário brasileiro sempre ofereceu a segurança necessária ao capital estrangeiro e tranquilidade para o país que investe. "A despeito da inexistência de uma lei que tornasse viável a arbitragem, o Brasil sempre registrou investimentos no país. O sistema jurídico brasileiro, que sempre foi alinhado com os países da Civil Law, tem reconhecida qualidade e independência", destacou durante o painel "Arbitragem e atração de investimentos no Brasil", no seminário promovido pelo jornal Valor Econômico, nesta segunda-feira (28/11) em São Paulo.

O advogado conta que a arbitragem é cada vez mais utilizada no exterior de forma que todo contrato considerado sério possui cláusla de arbitragem. "Isso é reconhecer que a arbitragem ingressa como mecanismo essencial para o fluxo de capital estrangeiro no país, no plano do comércio internacional." Para ele, a segurança que o país oferece também vem de seu histórico com normas específicas e cita a Lei 4.313 de setembro de 1962. "Desde a edição dessa lei que regula a captação e remessa para o exterior, apesar de várias situações difíceis pelas quais o país passou, poucas alterações foram feitas e nenhuma alterou a espinha dorsal da norma."

Relegada nos anos 70, a arbitragem estava mais presentes nos contratos e empréstimos internacionais contraídos pelas estatais, sempre com aval do Tesouro. A partir desse momento, nas décadas seguintes, passa a existir uma pressão para a validação dos contratos com cláusulas compromissórias. Na medida em que o país atua mais no mercado internacional e recebe mais investimentos, essa pressão começou a pedir uma estrutura jurídica que valide a utilização da arbitragem. "A Lei de Arbitragem tem no nascedouro uma pesquisa sobre o Judiciário, que foi favorável a essa solução, pois se demonstrou como sistema confiável", destaca Batista Martins.

Para o advogado, esse entendimento reconhece que a arbitragem ingressa como mecanismo essencial para o fluxo de capital estrangeiro no país, no plano do comércio internacional. A arbitragem cresceu em importância com a Lei 9.307/96, com iniciativa senador Marco Maciel (DEM-PE), em 1992. "Os empresários foram os primeiros a encampar a validade e eficácia da lei, mesmo antes da discussão sobre a constitucionalidade, pois não queriam esperar o Judiciário."

Martins acredita que o contexto atual do mercado abrange alta competitividade e agilidade empresarial, fatores que impossibilitam que uma disputa seja resolvida em três, quatro ou cinco anos no Poder Judiciário. "A culpa não é do Judiciário, pois a arbitragem de maneira nenhuma o substitui. Mas é impossível que uma empresa conviva com uma briga de sócios durante muito tempo, prejudica o andamento da empresa, que perde produtividade."

Investimentos direitos
A importância do capital estrangeiro é endossada pelo economista Roberto Teixeira da Costa, presidente da Câmara de Arbitragem do Mercado/Bovespa, que diz ser surpreendente que o Brasil continue sendo grande captador de capital estrangeiro a despeito do atual cenário mundial. "Até outubro deste ano, o país captou US$ 56 bilhões, em Investimento Estrangeiro Direto (IED). E, segundo a última estimativa, o IED deve somar US$ 60 bilhões ao final deste ano."

O economista reconhece a importância da arbitragem para dar confiança ao investidor. Para ele, o Brasil ainda atrai muito investidores pela a confiança na moeda, que também é fator relevante, e a "governança empresarial do país que está muito acima da Índia, China e Rússia. Estamos muito mais avançados", reforça Costa. Ele destaca ainda a previsibilidade para dar segurança ao investidor. "Ninguém vai para um país que não mantém as regras do jogo. As regras não podem ser alteradas." Além disso, ele destaca o fator tempo para dar segurança necessária ao investidor. "Não se pode conciliar o tempo do investidor de mercado com o tempo da Justiça."

O advogado Carlos Alberto Carmona, professor da Universidade de São Paulo (USP), acredita que não existe solução alternativa de litígios. "É preciso entender que existem mecanismos diferentes para litígios diferentes. O papel do Judiciário não é julgar de maneira fantástica todos os tipos de litígios." Carmona destaca ainda que o Judiciário deve apoiar esses mecanismos encontrados como ocorre com a mediação e conciliação.

Para o professor, os litígios societários não devem ir ao Poder Judiciário, pois os juízes não são preparados para julgá-los. "Os juízes devem julgar questões que interessam à sociedade, as questões que interessam aos particulares naturalmente são muito complexas e não podem ocupar no Judiciário lugar de questões que deveriam estar lá."

Na arbitragem, Carmona argumenta que é natural que aquele que cuida de uma única causa e está mais ligado às questões de comércio julgue melhor o conflito. "A perspectiva de um processo longo mostra que a arbitragem nos dá um mecanismo diferenciado, com responsabilidade e liberdade, para mudar parâmetros dos processos que conhecemos e são inadequados para solução de determinados conflitos."

A mudança de paradigma cultural, segundo o professor, depende muito do advogado, porque ele quem vai tranquilizar seu cliente. Carmona destaca que os advogados devem se informar mais. "Nesse momento, o advogado precisa saber escolher a câmara, ter informação necessária sobre onde vai resolver seu problema." Para ele, os advogados ainda não entenderam que ao firmar uma cláusula arbitral precisam saber quais são suas escolhas.
Líliam Raña é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 29 de novembro de 2011

sábado, 26 de novembro de 2011

"A busca da celeridade é o grande dilema do Judiciário"

Por Líliam Raña

A ação da Justiça tem contribuído para a melhoria da qualidade de vida da população. Mas se o Judiciário não encontrar meios para dar respostas mais rápidas às demandas da sociedade, ele não vai receber o reconhecimento pelo bom trabalho que faz. A opinião é do desembargador Fernando Antonio Maia da Cunha, presidente da Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, o segundo maior colegiado de segunda instância do país.

O TJ paulista cumpriu, até o dia 5 de novembro, 95% da Meta 2, solucionando todos os recursos que deram entrada na corte até 2006. "Pelas nossas estatísticas, vamos cumprir 99% da meta", afirma Maia da Cunha. "Este ano, julgamos muito mais do que o ano passado, e vamos julgar um número de recursos mais de 10% maior do que o de recursos que entraram no tribunal", prometeu, em entrevista à Consultor Jurídico.

O aumento da produtividade da Seção de Direito Privado e de todo o Tribunal de Justiça paulista teve como ponto de partida uma série de providências que culminou com a Resolução 542, de março de 2011. Editada pelo Órgão Especial, a norma definiu estratégias para acabar com o acervo de processos anteriores a 2006 e previu sanções administrativas para aqueles que, injustificadamente, não o fizessem.

Apesar das críticas e da resistência de muitos desembargadores, a cobrança mostrou bons resultados. Em oito meses, 95,2% dos 60.072 processos antigos receberam decisão. O desembargador Maia da Cunha teve influência decisiva na mudança da forma de gestão da corte. Ele sempre foi reconhecido pela metodologia aplicada na administração de seu gabinete, que o levou a zerar o acervo desde janeiro de 2007.

A redução do acervo, aliás, é um desafio constante que Maia da Cunha persegue por meio de estratégias que facilitem e agilizem o trabalho dos desembargadores. Pensando nisso, ele criou o Grupo de Apoio ao Direito Privado (Gapri), que faz todas as pesquisas de jurisprudência que os desembargadores precisam, além de editar boletins semanais. “Só a Seção de Direito Privado não tinha um grupo desses. Era um atraso”, destaca.

Quando assumiu a presidência da Seção de Direito Privado, tinha em seus planos a criação de súmulas que unificassem a jurisprudência. "Até janeiro de 2010,em 130 anos de existência, o Tribunal de Justiça não tinha uma única súmula", diz. Hoje, no entanto, são 62 súmulas só relacionadas ao Direito Privado.

A Seção de Direito Privado corresponde à metade do Tribunal de Justiça de São Paulo, tanto em número de integrantes como no volume de feitos em tramitação nos gabinetes. Com 190 desembargadores, quase 50 substitutos e 10 juízes convocados em três subseções é maior que qualquer outro Tribunal de Justiça do país.

O Conselho Nacional de Justiça “atendeu” a um desejo de Maia da Cunha. O desembargador procurava instrumentos que ajudassem a alavancar a conciliação em segunda instância. O Tribunal já contava, há dez anos, com um núcleo de conciliação, mas este não havia conquistado ainda a importância necessária. "Quando o CNJ baixou a Resolução 125, pensei: 'Isso veio como se eu tivesse pedido'."

Fernando Antonio Maia da Cunha, 60 anos, nasceu em Bauru, criou-se em Adamantina e formou-se em Direito pela Faculdade da Alta Paulista, de Tupã, em 1974. Sete anos depois, foi aprovado no concurso de ingresso á magistratura. Em 2004 foi promovido a juiz do Tribunal de Alçada Criminal e um ano depois, com a Emenda Constitucional 45, passou a desembargador do Tribunal de Justiça. De acordo com o Anuário da Justiça São Paulo 2011, "é um dos expoentes da nova geração de desembargadores empenhados na renovação, inserção e dinamização do TJ paulista."

Também participaram da entrevista os jornalistas Márcio Chaer, Maurício Cardoso e Lilian Matsuura.

Leia a entrevista:

ConJur — No início de dezembro termina o seu mandato à frente da Seção de Direito Privado do TJ-SP. O senhor pensa em se reeleger?
Maia da Cunha — Não. A possibilidade de reeleição existe, pois o regimento não veda. No entanto, na Seção de Direito Privado combinamos que a cada biênio o integrante de uma das subseções preside a Seção. O primeiro presidente foi o desembargador Ademir Benedito da Subseção 2, depois foi o Luiz Antonio [Rodrigues da Silva] da Subseção 3 e agora sou eu, representante da Subseção 1. Então, esta é a vez de um integrante da Subseção 2. A escolha é por eleição envolvendo todos os desembargadores da Seção.

ConJur — E por que não pode haver reeleição?
Maia da Cunha — A reeleição não faz sentido no Direito Privado. Nós somos 190 desembargadores e cada um pode fazer uma nova gestão de motivação, de ampliação e de melhoria. Não há motivo para alguém ficar quatro anos. Eleger a cada biênio o representante de uma subseção mantém a Seção unida. Antes, esta era uma Seção muito separada, porque foi formada por três tribunais distintos.

ConJur — Como foi a união dos três tribunais?
Maia da Cunha — Ela ocorreu com a soma do 1º TAC [Tribunal de Alçada Cível], do 2º TAC e do TJ, na parte de Direito Privado. Levou um tempo para conseguir unificar a Seção e tirar um pouco daqueles interesses personalizados de cada tribunal. Hoje a Seção é bem integrada, mas isto não foi um trabalho meu, foi de toda Seção. A união possibilitou que nós colocássemos no Órgão Especial oito dos 12 desembargadores que são eleitos. Sem as disputas internas, a Seção está maior e melhor, inclusive no relacionamento com as outras Seções.

ConJur — Quais foram os avanços da Seção de Direito Privado?
Maia da Cunha — Por conta desse começo de união dos três tribunais, a primeira gestão, do desembargador Ademir Benedito, ficou muito tempo trabalhando em temas que ainda eram próprios dos três tribunais que se unificaram. Isso tomou muito tempo e, ainda precisou lidar com a proposta de uma unificação de competências, ou seja, misturar tudo que estava formado e fazer novas cinco divisões de competência. Era a ideia de alguns e acabou consumindo grande tempo da gestão do desembargador Benedito, sem que isso tivesse dado certo, pois não era desejo da maioria das três subseções. Depois, o Luiz Antonio administrou a Seção, mas ainda havia outros problemas de três tribunais que igualmente consumiram grande tempo da gestão. As gestões dos meus antecessores ficaram com todos os problemas oriundos da unificação. Prometi que não mais discutiria divisões de competência. Uma vez eleito pela Seção pude, desde o início, aproveitar para cuidar dos 330 mil processos que tínhamos para julgar. Para mim voltar a falar de modificações de competência, naquele contexto, era perda de tempo.

ConJur — Qual foi o foco da sua gestão?
Maia da Cunha — Eu tinha três focos principais. A primeira voltada para tornar os julgamentos mais rápidos na Seção, além de encontrar um modo de resolver os seus problemas, principalmente de atraso nos julgamentos. A equação era difícil. De acordo com dados do CNJ, a produtividade dos desembargadores em São Paulo é uma vez e meia superior à média nacional. Além do que, a distribuição de novos processos não é possível de ser controlada. Antes, quando a distribuição era controlada, o processo levava cinco ou seis anos para ter um relator. Hoje os processos chegam ao Tribunal e são distribuídos.

ConJur — Qual foi sua estratégia para lidar com essa demora?
Maia da Cunha — Com base nessa dificuldade, pensei que nós teríamos de criar alguma coisa entre o desembargador e o jurisdicionado, para que se pudesse julgar mais no mesmo tempo e sem mexer na distribuição. Uma das fórmulas era a edição de súmulas, que não surtem um efeito imediato, mas com o tempo evitam novos processos e facilitam os julgamentos. Em seus 130 anos, o Tribunal de Justiça não tinha súmulas. Em janeiro de 2010, não havia uma súmula no tribunal. Nos 1º e 2º TACs existiam algumas súmulas e o Direito Público tinha alguns enunciados. Trabalhamos diretamente nisso, desde o início da gestão, e temos hoje mais 62 súmulas só das relacionadas ao Direito Privado. O tribunal tem ao todo 75 súmulas, que ainda é pouco, considerando que o Superior Tribunal de Justiça tem mais de 400 súmulas.

ConJur — As súmulas agilizaram e unificaram as decisões do tribunal?
Maia da Cunha — A unificação da jurisprudência é fundamental, mas não dá resultado imediato. A partir da súmula, o primeiro grau passa a utilizá-la para agilizar os julgamentos. Quando chega ao tribunal um recurso baseado na súmula, a preparação desse voto é muito simples, porque a sentença já vem ao encontro do pensamento do tribunal. Isso leva um tempo até se consolidar, mas acredito que hoje já produz bom resultado. Nos últimos anos, também criamos comissões de estudo e jurisprudência de cada subseção e formamos as turmas especiais, que hoje definem os conflitos de competência entre as suas próprias câmaras.

ConJur — Os advogados ainda reclamam da edição de súmulas?
Maia da Cunha — Os advogados reclamaram muito quando se criou no Supremo a Súmula Vinculante e no STJ a Lei de Recursos Repetitivos. Não acredito que isso gere qualquer prejuízo aos advogados e às partes. Pelo contrário. A segurança jurídica, o caminho sobre uma determinada matéria, um determinado entendimento, é fundamental para os advogados, desde a orientação ao cliente até o resultado da demanda, que não pode ser imprevisível quando se trata de questões pacificadas nos Tribunais. As súmulas permitem que cada um possa ter uma ideia muito próxima da realidade do que vai acontecer com o seu processo, caso ele decida entrar com a ação. Aumenta a segurança jurídica e vai diminuir o número de processos no primeiro e no segundo grau.

ConJur — Quais foram as suas outras metas?
Maia da Cunha — O segundo ponto foi a criação do Gapri [Grupo de Apoio ao Direito Privado]. O número de desembargadores é grande e quando eles precisavam de pesquisas de jurisprudência, tinham que pedir na biblioteca, que atendia o estado todo. Era um atraso. O Fórum João Mendes tem o Centro de Apoio aos Juízes há mais de dez anos. As varas da Fazenda Pública contam há mais de 12 anos com o Centro de Apoio aos Juízes da Fazenda. E a Seção de Direito Público também possui, há mais de dez anos, o Centro de Apoio ao Direito Público. Só o Direito Privado não tinha e sua criação foi muito difícil por conta de falta de funcionário, de espaço, etc. Mas, em agosto de 2010, inauguramos o Gapri, com a presença do ministro do Supremo Cezar Peluso [presidente do Supremo Tribunal Federal], que sempre foi do Direito Privado.

ConJur — Como funciona o grupo?
Maia da Cunha — Ele faz todas as pesquisas que os desembargadores precisam, edita boletins semanais e mensais com jurisprudência selecionada da nossa Seção, do STJ e do Supremo e encaminha a cada desembargador por e-mail. Para se ter uma ideia do tempo que perdíamos antes, quando saiu a modificação do Código de Processo Civil, do artigo 475-J, sobre a fase de execução da sentença, os desembargadores todos perderam dois meses estudando a mesma coisa para decidir os agravos. Se tivéssemos o Gapri, ele teria feito a compilação desses dados e encaminhado para os gabinetes. Nós não precisaríamos ter perdido dois meses estudando aquilo que foi, depois, uma conclusão quase unânime. O Gapri envia a todos os juízes de primeiro grau que se cadastraram a nossa jurisprudência atualizada e todos os boletins, o que considero fundamental para facilitar os julgamentos nas duas instâncias. Realizará até o final do ano quase dez palestras para os escreventes e assistentes sobre matérias da Seção, além de ter feito workshops sobre o melhor aproveitamento do SAJ [Sistema de Automação da Justiça] e julgamento virtual. Tem um acervo ainda pequeno de pesquisas temáticas, mas em 2012 investirá nessa área para facilitar o trabalho dos gabinetes. Eu considero que o Gapri foi uma conquista muito importante. Em alguns anos, o grupo será a alma da Seção de Direito Privado.

ConJur — Qual a estrutura do Gapri?
Maia da Cunha — No Estatuto do Gapri, independentemente do coordenador, que será sempre o presidente da Seção de Direito Privado — pois ele tem toda a facilidade de circulação no Palácio no âmbito administrativo —, o grupo tem nove Magistrados, três de cada subseção, sendo dois desembargadores e um juiz substituto. Penso que o Gapri foi uma conquista bem sucedida. Mas, se não fosse esse apoio de todos, dificilmente teria conseguido fazê-lo sozinho. O apoio que recebi durante a minha gestão criou um círculo virtuoso, em que você faz e os colegas vão gostando, e com isso estimulam, contribuem com ideias e sugestões. Isso acaba criando um conjunto muito bom.

ConJur — Quando os integrantes do Gapri se reúnem?
Maia da Cunha — Uma vez por mês, dependendo das circunstâncias. Nos reunimos no final da tarde no gabinete de um dos integrantes do grupo e colocamos a pauta em dia. Geralmente, duram pelo menos duas horas as nossas reuniões .

ConJur — Como é o relacionamento da presidência da Seção com os desembargadores?
Maia da Cunha — Reorganizamos o setor que cuida do processamento dos recursos especiais e extraordinários aos Tribunais Superiores, tendo sido a primeira Seção a assinar digitalmente os despachos de admissibilidade, que são em torno de 250 por dia útil. Com isso poupamos um tempo enorme do presidente, que passou a ser usado em prol da solução dos problemas diários dos desembargadores e juízes, a quem dei tratamento prioritário e urgente, respondendo imediatamente todas as ligações e tentando solucionar de forma rápida todas as dúvidas. Desde pequenas providências a presidência fez o que pode para poupar tempo dos magistrados, inclusive indo aos gabinetes dos colegas para que não precisassem perder tempo de irem ao Palácio solucionar problemas que precisavam ser conversados pessoalmente.

ConJur — Qual foi a terceira meta de sua gestão?
Maia da Cunha — Foi o setor de conciliação de segundo grau, que existe há mais de dez anos no tribunal. Ele foi criado originariamente por desembargadores aposentados que ainda tinham vontade de participar e ajudar. Fizeram isso na conciliação em segundo grau. Muitos advogados colaboraram. Ninguém dava muita importância para o efeito da conciliação na diminuição dos recursos. O setor tinha estrutura mínima, mas a ideia era alavancá-la. Eu pensava nisso há 12 anos, desde a época em que eu trabalhava no Fórum João Mendes. Então, veio a Resolução do CNJ, de 2010 [que dispõe sobre a política judiciária para solução alternativa de conflitos], e pensei: “Isso veio quase como se eu tivesse pedido.” O tribunal ainda tem muita resistência às novidades. Isso é próprio do juiz, e eu me incluo, porque fomos criados nessa concepção de cuidado, de cautela, de prudência, de medo de errar. O medo de errar fez com que o tribunal se atrasasse. Como se fosse tão difícil dizer: “Olha, esse não era o melhor caminho mesmo. Então, fecha-se esse caminho e vamos agora por aqui.”.

ConJur — A Resolução do CNJ ajudou a agilizar a instalação do Centro de Conciliação?
Maia da Cunha — Quando veio a Resolução 125, fui ao presidente Viana Santos e disse: “Presidente, nós temos que fazer isso. E temos que fazer isso em primeiro lugar.” Expliquei que o percentual de acordos na conciliação feito pelo tribunal era de 20%. Isto ocorria na conciliação feita pelos desembargadores e advogados aposentados, por mais de dez anos, que não ganhavam, nem ganham um centavo para o trabalho que desenvolvem com cuidado e zelo. Se tivéssemos capacidade de fazer mil conciliações, faríamos 20% de mil acordos. Fiz um projeto ousado e criamos um Núcleo, que era obrigatório pela Resolução 125, e transformamos o setor de conciliação no Centro Judiciário de Conciliação. E passou a ter a atenção que há muito tempo merecia.

ConJur — Quais foram os obstáculos para instalação do Centro de Conciliação?
Maia da Cunha — Não foi fácil. A nossa resolução, do provimento do Conselho que cria um núcleo e o centro, é de fevereiro de 2011. Estava tudo pronto para funcionar, mas o presidente Viana Santos morreu e, com isso, até a nova eleição, os projetos foram adiados. Inauguramos o Centro de Conciliação em Segundo Grau com a presença da Ministra Eliana Calmon e agora vamos inaugurar as novas instalações, no 18º andar do Fórum João Mendes, com capacidade para 2.500 audiências por mês. Se for mantida a produtividade de 20% de acordos, significa que teremos 500 acordos por mês, 6 mil por ano. Mas a ideia é chegar a 50% de acordos. E, para isto, basta que nós tenhamos o endereço das partes para intimá-las pessoalmente a comparecer na audiência, e não só os advogados. Fizemos testes durante seis meses e chegamos a essa conclusão que ou intimamos as partes ou não vamos melhorar o percentual de acordo. Isso ocorre porque o advogado tem uma série de afazeres e talvez não acredite muito na conciliação de segundo grau. Ainda, ele não consegue tempo para conversar mais com o cliente. Quando você intima a parte, e isso está estatisticamente comprovado, ela vem. Além de querer resolver o problema, quando é feita a proposta ela pensa: “Bom, se eu estou esperando há quatro ou cinco anos, não sei nem se eu tenho direito a mais ou a menos, mas acontece que esse dinheiro hoje para mim é bom.”

ConJur — Quais processos são selecionados para conciliação?
Maia da Cunha — Nós começamos a fazer pelos mais antigos ou por aqueles que manifestam a intenção de fazer acordo. Estamos agora montando a estrutura de informática que vai unificar o estado todo. Nem todas as cidades fazem parte desse sistema unificado. O programa também precisa ser aprimorado, para exigir no cadastro informações como o nomes das partes e o seu endereço. Vamos fazer isso em duas frentes, afinal o tribunal tem hoje 500 mil processos. Quando o processo chega vamos cadastrar o endereço das partes e, quem já usa o sistema integrado com o segundo grau, preenche o endereço lá. Parece simples, mas o impacto operacional é grande pelo número processos — um universo de milhares de processos que chegam todo dia. Incluir essa informação no cadastro, sem correspondente aumento de recursos humanos, acarreta um atraso de 20% na distribuição dos recursos.

ConJur — Como se evitaria esse atraso?
Maia da Cunha — Seria simples e não muito difícil. Basta colocar um funcionário a mais em cada lugar ou 20% a mais. Isto não causaria retardamento da distribuição. O problema é que para colocar funcionários precisa de dinheiro, de verba, de orçamento. Mas não estamos falando de poucos pela grandiosidade dos números de processos que chegam ao tribunal. Há expectativa de que a Secretaria Judiciária seja prioridade para 2012 e com isso poderemos resolver boa parte dos problemas.

ConJur — Qual foi o impacto da conciliação no número de processos?
Maia da Cunha — Nós fazemos 2.500 audiências por mês e se tivermos 40% de acordos, são 12 mil recursos resolvidos por ano. Em cinco anos reduziríamos o acervo em 60 mil processos sem acrescentar trabalho ao desembargador. Estamos terminando a estrutura do sistema, porque não há como desprezar números tão significativos. E é uma pena que não tenhamos visto isso cinco anos atrás.

ConJur — A corte acaba de inaugurar o Centro de Conciliação na Barra Funda. Este não cuidará dos processos da segunda instância?
Maia da Cunha — Não. O Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania cuidará da primeira instância com essa mesma filosofia, de que é uma forma muito produtiva de solução de conflito.

ConJur — A conciliação é, portanto, o caminho para o Judiciário?
Maia da Cunha — Eu acredito que ajuda o jurisdicionado, melhora muito a vida da população, mas não estou certo de que diminui o número de ações. O tempo dirá. Quando formamos o Juizado Especial de pequenas causas, esperava-se que a Justiça comum tivesse uma redução de trabalho. Não aconteceu isso. O Juizado atingiu uma população que era excluída do Judiciário, por vários motivos. Ele achava caro, demorado, precisava contratar advogado, etc. Então, nada do que foi para o Juizado saiu da justiça comum. E pode acontecer que nos próximos dois, três ou quatro anos isso aconteça com a conciliação. Nós vamos fazer lá milhares de acordos e pode não haver redução de ações porque vai atingir um público que não entraria com a ação nem no juizado e nem na justiça comum. São os conflitos menores que o cidadão pensa: “Lá eu vou.” E vai lá, chama a outra parte e resolve. Mas ele não entraria com a ação. Eu tenho a impressão que só daqui cinco ou seis anos, vamos sentir a diminuição da demanda contida, já absorvida.

ConJur — Mas, para a população, vai melhorar, já?
Maia da Cunha — Essa é uma história que faz parte desse contexto, porque o judiciário tem melhorado a vida da população ao longo desses últimos anos. O reconhecimento da população, porém, é mais difícil. Uma das explicações que eu encontro é que a demora impede o reconhecimento da qualidade no judiciário. Nós demoramos muito. Dez anos depois é indecente julgar. Cinco anos depois, essa pessoa fala: “Que bom que reconheceram meu direito. Já deviam ter feito isso há mais tempo”. Eu creio que ou o judiciário encontra uma forma de julgar mais rápido ou, por mais alguns anos, não vamos ter o respeito que nós já teríamos da população se estivéssemos julgando mais depressa. “Justiça e celeridade: a busca da razoável duração do processo”. Penso que este é o nosso grande dilema e o sentimento que hoje está na alma da maioria dos magistrados que integram o Tribunal de Justiça de São Paulo.
Líliam Raña é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 20 de novembro de 2011

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Ex-vereador condenado a indenizar promotor de justiça

(23.11.11)

O comerciante e ex-vereador Rui Baierle (PDT), de Santa Cruz do Sul, foi condenado pela 9ª Câmara Cível do TJRS a reparar financeiramente, por dano moral, o promotor de justiça Francisco Luiz da Rocha Simões Pires, ex-subsecretário de Estado do Meio Ambiente, agora aposentado.

A indenização - concedida, na sentença, na cifra de R$ 5 mil - foi majorada para R$ 10 mil.

Na inicial, Simões Pires afirma que "se sentiu ofendido em sua honra pela manifestação de Baierle, em 4 de junho de 2005, em tribuna - na época vereador - ao ser atacado com a pecha de ´incompetente e andarilho´, conforme publicado no jornal, ´O Estado Gaúcho, de circulação regional".

Ainda segundo Simões Pires, "o requerido Rui Baierle, na condição de vereador, foi processado pelo Ministério Público em função do exercício irregular da função pública, de modo que a manifestação em plenário foi um ato de vingança pessoal".

O demandado contestou, confirmando sua manifestação na tribuna, porém negando o desejo de macular a honra do autor. Afirmou que a crítica exercida durante o mandato legislativo "se dirigia à atuação excessiva do autor, enquanto representante do Ministério Público, pelos prejuízos que estava causando às pessoas investigadas e processadas".

O juiz Cleber Augusto Tonial entendeu que "quanto à imunidade parlamentar, ela não incide quando o
vereador desborda dos limites de suas funções". O vencido recorreu e o autor apresentou recurso adesivo.

Na 9ª Câmara do TJ gaúcho, o relator - juiz convocado Roberto Carvalho Fraga - reconheceu ter havido "manifestação desabonatória em sessão legislativa acerca da pessoa do promotor requerente" e afastou a imunidade parlamentar. Entendendo que a cifra fixada em primeiro grau fora "tímida", a Câmara dobrou o valor.

Em nome do autor da ação atuam os advogados Theobaldo Spengler, Fabiana Marion Spengler e Fernando Pritsch. A condenação transitou ontem (22) em julgado. Desde o ajuizamento da ação (junho de 2006) até agora, decorreram cinco anos e meio. (Proc. nº 70035651447).


Publicado no Espaço Vital, dia 23.11.2011

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Juiz condena filho a devolver pensão

O juiz da 11ª Vara de Família de Belo Horizonte, Valdir Ataíde Guimarães, condenou um filho a restituir ao pai valores de pensão recebidos após ter atingido a maioridade. Ele explica que a obrigação alimentar do genitor, fundamentada no poder familiar, não mais vigora a partir do momento em que o filho alcança a maioridade civil e os pagamentos efetuados na maioridade são indevidos.

O pai, 46 anos, com rendimento bruto de R$1.040 mil, entrou com a ação de exoneração de alimentos, alegando que 20% dos seus rendimentos são destinados à pensão do filho de 19 anos. Para ele, como o filho já completou a maioridade, a sua obrigação de pagar os alimentos deve cessar.

O filho declarou que é estudante, pobre e mora de aluguel. Ele acredita que o pai tem a obrigação de perseguir a profissionalização do filho, apoiando a continuidade dos seus estudos, como dever de solidariedade familiar, mesmo tendo atingido a maioridade, até que ele consiga emprego. Alegou que ficará marcado em seu mundo psíquico e emocional o resto de sua vida, pela pouca receptividade e o descaso, numa hora da maior necessidade, a ausência paterna.

O juiz explicou que a jurisprudência predominante nas decisões de tribunais superiores aponta para que o dever da prestação de alimentos não deve cessar automaticamente, logo quando o alimentado completa a maioridade, porque ele deve comprovar a impossibilidade de se sustentar e ainda porque subsiste o dever de prestar alimentos com base no parentesco. Porém, para o juiz Valdir Ataíde, não é justo generalizar a norma sem levar em conta a situação, inclusive econômica, também da parte que paga a pensão. Não é essa a finalidade social a que se destina a lei, comenta. Para ele, a norma nivela por cima os alimentantes, como se todos fossem ricos, e frisou que não é essa a situação da maioria dos clientes nas demandas judiciais, e não seria qualquer receita que habilitaria o pai custear gasto de filho maior.

O juiz ainda observou que a obrigação alimentar de parentesco pode durar por toda uma vida e pode ser prestada de forma in natura , não necessariamente com desencaixe financeiro. Constatou que o filho não comprovou no processo eventual incapacidade para o trabalho e nem justificou a razão de estar ainda cursando a 3ª série do ensino médio. De acordo com o processo, ele é maior, capaz e igual a qualquer outro.

Portanto, justa e coerente a restituição, caso contrário seria louvar o enriquecimento sem causa, concluiu Valdir Ataíde, seguindo o mesmo entendimento em decisão do TJDFT: Constitui enriquecimento indevido do filho que atingiu a maioridade civil, descontar verba alimentar do genitor, com fundamento no poder familiar, que não mais vigora.

Essa decisão de 1ª Instância está sujeita a recurso.

Assessoria de Comunicação Institucional – Ascom

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A difícil busca por um Judiciário mais rápido

Data: 21.11.11

Lutando para julgar processos que ingressaram ainda no início da década passada, a Justiça brasileira deve levar pelo menos dez anos para eliminar de seus balcões os processos de papel. Ao substitui-los por documentos virtuais, acessíveis de qualquer canto do país pela Internet, ficará - alegadamente - mais fácil atingir metas como as definidas na sexta-feira (18) no 5º Encontro Nacional do Judiciário, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça, em Porto Alegre.

Em São Paulo - sem ter participado do evento em Porto Alegre, o desembargador Fernando Antonio Maia da Cunha, presidente da Seção de Direito Privado do TJ-SP, o segundo maior colegiado de segunda instância do país, disse que "a ação da Justiça tem contribuído para a melhoria da qualidade de vida da população".

Mas alertou que "se o Judiciário não encontrar meios para dar respostas mais rápidas às demandas da sociedade, ele não vai receber o reconhecimento pelo bom trabalho que faz". As declarações foram prestadas ao saite Consultor Jurídico.

Detalhes

* No país, hoje tramitam 85 milhões de processos judiciais. A virtualização – tornar eletrônicos os processos – é, segundo o CNJ, um aliado poderoso para reduzir o tempo de espera por uma decisão. "A ideia é que não faça diferença para o cidadão se a Justiça é do Trabalho, estadual, se é em Rondônia ou em Santa Catarina" – disse o juiz-auxiliar da presidência do CNJ Antônio Carlos Alves Braga Junior.

* No RS, até o final do ano de 2014 todos os novos processos já deverão tramitar em formato digital. Porém, o presidente do TJ gaúcho, desembargador Leo Lima, não estima prazo para digitalizar o estoque atual de 4 milhões de processos. A prioridade é reduzir o número, com um quadro de servidores enxuto.

* Antes de atingir um nível ideal de informatização, a Justiça brasileira tem outros desafios. Um deles é reduzir o estoque de execuções a serem encerradas – processos já julgados que dependem apenas de execução (geralmente, o pagamento do débito pela parte vencida). Em torno de 27 milhões do total de 85 milhões de processos em aberto estão nesta situação. "Resolver uma execução exige localizar pessoas, os devedores, e localizar bens. Muitos processos ficam parados por algo que não depende da Justiça" – explicou Braga Junior. Ele afirma também que "destas execuções, cerca de 25 milhões são fiscais, de tributos, que eventualmente o Executivo poderia cobrar administrativamente".

* O presidente do STF e do CNJ, Cezar Peluso, defende emenda à Constituição limitando o número de recursos judiciais – o que aceleraria os julgamentos –, mas ressaltou que as metas aprovadas ontem não dependem de mudanças na lei.

* Segundo recente matéria veiculada pelo Jornal da Ordem (OAB-RS), conforme o presidente da entidade gaúcha, "o Poder Judiciário como um todo não dá mais conta da demanda, estando à beira do colapso e as Varas da Fazenda Pública são reflexos destes problemas de prestação jurisdicional, já que estão sofrendo uma sobrecarga de processos, além da demora na liberação de alvarás".


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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Judiciário não foi feito para tratar de casos de massa

Por Pablo Cerdeira

É preciso separar justiça de Judiciário. Uma Nova Justiça não depende apenas deste. Depende também dos outros poderes e da sociedade, todos eles atores de um conjunto maior. Já tratamos disso anteriormente. E volto ao tema.

Se analisarmos o volume de processos do nosso Poder Judiciário, veremos que os Juizados Especiais têm um papel extremamente relevante. Segundo o Justiça em Números de 2010, elaborado e publicado pelo Conselho Nacional de Justiça, enquanto a Justiça Estadual de primeiro grau recebeu 7,6 milhões de casos novos naquele ano, os Juizados Especiais Estaduais receberam 3,5 milhões. Essa conta é ainda mais relevante na Justiça Federal. Foram 466 mil casos novos na Justiça Federal comum contra 1,3 milhão nos Juizados Especiais Federais.

É preciso fazer uma consideração. A Justiça Estadual tem competência residual. Ou seja, tudo que não é de competência das outras justiças acaba nela. Por isso, o espectro da natureza processual na Justiça Estadual é muito amplo. São brigas de vizinhos, questões empresariais, casos penais, tributários contra estados e municípios, Lei Maria da Penha e tudo o mais. De outro lado, os casos de Juizados Especiais Estaduais são praticamente todos relacionados a questões de consumo.

Pois bem. Chegamos ao ponto. O maior volume de processos em nosso Poder Judiciário hoje é relacionado a empresas prestadoras de serviços de interesse público (água, luz, telefone) ou de serviços financeiros (bancos, financiadoras e cartões de crédito). Também somam a essa conta as empresas de varejo de massa. Apenas algumas poucas empresas concentram boa parte da litigância nacional. São os casos que chamamos "de massa".

E aí vem a pergunta. Deve nosso Poder Judiciário dedicar boa parte de seus esforços para resolver questões repetitivas, de massa mesmo? Ou isso deveria ser resolvido em outras esferas? Pelas agências reguladoras, ou por órgãos de defesa do consumidor?

Minha posição é: não devem ser resolvidas pelo Poder Judiciário, não. E isso por algumas razões.

A primeira delas é que o Poder Judiciário não foi feito para tratar de questões de massa. Nossas regras processuais são muito burocráticas para isso. São importantes para questões complexas, que envolvem perícias, testemunhos, prova e contra-prova. Decisão e recurso. Mas para questões de massa, como as de consumo nos Juizados Especiais, elas não são adequadas. Mesmo no procedimento mais simplificado adotado nos JECs.

O outro ponto negativo de se deixar apenas com o Judiciário a solução de todas essas questões é que o juiz deve julgar cada caso isoladamente. Ele não pode, nem deve, só porque uma empresa está com altos índices de litigância, se deixar influenciar por isso. Sua decisão deve se ater àquilo que o processo mostra.

E mais. O juiz não dispõe das ferramentas adequadas para, a partir das reclamações, definir políticas públicas com o fim de sanar o problema. Seus recursos, muitas vezes, podem se voltar contra o próprio sistema judicial. Exemplo disso são as multas que um magistrado pode aplicar nos casos de consumo. Alguém diria: "Poxa, basta que os juízes passem a aplicar multas altas para que as empresas mudem seu comportamento." Isso não é verdade. Apesar de ainda não termos os números disponíveis, já se detectou, nos JECs do Rio de Janeiro, que o aumento na multa — que é revertida para o autor do processo — faz com que o número de processos aumente. A lógica é simples. Quando o Judiciário concede multas mais altas em favor dos autores dos processos, os vizinhos, os parentes, os conhecidos, enfim, veem ali uma oportunidade para ganhar uma bolada sem muito esforço. É uma lógica cruel para com o sistema. Mas é assim que funciona.

A solução para os processos de massa passa por uma mudança profunda. Os casos precisam ser tratados como de massa. As penas precisam ser duras, mas não podem estimular a litigância artificial. É preciso agir preventivamente, e não apenas depois que o problema está consolidado — ou seja, já absorvido como despesa pelas empresas.

E a tendência, caso o atual modelo seja mantido, é o aumento do número de processos em juizados. Conforme pesquisa recente da FGV, a melhora na distribuição de renda dos últimos anos fez com que as classes A, B e C, que representavam menos de 50% da população em 2003, hoje respondam por 75,5%. Classe C é consumidora. E muito consumidora. Quando alguém da Classe C compra uma geladeira, em geral, estabelece mais de uma relação de consumo: há uma com a loja que vendeu o produto e outra com a instituição financeira que vendeu o crédito. Ou seja, melhor distribuição de renda significa mais consumidores. E mais consumidores geram mais processos de Juizados Especiais.

Podemos esperar, portanto, que o número de processos de consumo em Juizados Especiais continue a crescer, em ritmo mais acelerado que o crescimento da economia, na medida em que a distribuição de renda continue a melhorar.

A solução para esse problema não poderá ser dada pelo Judiciário isoladamente. É preciso que os outros atores venham à cena.

Um bom exemplo de ação que pode melhorar esse cenário foi dado recentemente pela cidade do Rio de Janeiro, com a criação do Procon municipal. Será o maior Procon municipal do país, já que São Paulo só conta com um Estadual. Este parece ser um caminho interessante. Se bem estruturado, o Procon tem capacidade de ser um grande aliado do Poder Judiciário na redução do número de casos repetitivos.

Os demais grandes municípios do país deveriam se espelhar no exemplo dado pela cidade do Rio de Janeiro, instalando e estruturando seus Procons. O Judiciário e a sociedade agradeceriam.

Pablo Cerdeira é advogado e professor de Evolução, Aperfeiçoamento e Reforma da Justiça na Escola de Direito do Rio de Janeiro da FGV. Atuou como gestor de projetos como "Justiça sem Papel" e "Prêmio Innovare".

Revista Consultor Jurídico, 16 de novembro de 2011

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Tem livro novo na parada! Dessa vez sobre JUSTIÇA RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO



SPENGLER, Fabiana Marion. LUCAS, Doglas César. Justiça restaurativa e mediação: políticas Públicas no tratamento dos conflitos sociais. Ijuí: UNijuí, 2011.

É possível comprar pela página da Livraria Cultura ou pela página da Editora UNIJUI (http://www.unijui.edu.br/component/option,com_wrapper/Itemid,3172/lang,iso-8859-1/)

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Justiça Estadual lança projeto de conciliação pré-processual "Quero Conciliar Consumidor"

A Central de Conciliação e Mediação em 1º Grau do TJRS lança esta semana o projeto Quero Conciliar Consumidor. Trata-se de iniciativa pré-processual, na área de direito do consumidor, cujo objetivo é resolver conflitos de forma amigável, antes do ajuizamento de processos. As empresas NET, Claro, Vivo, Unimed, CDL e Praticard já assinaram o termo de adesão ao projeto, dispondo-se a comparecer para tentar prevenir litígios.

Segundo o Juiz Daniel Englert Barbosa, Coordenador da Central de Mediação e Conciliação em 1º Grau do TJRS, haverá audiência de tentativa de conciliação. Uma vez realizado o acordo e homologado, ele terá força de título executivo judicial. Se não houver acordo, caberá à parte interessada ajuizar um pedido no juízo competente.

Para participar do projeto, é necessário respeitar o limite de valor do Juizado Especial Cível (40 salários mínimos nacionais). Não há cobrança de custas para tentar conciliar através deste projeto.

A medida apresenta facilidades para advogados, que poderão remeter o formulário de adesão por e-mail, junto com a cópia da procuração. Com base nesse procedimento, será marcada a data para audiência, a qual será informada pela via eletrônica. No entanto, a presença física da parte é necessária no ato da solenidade.

O Juiz-Coordenador da Central de Mediação e Conciliação de 1º Grau do TJRS ressalta que, além desses fornecedores que já aderiram ao Projeto, toda pessoa jurídica que tiver interesse poderá entrar em contato para aderir ao Projeto. E, caso o consumidor queira tentar a conciliação com empresa que ainda não aderiu, a própria Central tentará contato para verificar a possibilidade de comparecimento.

Os interessados em participar do Quero Conciliar Consumidor poderão comparecer diretamente na Central de Conciliação e Mediação do 1º Grau (Av. Borges de Medeiros, 1945, 8º andar, sala 802). Outras informações podem ser obtidas pelo e-mail cjconciliacao@tj.rs.gov.br ou telefone 32106500, ramal 1078.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Ellen Gracie discute arbitragem em seminário em SP

O Seminário Internacional de Arbitragem em Seguro e Resseguro, que acontece no dia 10de novembro, no Hotel Grand Hyatt, em São Paulo, contará com a presença da ministra recém-aposentada do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie. Em sua palestra, a ministra vai discutir o tema: "A Validade dos Laudos Arbitrais no Sistema Jurídico Brasileiro”. Ela vai analisar o reconhecimento e a execução dos laudos arbitrais estrangeiros no país.

Ellen Gracie foi a primeira mulher a presidir um dos Poderes da República, ao assumir o comando do STF e do Conselho Nacional de Justiça, entre 2006 e 2008. Advogada especialista em Direito Civil, ela já integrou o Ministério Público Federal e o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul. Também presidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de 1997 e 1999.

Além da ministra, o Seminário Internacional de Arbitragem em Seguro e Resseguro contará com a participação de dois especialistas estrangeiros experientes em complexos litígios em resseguros, que apresentarão casos práticos de arbitragem. Peter Hirst, advogado admitido na Inglaterra e no País de Gales, abordará o tema “Mediação e Arbitragem no mercado londrino”. Já Diane Westwood, advogada admitida em Nova York e Connecticut, apresentará a “Mediação e Arbitragem nos Estados Unidos”.

Outras informações sobre o seminário podem ser obtidas pelo telefone (11) 3889-8996 ou pelo e-mail: lais@ssaadv.com.br.

Revista Consultor Jurídico, 2 de novembro de 2011

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