terça-feira, 20 de novembro de 2012

Um processo por 15 centavos

Publicado no Espaço Vital Porto Alegre, 20.11.12 - Criação de Marco Antonio Birnfeld - Tel. (51) 32 32 32 32 - 123@espacovital.com.br Em discussão a condenação a dois anos de prisão imposta a ajudante de pedreiro que teria furtado uma fotocópia de cédula de identidade, uma moeda de R$ 0,10 e outra de R$ 0,05, levadas de uma vítima tinha acabado de ser agredida por outros, quando foi abordada pelo réu e um menor que o acompanhava. Para o juiz, a sociedade clamava por “tolerância zero” e a jurisprudência rejeitava o conceito de crime de bagatela. O fato de terem os autores se aproveitado da vítima ferida, sem condições de resistir, indicaria alto grau de culpabilidade, por demonstrar “o mais baixo grau de sensibilidade e humanidade”. O TJ de São Paulo, ao julgar a apelação, classifica o princípio da insignificância como “divertimento teorético, supostamente magnânimo e ‘moderno’". O acórdão é verborrágico: “Acha-se implantada uma nova ordem de valores, a moderna axiologia: comerás com moderação! Beberás com moderação e furtarás com moderação!”. E dá uma alfinetada no subscritor do recurso de apelação: “Curioso e repugnante paradoxo: essa turma da bagatela, da insignificância, essa malta do Direito Penal sem metafísica e sem ética, preocupa-se em afetar deplorativa solidariedade aos miseráveis; no entanto, proclama ser insignificante e penalmente irrelevante o furto de que os miseráveis são vítimas”. O relator no STJ registra estranheza com “a forma afrontosa dos fundamentos” do TJ-SP. “O respeito à divergência ideológica é o mínimo que se pode exigir dos operadores do Direito, pois, constituindo espécie das chamadas ciências sociais aplicadas – o que traduz sua natureza dialética –, emerge sua cientificidade, de que é corolário seu inquebrantável desenvolvimento e modernização, pena de ainda vigorar o Código de Hamurabi” - registra. O relator aponta que o furto protege especificamente o patrimônio da vítima, sem alcançar, mesmo indiretamente, sua pessoa, como no roubo. Por isso, para aferir a tipicidade material do fato, além da mera tipicidade formal, seria preciso avaliar em que medida o “patrimônio” da vítima foi afetado. “Ora, por óbvio, o furto de R$ 0,15 não gera considerável ofensa ao bem jurídico ´patrimônio´. Conduta sem dúvida reprovável, imoral, mas distante da incidência do Direito Penal”, conclui o ministro. A Turma concede o habeas corpus por unanimidade. O julgado consagra a verborragia. E a linguagem objetiva vai para o brejo.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Juízes que não sejam apenas visitantes nas comarcas!

Porto Alegre, 01.11.12 - Criação de Marco Antonio Birnfeld - Tel. (51) 32 32 32 32 - 123@espacovital.com.br Magistratura (Espaço Vital - 01.11.12) O presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, falou ontem (31), em João Pessoa (PB) sobre a assinatura do acordo de Cooperação Técnica com o Poder Judiciário da Paraíba, que vai implementar o projeto “presença do juiz na comarca”. Segundo ele, “essa é uma reivindicação da sociedade brasileira em todo o país, e nós temos o compromisso com a Justiça Brasileira no sentido de fazê-la funcionar, pois ela não pode ser feita no sentido de se fortalecer internamente”. "A magistratura tem que usar sua autonomia para devolver ao cidadão tudo aquilo que ele investe na Justiça Brasileira. A presença do juiz na comarca é essencial, pois é uma referencia de segurança para o cidadão. Ela é efetivamente o compromisso da Justiça para com aquela comunidade, e é nesse sentido que a OAB se associa ao CNJ, CNMP, Tribunal de Justiça da Paraíba e Defensoria Pública, com o objetivo de zelar para que isso aconteça na prática". Questionado sobre a crítica feita pelo novo corregedor nacional da Justiça, ministro Francisco Falcão sobre os casos de juízes paraibanos que são vistos nas comarcas somente às terças e quartas-feiras, Ophir disse que "morar onde presta jurisdição e manter assiduidade já é uma obrigação legal, mas na prática não vem acontecendo" Segundo o dirigente da Ordem nacional, "o projeto ´presença do juiz na comarca´ tem justamente o objetivo de combater esse problema que acontece no Brasil inteiro". Ele ressaltou que "os advogados não são inimigos dos juízes, mas o que se quer é que eles dêem ao cidadão o direito de ter o seu processo analisado num tempo razoável". Na entrevista dada à Rádio Correio FM, Ophir arrematou dizendo que "a presença do juiz na comarca é importante não só como fator de segurança jurídica, mas para que também ele conheça a vida da sua comarca, onde muitos costumam ser apenas um visitante".

sábado, 13 de outubro de 2012

Obrigação alimentar

Consultor Jurídico ISSN 1809-2829 13 outubro 2012 Obrigação alimentar Pensão alimentícia e sua vinculação ao salário mínimo Por Afonso Tavares Dantas Neto A pensão alimentícia compreende "os alimentos necessários para o sustento, mas, também, os demais meios indispensáveis para as necessidades da vida no contexto social da cada um... os alimentos devem atender também a compatibilidade com a condição social" (Doutrina e Prática dos Alimentos. Sérgio Gilberto Porto, 4ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. página 17, passim). Mais adiante o mesmo autor explica que os "alimentos necessários para o sustento, vestuário e habitação são definidos pela doutrina como alimentos naturais, ao passo que os alimentos destinados às despesas de educação, instrução e lazer são denominados alimentos civis" (obra citada, página 20). A Constituição Federal de 1988 dispõe, in verbis: “Artigo 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”. Numa leitura apressada do dispositivo constitucional acima transcrito, poder-se-ia imaginar que jamais poderia haver vinculação do salário mínimo “para qualquer fim”. Tal interpretação é temerária, pois constitui modalidade literal de análise do texto jurídico. Afastando-se a interpretação ao pé da letra, chamada tecnicamente de interpretação literal, para adotar uma interpretação sistemática da norma jurídica em análise, conclui-se que a vinculação vedada é aquela que foge à finalidade da instituição do salário mínimo, ou seja, a vinculação pura e simples, sem caráter alimentar ou salarial. Convida-se à leitura dos dois julgados lapidares do excelso Supremo Tribunal Federal que dirimiram definitivamente a questão, verbo ad verbum: “EMENTA: PENSÃO ESPECIAL. FIXAÇÃO COM BASE NO SALÁRIO-MÍNIMO. C.F., ART. 7., IV. A vedação da vinculação do salário-mínimo, constante do inciso IV do artigo 7. da Carta Federal, visa a impedir a utilização do referido parâmetro como fator de indexação para obrigações sem conteúdo salarial ou alimentar. Entretanto, não pode abranger as hipóteses em que o objeto da prestação expressa em salários-mínimos tem a finalidade de atender as mesmas garantias que a parte inicial do inciso concede ao trabalhador e a sua família, presumivelmente capazes de suprir as necessidades vitais básicas. Recurso extraordinário não conhecido” (STF – RE 170203, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 30/11/1993, DJ 15-04-1994 PP-08076 EMENT VOL-01740-08 PP-01535 RTJ VOL-00151-02 PP-00652). “AÇÃO DE ALIMENTOS. FIXAÇÃO DE PENSÃO ALIMENTICIA COM BASE EM SALARIO MINIMO. ALEGAÇÃO DE MALTRATO AO ARTIGO 7., INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A fixação de pensão alimentícia tem por finalidade garantir aos beneficiários as mesmas necessidades básicas asseguradas aos trabalhadores em geral pelo texto constitucional. De considerar-se afastada, por isso, relativamente a essa hipótese, a proibição da vinculação ao salario mínimo, prevista no inciso IV do artigo 7. da Carta Federal. Recurso Extraordinário não conhecido” (STF – RE 134567, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, 1ª Turma, julgado em 19/11/1991, DJ 06-12-1991 PP-17829 EMENT VOL-01645-03 PP-00378 RTJ VOL-00139-03 PP-00971). Na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Federal, existe um excelente julgado (unânime), relatado pela Desembargadora Vera Lúcia Correia Lima (egressa dos quadros do Ministério Público cearense), do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, que merece ser consultado, ipsis verbis et litteris: “PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C ALIMENTOS. EXAME DE DNA. RESULTADO POSITIVO. POSTERIOR RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE. PEDIDO DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. FIXAÇÃO DOS ALIMENTOS EM MÚLTIPLOS DO SALÁRIO MÍNIMO. ALINHAMENTO À JURISPRUDÊNCIA DO STF. TERMO INICIAL DA DÍVIDA ALIMENTAR. CITAÇÃO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ CONFIGURADA. APELAÇÃO CONHECIDA E IMPROVIDA. 1. Trata-se de recurso de apelação cível interposto em face de sentença que, proferida nos autos de ação de investigação de paternidade c/c alimentos, deu provimento ao pedido da parte autora, reconhecendo o parentesco em linha reta, em primeiro grau, entre investigante e investigado, bem como fixando pensão alimentícia no valor de três salários mínimos mensais, condenando o demandado como litigante de má-fé. 2. Busca o apelante a total reforma da sentença, a fim de que: a) o processo seja extinto sem julgamento do mérito com relação à investigação de paternidade, por perda superveniente do objeto; b) os alimentos sejam fixados em percentual da remuneração, e não em salários mínimos; c) o termo inicial do débito alimentar ocorre somente a partir da prolação da sentença; e d) seja excluída a condenação do apelante por litigância de má-fé. 3. O reconhecimento da procedência do pedido do réu configura a hipótese prevista no artigo 269, II, do Código de Processo Civil, ensejando resolução do mérito, pelo que não merece guarida a pretensão do apelante de ver reformada a sentença para que o processo seja extinto sem julgamento do mérito, quanto à investigação de paternidade, por suposta perda superveniente do objeto. 4. Encontra-se pacificado o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que é possível a vinculação de pensão alimentícia ao salário mínimo. Precedentes: REs 170.203-6/GO, relator Ministro Ilmar Galvão, DJ de 15.04.94, 140.356-6/GO, relator Ministro Ilmar Galvão, DJ de 15.04.94 e 166.586-6/GO, relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 29.08.97. Pairando dúvidas acerca dos exatos rendimentos do alimentante, mostra-se prudente a fixação dos alimentos em salários mínimos, e não em percentual da sua remuneração, evitando maiores dificuldades no momento de calcular o valor da prestação. Ressalte-se que, havendo alteração no binômio necessidade-possibilidade, poderá qualquer dos interessados ingressar com a ação cabível, como o fim de revisar ou exonerar o valor da pensão alimentícia. 5. "Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação" (Enunciado 277 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça; artigo 13, parágrafo 2º, da Lei 5.478/68). 6. Não merece reproche o decisum vergastado quanto à condenação do investigado por litigância de má-fé, uma vez que, das informações trazidas aos autos, emerge, de forma cristalina, a indisposição do réu no sentido de cooperar com o deslinde do feito, dificultando a produção da prova técnica, bem como a falta de compromisso com a verdade em suas declarações, condutas que excederam os limites do direito à ampla defesa, ingressando no campo da deslealdade processual. 7. Recurso de apelação cível conhecido e improvido” (TJCE – Apelação 17134-85.2000.8.06.0070/1, 4ª Câmara Cível do TJCE, Rel. Vera Lúcia Correia Lima. unânime, DJ 07.02.2011). O egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco também abordou o tema com bastante lucidez, conforme se vê adiante, verbatim: “DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO REVISIONAL. ALIMENTOS IN NATURA. CONVERSÃO PARA PECÚNIA E VINCULAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO. POSSIBILIDADE. PREVALÊNCIA DO INTERESSE DA CRIANÇA. REAJUSTE. ADEQUAÇÃO AO BINÔMIO. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO À UNANIMIDADE. 1. Em se tratando de alimentos, a capacidade financeira de quem presta e a necessidade de quem recebe constituem os parâmetros para a fixação do valor da pensão alimentícia, admitindo-se sua modificação, a partir das circunstâncias do caso concreto, inclusive como medida de atualização do valor anteriormente fixado. 2. A conversão dos alimentos in natura para pecúnia melhor atende ao interesse da criança e a vinculação do valor ao salário mínimo garante a correção automaticamente. 3. Recurso improvido. Decisão unânime” (TJPE – Apelação 0228700-7, 4ª Câmara Cível do TJPE, Rel. Jones Figueirêdo. j. 05.07.2011, unânime, DJe 14.07.2011). Obviamente, considerando que o Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição, constitui o intérprete por excelência do texto constitucional. Corroborando a exposição até aqui, recomenda-se a leitura da insuperável doutrina do mestre civilista Yussef Said Cahali, na sua obra DOS ALIMENTOS, 7ª edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. Páginas 116 e seguintes. Uma eventual irresignação contra a interpretação do texto constitucional pelo Supremo Tribunal Federal tem grande probabilidade de resultar num insucesso processual, pois considerando-se a hierarquia do Judiciário nacional, não é de se esperar que as instâncias judiciárias inferiores contrariem o entendimento do Pretório Excelso. Logo, não há como fugir à constatação de que a vedação de vinculação do salário mínimo comporta exceção, devidamente analisadas acima. Se ainda havia alguma dúvida quanto ao tema em questão, com a edição do novo Código Civil de 2002 o assunto restou totalmente resolvido, in verbis: “Artigo 1.710. As prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atualizadas segundo índice oficial regularmente estabelecido”. Ora, se o próprio Código Civil defende expressamente a atualização da prestação alimentícia segundo índice oficial regularmente estabelecido, não resta qualquer argumento para criticar a vinculação dos alimentos ao salário mínimo, cuja finalidade coincide com o objetivo da norma civilista. Aliás, verdade seja dita, a vinculação da pensão alimentícia ao salário mínimo constitui inclusive medida de economia processual, pois evita o ajuizamento de sucessivas ações de majoração de alimentos para atualizar o valor da verba alimentar. Além do mais, não há como negar a evidente vantagem da utilização do salário mínimo como parâmetro de atualização da pensão alimentícia, pois assim evita-se a burocracia de fazer-se uma periódica correção monetária da obrigação alimentar. Isto posto, na linha do que é preconizado pela mais alta Corte de Justiça do Brasil, o salário mínimo pode (e deve) ser utilizado para fins de fixação da pensão alimentícia, preservando-se assim o poder de compra dos alimentos e evitando-se a deletéria e irresistíveis corrosão da pensão alimentícia pela inflação. Finalmente, nada mais longe da realidade jurídica brasileira do que cogitar da inconstitucionalidade da fixação dos alimentos em percentual do salário mínimo, visto que o intérprete por excelência da Carta Magna, o Supremo Tribunal Federal, já pacificou o assunto autorizando expressamente o emprego do salário mínimo como parâmetro ou fator de indexação para as obrigações de caráter alimentar. Afonso Tavares Dantas Neto é promotor de Justiça de Família e Sucessões em Juazeiro do Norte (CE). Revista Consultor Jurídico, 13 de outubro de 2012 http://conjur.com.br/rss.xml

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Livro novo!!!

Livro novo, produto da pesquisa realizada durante o pós-doutorado em Roma. Com prefácio de Eligio Resta, foi publicado pela UNIJUI.

domingo, 29 de julho de 2012


O livro foi publicado em parceria com Luciana Turatti e Caroline Muller Bintencourt pela editora espanhola EAE na Alemanha. Pode ser adquirido nos endereços abaixo:

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quinta-feira, 5 de julho de 2012

Tribunal de Justiça de MG autoriza avó a adotar neta

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais concedeu a uma avó o direito de adotar a neta, que é maior de idade e incapaz. A decisão é da 1ª Câmara Cível do TJ-MG e modifica sentença que proibia essa possibilidade sob o argumento de que o artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente veda a adoção de descendente por ascendente.

O relator do processo, desembargador Eduardo Andrade, entendeu que o Estatuto da Criança e do Adolescente não se aplica nos casos de adoção de descendente maior de idade por ascendente, mas apenas aos casos envolvendo menores. O desembargador concluiu que a adoção de descendente maior de idade por ascendente é possível, pois não há vedação legal prevista no Código Civil de 2002.

Em seu voto, ele ressaltou que a idosa foi quem sempre se responsabilizou, de fato e de direito, pela neta, suprindo a omissão dos pais no desempenho dos deveres inerentes ao poder familiar. O magistrado lembrou que, apesar da idade avançada, a idosa encontra-se aparentemente lúcida e com capacidade física satisfatória.

O Ministério Público foi contrário à adoção, e afirmou que o desejo da idosa, com 92 anos, é reverter sua pensão — de cerca de R$ 7 mil mensais — à neta, o que seria um ato para burlar o sistema de Previdência Social.

Segundo os dados do processo, a avó sempre cuidou da neta, que tem deficiência mental. Quando a menina era menor, ela tinha a sua guarda. Após a maioridade, a garota foi interditada judicialmente e a avó foi nomeada a sua curadora. Em seu recurso no TJ-MG, a idosa alegou que suas preocupações vão muito além do amparo previdenciário e inclui também a possibilidade de garantir as necessidades especiais da moça, hoje com 21 anos, e oferecer os tratamentos terapêuticos especializados, de forma a garantir o seu bem-estar e uma vida digna.

“Parece-me induvidoso que o presente pedido de adoção visa a resguardar uma situação fática já existente há anos, na qual a avó paterna sempre foi a responsável por propiciar à neta assistência afetiva, material e psicológica necessárias ao seu bem-estar e à garantia de uma vida digna, tendo com ela firmado vínculos de afinidade e afetividade”, disse o desembargador em seu voto. Para ele, a constatação afastaria a hipótese de que o pedido de adoção tivesse o intuito único e exclusivo de resguardar à adotanda o amparo previdenciário. Para ele, eventual benefício previdenciário a ser recebido pela neta seria decorrência decorrido de uma situação legítima e justa.

Com base nesses fundamentos, o relator julgou o pedido da idosa procedente e decretou a destituição do poder familiar dos pais biológicos. Determinou ainda que seja realizada a alteração no registro de nascimento, com inclusão do nome da mãe adotiva e dos respectivos avós, além da alteração do sobrenome.

Votaram de acordo com o relator os desembargadores Geraldo Augusto e Vanessa Verdolim Hudson Andrade. Com informações da Assessoria de Comunicação Institucional.

Revista Consultor Jurídico, 5 de julho de 2012

domingo, 17 de junho de 2012

Países discutem administração da Justiça em Haia


Em congresso promovido pela International Association for Court Administration (IACA), 340 pessoas, representando 46 países, compareceram em Haia, Países Baixos (Holanda), para discutir medidas para alcançar maior eficiência nas atividades do Poder Judiciário. O local do evento não podia ser mais adequado: Corte Internacional de Justiça (CIJ), onde o Brasil brilhou e brilha, com a presença dos ministros Francisco Rezek e Cançado Trindade.

A IACA (http://www.iaca.ws/), com sede em Saint Louis, EUA, foi criada oficialmente em 2004 por administradores judiciais norte-americanos. Seu objetivo é estudar a administração da Justiça. Neste mister reúne magistrados, professores, administradores judiciais e operadores jurídicos de todos os continentes, facilitando a troca de ideias e experiências. No seu International Journal on Court Administration, que nada mais é do que uma revista eletrônica, publica artigos oriundos dos mais diversos países.

A primeira observação que se faz é como administradores judiciais conseguiram, em 8 anos, estender suas atividades por dezenas de países, em todos os continentes. Aí está uma mescla de ousadia e competência inusitadas. A ideia partiu de Markus Zimmer e Jeffrey Apperson (1999), quando ambos eram administradores judiciais da Justiça Federal de primeira instância nos estados de Kentucky e Utah EUA. Não é difícil imaginar as dificuldades encontradas no meio do caminho, representadas pelas barreiras linguísticas, políticas, econômicas, religiosas e, acima de tudo, a necessidade de conseguir recursos financeiros para a realização de eventos.

A segunda observação é sobre a figura dos administradores judiciais, nome que se dá aos membros da cúpula dos tribunais nos países da “Common Law” e em alguns da Europa. Equivalem aos nossos diretores-gerais, secretários-gerais ou diretores administrativos dos tribunais ou dos foros. A diferença é que eles se dedicam exclusivamente a administrar o Judiciário, enquanto os nossos diretores, regra geral, permanecem no prazo do mandato de quem os indicou, ou seja, 2 anos. Por isso mesmo, nem sempre eles detêm experiência administrativa. Muitos foram sempre assessores, dedicando-se exclusivamente ao estudo de teses jurídicas. A falta de uma cultura específica desses gestores sobre administração da Justiça colabora para gestões pouco expressivas.

Vejamos como se deu a quinta Conferência Internacional da IACA, cujo tema foi “O desafio de desenvolver e manter Cortes eficientes e fortes em uma era de incertezas”. As anteriores foram em Ljubljana (Eslovênia), Verona (Itália), Dublin (Irlanda) e Istambul (Turquia), além de duas conferências regionais em Trinidad Tobago (Caribe) e na Indonésia (Ásia).

Em três dias de conferências e oficinas de trabalho, os participantes discutiram os mais complexos temas da efetividade da Justiça moderna. O pano de fundo foi e continua sendo a necessidade de um Poder Judiciário independente como forma de garantia da democracia. Os idiomas oficiais do congresso foram inglês, russo, árabe, espanhol e francês.

Inicialmente, merece menção especial a forma de exposição dos vários palestrantes. Os europeus mantêm o antigo sistema de levar o texto escrito e lê-lo, o que não é muito sedutor. Os norte-americanos, como sempre, práticos, exibem lâminas de power-point e dão exemplos práticos. Os asiáticos, sempre discretos, utilizam pouco os instrumentos tecnológicos. Podemos dizer que as exposições do sistema brasileiro não devem nada a país algum, são vibrantes e recheadas com senso de humor.

Um painel foi dedicado exclusivamente ao Tribunal Penal Internacional que, apesar de todas as dificuldades, vem atuando na persecução penal daqueles que praticaram genocídio. Em sua fala o presidente da Corte, ministro Sanh-Hyun Song, ressaltou que a jurisdição da Corte é complementar, só age na omissão dos Estados, e que deles necessita para dar efetividade às suas decisões.

Em outras palestras surgem situações novas, a mostrar quão diversas são a soluções. A ministra Diana Bryant, presidente da Corte de Família da Austrália, que naquele país pertence à Justiça Federal, relatou o projeto “one pager”, através do qual todos os dados relacionados com orçamento e gastos são colocados em uma só página web, de modo a facilitar ao cidadão a visualização objetiva. Naquele país os juízes federais são indicados pelo Governador-Geral (Presidente) e aprovados pelo Senado, enquanto o método de escolha dos estaduais é assunto privativo de cada estado.

Os julgamentos pelo Júri, para nós algo pouco estimulante, acham-se em franca evolução em países do leste europeu, como forma de participação popular na Justiça. Konstantine Kublashvili, da Suprema Corte da Geórgia, narrou que naquele país agora vige o processo penal acusatório, o juiz só preside e decide, ficando as provas a cargo das partes. Contou, ainda, que ao tempo do domínio da União Soviética era comum vir ordens dos detentores do poder para que se julgasse desta ou daquela forma. Siniza Vazic, da Corte de Apelação da Sérvia, noticiou que naquele país crimes apenados até 5 anos são julgados por juízes profissionais e os que ultrapassam 5 anos são decididos por Tribunais mistos, juízes e leigos.

Paulo Lotulung, vice-procurador geral da Indonésia, narrou que a Suprema Corte teve uma fase crítica, acumulando 20 mil processos (quase nada, se comparado ás estatísticas brasileiras), mas que um plano de ação reduziu drasticamente aquele acervo, inclusive apontando-se com quem e desde quando estava cada processo.

Richard Foster, oficial-chefe da Corte de Família da Austrália, contou que até 1990 a Justiça era muito conservadora e depois passou por um processo de modernização, que inclui a valorização dos servidores e a criação de um Conselho misto que discute e propõe medidas de eficiência da Justiça.

Sheryl Loesch, executiva da Corte Federal em Orlando, Flórida, EUA, relatou vários programas de aproximação com a sociedade, inclusive uma visita que estudantes fazem ao foro, onde aprendem sobre a Justiça Federal. Esta boa iniciativa foi feita, há alguns anos, pelo juiz Roberto Bacellar junto ao Tribunal de Justiça do Paraná.

Sakaru Laukkanen, professor e juiz da Corte de Apelação de Rovaniemi, Finlândia, narrou excelente programa de aperfeiçoamento feito no norte do país, com a participação de servidores, advogados e mediadores, dele resultando 9 livros sobre práticas de sucesso. Além disto, lembrou a necessidade de manter-se um bom ambiente de trabalho com os servidores.

A importância do papel da Universidade lembrada pela professora Daniela Piana, da Universidade de Bolonha, Itália, a existência da matéria na Universidade de Utrecht (Holanda), onde é ministrada pelo professor Philip Langbroek, informações sobre a Justiça do Azerbaijão e Ucrânia, até a forma de recrutamento de ministros da Corte de Cassação dos Emirados Árabes Unidos, feita por contrato de tempo determinado entre pessoas respeitadas e experientes de países vizinhos, foi lembrada, tudo a mostrar que muitas e diversas são as tentativas de aperfeiçoamento ao redor do mundo.

Entre avanços e retrocessos, segue o Judiciário nos mais diversos países e culturas, firmando-se como Poder de Estado. E a IACA, fortalecida com mais este Congresso, cumpre seu papel derrubando fronteiras e mantendo o foco exclusivamente na administração da Justiça, abstraindo adversidades políticas, econômicas ou religiosas.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.

Revista Consultor Jurídico, 17 de junho de 2012

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Bem de família vai à penhora caso devedor venda seus bens

Princípio da boa-fé

Desfazer-se de patrimônio por conta de dívida é ofensa ao princípio da boa-fé, e nesse caso a impenhorabilidade do imóvel ocupado pela família do devedor pode ser afastada. A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça adotou essa posição em recurso movido por sócio de uma construtora contra o julgamento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). A Turma, de forma unânime, negou o recurso do sócio.

O recurso refere-se à ação de execução ajuizada em 1995 por consumidor que entrou num plano de aquisição de imóvel ainda na planta, a ser construído pela empresa. Porém, mesmo após o pagamento de grande parte do valor do apartamento, as obras não foram iniciadas. Verificou-se que a construtora havia alienado seu patrimônio e não teria como cumprir o contrato. Em 2011, foi pedida a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, de modo que a obrigação pudesse ser cumprida com o patrimônio pessoal dos sócios.

Após a desconsideração, o imóvel residencial de um dos sócios foi penhorado. Essa penhora foi impugnada pelo empresário sob o argumento que se trata de bem de família, único que teria para residir. Entretanto, o TJ-RJ considerou que houve esvaziamento patrimonial, ou seja, que o sócio de desfez de seu patrimônio com a intenção de evitar a quitação do débito. Também considerou que o sócio não conseguiu afastar a presunção de fraude à execução.

Houve então o recurso ao STJ, com a alegação de ofensa ao artigo 3º da Lei 8.009/90, que estabelece ser impenhorável o bem de família. Segundo a defesa, o artigo estende a impenhorabilidade contra débitos trabalhistas, fiscais e de execução civil. Também invocou o artigo 593 do Código de Processo Civil (CPC), que define a alienação ou oneração de bens como fraude de execução se há ação pendente sobre eles.

Todavia, a relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, afirmou que nenhuma norma do sistema jurídico pode ser entendida apartada do princípio da boa-fé. "Permitir que uma clara fraude seja perpetrada sob a sombra de uma disposição legal protetiva implica, ao mesmo tempo, promover injustiça na situação concreta e enfraquecer, de maneira global, o sistema de especial proteção objetivado pelo legislador", afirmou. Ela destacou que o consumidor tentou comprar sua moradia de boa-fé e, mais de 15 anos depois, ainda não havia recuperado o valor investido.

Nancy Andrighi também observou que, segundo os autos, o consumidor estaria inadimplente e correndo risco de perder o imóvel em que reside com sua família. "Há, portanto o interesse de duas famílias em conflito, não sendo razoável que se proteja a do devedor que vem obrando contra o direito, de má-fé", asseverou. Para a ministra, quando o sócio da construtora alienou seus bens, exceto o imóvel em que residia, durante o curso do processo, houve não só fraude à execução mas também à Lei 8.009/90. Na visão da ministra, houve abuso do direito, que deve ser reprimido.

Por fim, ela refutou o argumento de que as alienações ocorreram antes do decreto de desconsideração da personalidade jurídica e, portanto, seriam legais. A ministra apontou que, desde o processo de conhecimento, a desconsideração já fora deferida e o patrimônio pessoal do sócio já estava vinculado à satisfação do crédito do consumidor. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

REsp 1.299.580

Revista Consultor Jurídico, 12 de junho de 2012

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Ineficácia de pacto antenupcial celebrado pouco antes do casamento

Porto Alegre, 08.06.12 - Criação de Marco Antonio Birnfeld - Tel. (51) 32323232 - 123@espacovital.com.br

(08.06.12)
"Nos anos 70 muitas mulheres ainda tinham a visão de que o casamento era para sempre. E certamente a mulher não imaginou que a assinatura do pacto tivesse repercussão futura, até porque, na ocasião, sequer havia divórcio no Brasil".

(Trecho da sentença).

Sentença proferida na 3ª Vara de Família e Sucessões de Porto Alegre declarou a ineficácia de pacto nupcial de separação total de bens, assinado poucos dias antes do matrimônio celebrado em 1976 - época em que o regime da comunhão total era o habitual.

O julgado foi proferido em ação ajuizada por um homem (W.) contra a ex-cônjuge (J.), alegando que "os dois filhos já alcançaram a maioridade e inexistem bens a partilhar, pois o regime adotado pelo casal era o de separação patrimonial absoluta".

A mulher contestou e também apresentou reconvenção, alegando que "o regime vigente à época do casamento (1976) era o regime da comunhão universal, porém, às vésperas do casamento, W. impôs como condição que o regime fosse o da separação absoluta de bens, mediante pacto antenupcial".

A defesa da mulher alegou ainda que, "por ocasião da assinatura do pacto, o casal não possuía bens, e portanto, não vislumbrava qualquer prejuízo quanto a assinatura do mesmo".

A instrução processual revelou que durante as três décadas em que permaneceram casados, W. foi se tornando um empresário de sucesso no ramo da construção civil e hoje é detentor de um império imobiliário. A mulher seguiu sendo professora e só após os 50 anos de idade ingressou em curso superior, para formar-se em Psicologia.

A mulher pretendeu "a participação nos aquestos sob pena de enriquecimento ilícito do varão, vez que se dedicou durante todos estes anos aos cuidados da família, e que com o seu trabalho fora de casa, como psicóloga, também cooperou para a formação do patrimônio".

Um detalhe familiar: a irmã do empresário prestou em Juízo um depoimento fundamental em favor da (ex) cunhada. Disse que "J. ajudou a construir o patrimônio que W. possui hoje; ela sempre foi uma mulher econômica, extremosa, primorosa no tratamento dos filhos e do marido".

Foi realizado acordo em audiência quanto ao divórcio, prosseguindo a reconvenção no tocante à partilha, girando a discussão em torno da eficácia e abrangência do pacto antenupcial.

O Ministério Público opinou pelo afastamento dos efeitos do pacto antenupcial, passando a vigorar o regime legal a época do casamento e partilha dos bens.

A juíza Jucelana Lurdes Pereira dos Santos salientou na sentença que “a situação mudou tanto, que hoje, além do divórcio, já é possível a alteração do regime do casamento, o qual até a reforma do Código Civil (2003), era imutável". O julgado destaca que "mudaram os costumes sociais e as leis”.

A sentença - que está sujeita a recurso de apelação a ser julgado pela 7ª Câmara Cível do TJRS - declarou ineficaz o pacto antenupcial devendo serem partilhados todos os bens adquiridos na constância do casamento: 50% para cada um.

A advogada Silvia Mac Donald Reis atua em nome da mulher. Os autos estão com vista ao Ministério Público em segundo grau para parecer.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Conhecimento fast food, Homer Simpson e o Direito

Caricatura Lenio Streck [Spacca]Dia desses, andando por entre as arborizadas alamedas da Unisinos, conversávamos Leonel Rocha, Vicente Barreto e eu sobre a crescente ascensão da fragmentação do saber, convertido cada vez mais em pedaços de conhecimento. E Vicente recitava, magnificamente, T. S. Eliot: “Onde está a sabedoria que se perdeu no saber; onde está o saber que se perdeu na informação?”. Com efeito. Tem razão. E o Direito parece ser o lócus privilegiado desse “mundo que não muda”, dessa cultura prét-à-porter à “disposição” como “secos, molhados e miudezas em geral” (os mais jovens não se lembram dos antigos armazéns). É neste ponto que o Direito é invadido pela liquidez da pós-modernidade (com todos os problemas que esse conceito acarreta). E um dos instrumentos que liquidificam o Direito é a internet. É inegável que a internet alterou as nossas vidas. Poucos, muito poucos, conseguem viver sem ela. Mas ela nos fornece apenas porções de sentido. Migalhas. Não mais do que isto.

Vivemos em um tempo em que, cada vez mais, somos movidos por “conceitos sem coisas”. Frases (enunciados) sem contexto. E tentativas de esmagar o mundo e colocá-lo “dentro dos conceitos”... O Google é um bom exemplo desta novilíngua, desse “mundo-que-parece-querer-(sobre)viver-sem-contextos”. Se você colocar no Google “Cataratas do Iguaçu”, ele vai ter dar “n” informações do tipo: “opero cataratas em clínicas de olhos em Foz do Iguaçu”; se você quiser saber sobre “testemunhas”, vai aparecer, como resultado, testemunhas de Jeová, testemunhas da nova ressurreição etc... Provavelmente nada do que você queria. Claro que deve haver modos de aprimorar a pesquisa. Mas não é disso que se trata. Quero apenas dizer que nossa vida — e a cotidianidade do Direito — acabam sendo uma sucessão de conceitos sem coisas, onde os contextos importam cada vez menos. O Direito, especialmente, se torna acrônico e atópico.

Wittgenstein sabia disso. Por isso, rompeu com o que escrevera no Tratactus. Abandonou a isomorfia (articulação interna do mundo e a linguagem — relação entre nomes e objetos nomeados). Agora, será o contexto de uso que dará sentido ao enunciado. Nos anos 1980, muito aprendi com a filosofia da linguagem ordinária. E, com isso, nas brechas da institucionalidade, fazíamos teoria crítica. Se, de um lado, Fr. Müller nos mostrava que texto e norma eram (e são) coisas diferentes, nós, linguisticamente, usávamos o contexto de uso. Brincávamos com o exemplo de uma lei que proibia o uso de topless na praia... Na praia de Ipanema, o enunciado tinha um sentido; já na praia do Pinho, onde se praticava o nudismo, o sentido era absolutamente inverso. Com isso, jogávamos os sentidos para a faticidade. Nem quero falar aqui do que representou aquilo que podemos denominar de giro ontológico-linguístico, a partir de Heidegger (filosofia hermenêutica) e Gadamer (hermenêutica filosófica). Essa foi a minha fase posterior, pós-analítica. Mas isso fica para outra ocasião.

Sigo. Dia destes, fui testar o Google, para saber o quanto ele (não) “recepcionou” os giros linguísticos... (sarcasmo!). Procurei saber se a famosa “ponderação” — tão propalada e repetida ad nauseam nos quatro quantos do país — era princípio ou regra (já vi questão de concurso dizendo que era princípio). Coloquei entre aspas “princípio da ponderação” e “regra da ponderação”. Resultado: 37.700 incidências dando a ponderação como princípio e 1.390 como regra. Se o aluno (considerando, de barato, que os professores fiquem fora dessa querela) for preguiçoso e, em vez de ler a fonte (Alexy), for ao Google, vai pagar o maior mico. Ponderação não é princípio. Ponderação é um modo de resolver colisão de princípios. Como tudo em Alexy é aplicado por subsunção, o “produto” final da resolução dessa colisão é uma regra adstrita (regra de direito fundamental), que será aplicada para resolver o caso concreto (e os próximos similares).

Viram como é perigoso o Google? Viram como é perigoso trabalhar com conceitos “sem coisas”? Viram como apostar na maioria nem sempre é que dá resultado? Qualquer néscio pode alimentar o Google. Qualquer imbecil pode colocar coisas na Internet. Dia desses, li uma frase em um banheiro de Buenos Aires que traduz muito bem essa questão das maiorias: coman mierda; mil millones de moscas no pueden estar equivocadas. Captaram? Por isso, não gosto de maiorias. Gosto da Constituição. Gosto da Constituição porque ela é um remédio contra maiorias.[1] E eu sou anterior à Constituição. Fui recepcionado por ela. Sou absolutamente constitucional. Com efeito ex tunc! Sem modulação de efeitos! Não cabe ADIN contra mim.

Informação não é saber. Conceitos sem coisas servem para esconder as “coisas”. Elas “nadificam”. O Google “nadifica” o ser das coisas. “Nadificar”... Do nada, nada fica. A informação “nadifica” e o saber “nadifica” esse nada! Com isso, ele pode ex-surgir. Manifestar-se como fenômeno. Phaenomenon. Por isso, T.S. Eliot estava certo. Parcela considerável dos livros de Direito cada vez mais está preocupada em oferecer informações. Apenas informações. Restos de sentido. E contentam-se com isso. Mas não se atrevem a ofertar o saber. Não arriscam a reflexão. Constrói-se, assim, um mundo de mentira. E ficções. Os que escrevem fingem que ensinam e os que compram fingem que aprendem. Resultado: isso que está aí. Hoje já estão vendendo informação em coletâneas plastificadas, que somente são úteis para quem as quiser ler durante o banho. Ou seja, não bastassem os compêndios que pretendem, já no título, simplificar e facilitar a compreensão (sic) do Direito, agora há “socorros” jurídicos plastificados. Há para todos os (des)gostos. Permito-me descrever apenas parte do conteúdo de um deles (sobre Hermenêutica), no qual nos é dito que a filosofia reinante no liberalismo, apresentado como “vigorante no século XVII” (sic), era o “absolutismo de Schleiermacher”... (sic). Mais: o utente é alertado para o fato de que “o STF retira a eficácia da norma (controle difuso) e remete ao Senado para que este retire a validade da lei”... (sic). Uau! E, digo eu: trata-se, efetivamente, de uma importante “dica” acerca da diferença entre vigência, validade e eficácia, contanto que o “consumidor” não a siga, para que não responda de forma equivocada eventual questão em concurso público...! De todo modo, há uma esperança: na parte em que o resumo trata das antinomias no Código Civil de 2002, os autores assinalam que, se alguma norma civil confrontar com a Constituição, “por certo prevalecerá o texto constitucional”. Mas por que a alocução “por certo”? Deixemos assim. Poderia ser pior...!

Esse imaginário do conhecimento fast food avança dia a dia. Wall Mart. Já li coisas em alguns livros usados na graduação que parecem ter sido escritos pelo Homer Simpson. Há um processo de “periguetização” em marcha. Parece que há uma disputa para ver quem vende mais facilidades aos incautos alunos — na maioria, pretendentes a uma carreira do Estado. Seria interessante fazermos um ranking para saber quem escreve de forma mais simplificada e mais néscia. Quem diria coisas mais óbvias? Tenho alguns indicativos, como “coisa alheia no furto é aquela que não pertence à pessoa”; “agressão atual é aquela que está acontecendo”; “os crimes comuns são os descritos no Direito Penal comum; especiais, os descritos no Direito Penal especial”; “crimes instantâneos são os que se completam num só momento”; “chave falsa é um instrumento para abrir fechaduras”; “causa superveniente é aquela que ocorre após”; “a preguiça e o desleixo excluem o dolo do crime de prevaricação”, e assim por diante.

E, cada vez mais, o Direito vem imitando a linguagem da TV. Dias desses, vi um programa de esportes na TV. Tratava de um time de futebol do interior. O repórter, como qualquer do seu meio, parece não saber apresentar a notícia sem fazer “metáfora”, alguma “gracinha” ou usar linguagem em duplo sentido. Muito engraçado. Não aguento. Atiro-me ao chão. Farfalho. Eles são pândegos. Galhofeiros (estou sendo sarcástico, é claro). Então o repórter queria dizer que o time X disputaria o campeonato a galope. E o que ele mostrou? O técnico do time montado... em um cavalo. E um galope. Uau. Que metáfora... Mas, pergunto: se é metáfora, por que, para mostrá-la, é necessário ser isomórfico, isto é, “colar” palavras e coisas? Explicando melhor: uma metáfora serve para explicar coisas que as pessoas poderiam não entender... Pensem na Bíblia, rica em metáforas, metonímias... Agora, se para “metaforizar” é preciso “mostrar” a “própria” metáfora, ou seja, “demonstrá-la”, já não se está mais em face de uma metáfora. Imaginem o repórter contando a Bíblia: “então Jesus contou a parábola do filho pródigo...” E a imagem mostra um filho, andrajoso, voltando para os braços do pai... Imagem é tudo. Por isso, aos poucos, os professores parecem que já não sabem dar aulas sem o “pauerpoint”... É um sintoma disso. Tem que mostrar letrinha, figurinhas... E leem para os alunos o que está na pantalla. Na aula de Direito Constitucional, quando falam em poder constituinte, tem que mostrar a foto do parlamento. Claro. Os alunos pode(ria)m pensar que poder constituinte pode(ria) estar ligado a um estádio de futebol... Afinal, Romário não é deputado?
Incrivelmente, a TV criou um “método” pelo qual o telespectador é tomado por débil mental (qualquer semelhança com o ensino jurídico e os concursos públicos e suas infames “pegadinhas” não é mera coincidência). Por isso, como diz Galeano, pobres, verdadeiramente pobres, são os que não têm liberdade senão para escolher entre um e outro canal de TV. E eu acrescento: pobres dos juristas, especialmente os estudantes, que não têm liberdade senão a de escolher entre um manual e outro... Nesse imaginário, as pessoas não pensam. Tem-se que “pensar por elas”. Por isso, a “ideia” deve vir “pronta”. Para falar da enchente, o repórter tem que ficar com água pelo pescoço. O trigo está subindo de preço... Onde está o repórter? No meio de um trigal, é claro! (Trigo igual a trigal... isomorfia... colando o “relé”, como se diz na minha terra!). No Direito, o aluno não tem que saber a história do Estado Moderno, a descontinuidade entre a Forma Estatal Medieval e o Absolutismo... Não. Basta ele saber um drops, que cabe em uma mensagem de twitter. Por isso, ao invés de ler Schleiermacher, o aluno lê a publicação plastificada e aprende... nada (e erra até o século em que o Friedrich S. viveu). Por que ler a Teoria Pura do Direito se é possível ler o resumo dela em sete linhas que um determinado manual faz? Por que estudar a fundo o que seja um princípio se o mais fácil é repetir o mantra “princípios são valores”... E, depois, mais fácil ainda é sair repetindo “princípios” como o da felicidade, da afetividade, da eventual ausência do plenário, da rotatividade... Claro: em um país em que “judicializaram o amor”, o que mais é preciso fazer?

Imagem é tudo. Um conjunto de informações encobre a necessidade do saber... Pergunto: ainda há saída? O pior é que nem podemos dizer que alguns autores de plastificações, compêndios simplificadores e membros de bancas de concursos-que-gostam-de-fazer-pegadinhas deveriam voltar a estudar. Pode ser crime (lembremos o caso do júri Lindemberg em SP; minha dúvida é se caberia exceção da verdade...). PS: foi uma ironia!

Quando lemos alguns livros que querem trazer informações para os estudantes, vemos coisas incríveis, como que a repetir os positivismos do século XIX. Alguns “ensinam” o método de Savigny, sem qualquer contexto. E falam sobre Savigny como se fossem íntimos. Sobre a Escola Histórica falam como se esta fosse um conceito sem coisa... Chegam a reificar o conceito. Até mesmo na Suprema Corte ainda é possível ler frases que bem poderiam estar na boca dos exegetas franceses ou dos pandectistas alemães. Como se palavras e coisas fossem coisas “coladas”. E como se a lei “carregasse” o Direito (mas não esqueçamos do lado B disso tudo...: Angelo I e Angelo II, dos quais tratei em um texto anterior desta coluna, no É possível fazer direito sem interpretar?).

Ora, o que nos coloca no mundo é a metáfora. Entre o significante e o significado se faz uma barra (que pode ser chamada de metáfora). Lembremos, aqui, de Saussure e Lacan — para dizer o mínimo, sem sofisticar a questão. Se eu digo que tenho uma bomba, você não precisa se atirar no chão. Bomba não é “bomba” (“em si”). Trago comigo apenas uma notícia bombástica, como, por exemplo, que um determinado livro de informação de baixa densidade gnosiológica já vendeu mais de 300.000 exemplares... Não é uma “bomba”? Dá para perceber? As palavras não “carregam” a essência das coisas. No Nilo não está a água do rio Nilo. (Fosse na TV, o repórter, ao dizer essa frase, estaria mostrando... o rio Nilo; fosse na Globo, lá estaria Zeca Camargo em um barco, para mostrar a água do Nilo).

Não reflita; não pense; alguém “pensa por você”. Não estude. Não leia nada que tenha mais de 140 caracteres. Não leia parágrafos longos. Seja relativista. Diga que “cada um pode ter a sua opinião sobre qualquer coisa”. Sustente que “gosto não se discute”. E que nada é verdadeiro (inclusive a sua frase!). Você pode “provar” que Michel Teló é tão bom quanto Chico Buarque... E, fundamentalmente, afaste-se de livros complicados. Descomplique a vida, o pá! Não queira saber o que Dworkin fala sobre os princípios... Isso pode ser explicado em cinco linhas... Precisa para o quê e para quê, se depois que você se tornar uma autoridade, você é que “fará as leis”? Se você é juiz, despache como quiser; o idiota do advogado que encontre o modo de opor embargos; depois, despache dizendo “nada há a esclarecer”... Ele que entre com um agravo, que, obviamente, será transformado em “retido” (e, às vezes, nem isso!)... Falta um centavo no preparo? Livre-se do recurso! Negue-o! E todos cumprirão a meta do CNJ. Efetividades quantitativas. Eis o mote. Eis a pós-modernidade. Eis a imagem da Justiça. E imagem é tudo.

Retorno. Desde os sofistas que sabemos que palavras e coisas não estão “coladas”. Na palavra “rosa” não está o perfume da flor. A palavra estupro não “carrega” a essência de “estuprez”. Antígona entendeu bem isso. Seu direito não cabia na lei de Creonte! Infelizmente, o Direito (ensino e prática cotidiana), assim como a Televisão, ingressam perigosamente nessa “isomorfização”. A TV Globo tentou ensinar filosofia no Fantástico. E a dublê de repórter-filósofa, para ensinar o Mito da Caverna, teve que entrar... onde? Em uma caverna, é claro. É demais. Imagem é tudo. Depois ela subiu em um caminhão em movimento, para ensinar... o quê? O movimento da tese heraclitiana. Fico pensando como a filósofa mostraria a Navalha de Ockhan... Ela, com uma navalha, fazendo a barba de alguém? Que tal? E como seria a “imagem” (sic) do Cogito? Um ator interpretando Descartes, tomando cerveja em Ulm, na Alemanha? Ou ainda: de que modo seria uma reportagem sobre o bunga-bunga do Berlusconi? Vou estocar comida. E palavras. Podem vir a faltar, no futuro.

Estamos condenados a interpretar. Quando a TV insiste em “colar” palavra e coisas (imagens e palavras das quais a imagem fala), está negando a inexorabilidade da interpretação. E o Direito não é diferente. Não há uma imanência entre palavras e coisas. Sempre estamos procurando fazer pontes para saltar por sobre essa cesura. Nessa intensa procura, há algo que é inacessível e isto parece incontornável (aqui parafraseio Heidegger). Ou algo que é incontornável e que, por isto, inacessível. Conteudística ou procedimentalmente, é essa incerteza que, consciente ou inconscientemente, move-nos em direção a essa longa travessia. E essa travessia somente é possível na e pela linguagem. Afinal, como bem disse Heidegger, Die Sprache ist das Haus des Seins; in das Haus wohnt der Mann” (a linguagem é a casa do ser; nessa casa mora o homem). Não há um objeto do outro lado do abismo gnosiológico que nos “separa” das “coisas”. E tampouco há um sujeito — assujeitante — capaz de fazê-lo.

Por isso — e permito-me sofisticar um pouco a coluna, até para sairmos desse imaginário pequeno gnosiológico que domina as práticas cotidianas e o ensino jurídico —, Stephan Georg é definitivo, ao bradar: “kein Ding sei, wo das Wort gebricht”. Que nenhuma coisa seja onde fracassa a palavra, ele diz. Onde falta a palavra, nenhuma coisa! A coisa é o que tem a necessidade da palavra para ser o que é. E é Hilde Domin que encerra o butim das palavras: “Wort und Ding legen eng aufeinander; die gleiche Körperwärme bei Ding und Wort”. Palavra e coisa jaziam juntas; tinham a mesma temperatura a coisa e a palavra...! Mas, acrescento eu, depois se separaram. Daí o trabalho que temos para des-velar esse mistério que existe desde a aurora da civilização. Talvez fazendo uma caminhada antimetafísica: diferenciando (e não cindindo ou dualizando) texto e norma, palavras e coisas, fato e Direito...

Talvez tenhamos recebido o castigo de Sísifo; rolamos a pedra até o limite do logos apofântico e imediatamente fomos jogados de volta à nossa condição de possibilidade: o logos hermenêutico. Eis o castigo ou a glória: a de estarmos condenados a interpretar! Se um texto legal conseguisse abarcar todas as hipóteses de aplicação, seria uma lei perfeita. No fundo, é como se conseguíssemos fazer um mapa que se configurasse perfeitamente com o globo terrestre. Só que já não seria mais um mapa...! E isso seria apenas informação. Não seria um saber. Seria a “própria coisa”. E se o mundo não precisasse de interpretações, seríamos deuses... E isso não teria graça nenhuma.

Encerro, porque já passei de 140 caracteres... Já na biblioteca, atravessadas duas alamedas, marcamos, Vicente, Leonel e eu, novo encontro para discutir as condições de possibilidade para romper com essa denúncia de T.S. Eliot. É um trabalho árduo. Mas não nos assusta. Nasci no meio do mato. Literalmente. Na Várzea do Agudo, lugarejo no interior do interior, onde o mato carece de fecho, como em Grandes Sertões. Parido de parteira. Como a linguagem surge na falta (Lacan), expedito, fui me adiantando... E estocando palavras. E já saí agarrado nelas, catando letrinhas. Desde cedinho. Sim, o mundo está cheio delas: as palavras. Com elas não me assusto. Se antes catava palavras, hoje elas correm atrás de mim, parecido com o que diz o meu poeta preferido Manoel de Barros. Gostava de brincar com elas, as palavras. Meus pais apostavam que, por ficar palavreando o tempo todo, daria-me bem em lides forenses. Sim, palavra é pá-que-lavra, como brinco nas diversas edições do meu Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Do mesmo modo que Constituição é algo que “constitui-a-ação”. Eu “constituo-a-ação”... Gosto de dizer isto. Por isso acredito tanto nela. E fico palavreando com o mundo. Minha profissão, na verdade, sempre foi a mesma de meus pais, que nunca estudaram. Sua ferramenta era a enxada. E a pá. Com ela lavravam a terra. Com o que me sustentaram. A minha ferramenta é também a pá. Sim, a pá-que-lavra. Palavra. Lavra sulcos para plantar sementes nas imaginações. Sementes de sentido. Pequenas colheitas já me bastam. Saciam-me. De saber. E não de informação! Por aqui se diz “churrasco e bom chimarrão”... McDonald’s, não!

[1] Não se automedique lendo (tomando) placebos... Persistindo os sintomas, leia a Constituição. Este medicamento não é recomendado para casos de estultice.
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 24 de maio de 2012

terça-feira, 15 de maio de 2012

CNJ promove curso para estimular conciliação

O I Curso de Formação de Instrutores em Políticas Públicas em Conciliação e Mediação, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e dirigido a juízes, começou nesta segunda-feira (14/5), na sede do Conselho da Justiça Federal (CJF), em Brasília. O curso, que termina nesta terça-feira (15/5), busca contribuir para a disseminação da cultura da conciliação no Judiciário Brasileiro. Nesta primeira etapa, participam juízes e desembargadores das Justiças Federal e Estadual.

A abertura dos trabalhos foi conduzida pelos juízes André Goma, integrante do Comitê Gestor do Movimento Permanente pela Conciliação do CNJ, e Roberto Bacellar, diretor-presidente da Escola Nacional da Magistratura.

O juiz André Goma destacou que a Política Nacional de Conciliação, criada pela Resolução 125/2010 do CNJ, é uma estratégia de todo o Poder Judiciário. “Estamos aqui hoje como ENFAM (Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados), Secretaria de Reforma do Judiciário, CNJ e Escola Nacional da Magistratura ”, disse o magistrado, citando as entidades engajadas na política de conciliação e na realização do curso.

Na oportunidade, magistrados de todas as regiões do país tiraram dúvidas, expuseram dificuldades e fizeram sugestões. Uma das propostas foi pela inclusão das práticas de conciliação na grade curricular das escolas estaduais da magistratura. Foi sugerida também a participação da Ordem dos Advogados do Brasil na discussão envolvendo a possível adoção da disciplina Conciliação nos cursos de formação de Advogados.

Com informações da Agência CNJ de Notícias

terça-feira, 8 de maio de 2012

Conciliação em Jundiaí deve diminuir 34% dos processos


O 1º Centro Judiciário de Solução de Conflito de Jundiaí, que já está pronto e espera apenas liberação do Tribunal de Justiça de São Paulo para entrar em funcionamento, deve diminuir em 34% o número de processos nas varas da cidade. A expectativa da juíza Valéria Feriolli Lagrasta Luchiari, titular da 2ª Vara de Família e que será coordenadora do Centro Judiciário, é a de que até o final do mês de maio o centro esteja em funcionamento.

Segundo a juíza, a população de Jundiaí já conta com o núcleo de Assistência Judiciária da Faculdade de Direito Padre Anchieta, que intermedia conciliações em conflitos familiares como separação, divórcio, pensão alimentícia e guarda dos filhos. Mas, além de cuidar destas demandas, o novo centro receberá todos os casos de outras áreas que são passíveis de conciliação para desafogar o Judiciário da cidade.

Cobranças de dívidas, despejos de inquilinos e queda de muros estão entre os casos que costumam aparecer em grande quantidade no Judiciário e agora também receberão atendimento pelo Centro de Conciliação. A juíza Valéria Feriolli afirma ainda que "quaisquer ações poderão ir à conciliação e atender a uma determinação do juiz, ou a pedido dos advogados das partes. Ela cabe em qualquer momento de um processo: antes de dar entrada, até depois da sentença", explicou.

A juíza também contou que as mediações feitas atualmente no setor de família geram apenas 2% de execuções. “Ou seja, somente 2% dos acordos homologados não são cumpridos e acabam gerando execução.” No caso processual, o índice de execução chega a 4%.

Para aumentar ainda mais estes índices, os mediadores que fazem trabalho para a Justiça passaram por um curso de capacitação, de novembro a dezembro do ano passado. “O curso foi ministrado pela Escola Superior de Advocacia (ESA) e o objetivo do treinamento é preparar os mediadores para conversar com as pessoas, descobrir que tipo de conflito gerou a ação e tentar encontrar uma solução.”

Os mediadores também passaram por treinamento para identificar um acordo e esclarecer as dúvidas das pessoas, convencendo-as de que um acordo é a melhor opção. “No caso de uma ação, a sentença do juiz determina o que cada parte tem de fazer. Nem sempre os dois lados ficam satisfeitos. No caso dos acordos, é possível que ambas as partes cedam e cheguem a um consenso que seja interessante para eles”, completou Valéria Lagrasta.

Rogério Barbosa é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 8 de maio de 2012

domingo, 29 de abril de 2012

CASAR E EM SEGUIDA DIVORCIAR SERIA MELHOR?!


Um noivo foi condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a pagar indenização à ex-noiva e à família dela por ter desistido do casamento a três dias da cerimônia. A defesa alegou que o rapaz só aceitou o matrimônio por imposição dos pais da noiva, mas o tribunal decidiu que nada leva a crer que o réu não dispunha de capacidade de resistir ao suposto assédio da noiva. O ex-casal morava há nove anos juntos e tem duas filhas.
A 4ª Câmara de Direito Privado do TJ de São Paulo julgou improcedente a apelação do ex-noivo, já condenado em 1ª instância a pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 26.750,00, e por danos morais no valor de R$ 10 mil.
De acordo com o relator do processo, desembargador Carlos Henrique Miguel Trevisan, “o apelante (ex-noivo) causou dano injusto aos autores, sobretudo porque poderia, de forma digna e menos desumana, ter desistido do casamento antes da confecção e da distribuição dos convites e da adoção das providências referentes à realização da festa. Sua conduta leviana e desvinculada de preocupação com os sentimentos alheios, sobretudo da mãe de suas filhas, equipara-se à prática de ato ilícito passível de reparação, de tal modo que bem andou o juiz de primeiro grau ao dar acolhimento aos pedidos condenatórios formulados na peça inaugural”. Com informações da assessoria de imprensa do TJ-SP.
Processo 9001024-95.2010.8.26.0506
Revista Consultor Jurídico, 29 de abril de 2012

sábado, 21 de abril de 2012

A interpretação jurídica da placa "Pare"

Publicado no Espaço Vital em 19.04.2012

Um advogado dirige distraído numa noite de sexta-feira quando passa sem parar, desobedecendo a sinalização. Próximo está uma viatura da polícia de choque. Os agentes se põem atrás e uma quadra depois param o profissional da Advocacia. O diálogo é em pingue-pongue: - Boa noite! Documento do carro e habilitação! - Mas por que, policial? - Não parou no sinal de ´Pare´, ali atrás. - Eu diminui e como não vinha ninguém... - Exato... Documento do carro e habilitação. O advogado matuta e tentar argumentar: - Você sabe qual é a diferença jurídica entre diminuir e parar? - A diferença é que a lei diz que num sinal de ´Pare´, deve-se parar completamente. Documento e habilitação! - Ou não, senhor policial. Eu sou advogado e sei de suas limitações na interpretação de texto de lei. Proponho-lhe o seguinte: se você conseguir me explicar a diferença legal entre diminuir e parar, eu lhe dou os documentos e você pode me multar. Senão, vou embora sem multa. - Positivo, aceito. Pode fazer o favor de sair do veículo, senhor advogado? O advogado desce e então os três integrantes da guarnição baixam o cacete. O advogado grita por socorro, e implora para pararem. E o primeiro policial pergunta: - Quer que a gente pare ou diminua? - Pare, pare, pare!!!... O agente dá a estocada verbal final: - Positivo... Documento e habilitação!

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Conciliar é a única forma de fazer frente ao acervo"

Por Alessandro Cristo

Imagine-se chegando, no primeiro dia, em um novo emprego. Ao tomar pé do serviço que lhe espera, você fica sabendo que tem nada menos que 12 mil casos por resolver, alguns de vida ou morte, e que até o fim do mês outros 500 chegarão. A rotina se repetirá todos os meses do ano e, por causa disso, alguns de seus colegas, na mesma função que a sua, já acumulam estoques de quase 20 mil casos, sendo que, na melhor das hipóteses, esperam apenas dar conta das novas situações que aparecem.

A realidade desoladora é da 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que cuida de processos previdenciários vindos de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Só no ano passado, a seção recebeu quase 100 mil recursos, o que dá mais de 6 mil novos casos para cada um dos 16 desembargadores responsáveis por julgar se o INSS deve ou não pagar o que pede um trabalhador que contribuiu a vida toda ou uma família que não tem como se sustentar. O acervo sem julgamento apurado até agosto chegou a 146 mil casos.

Difícil, mas não impossível. Empossado em 2004 como desembargador pelo quinto constitucional, o advogado Antônio Carlos Cedenho conseguiu reduzir um estoque de 12 mil processos para 7 mil em seis anos. Gestor do próprio escritório e da subseção da OAB de Santo André, com 3,5 mil advogados inscritos, Cedenho levou a expertise para a Justiça. Com método, colaboração e força de vontade, deu certo.

Bem articulado, o desembargador mostrou habilidade ao costurar convênios com o INSS para solucionar processos repetitivos. O sucesso o levou, em 2008, ao comando do recém-criado Gabinete da Conciliação do tribunal, onde ficou até este ano. No último dia 19 de março, passou o bastão para a também experiente conciliadora desembargadora Daldice Santana. No currículo, Cedenho ostenta mais de 30 mil casos solucionados pela negociação amigável, o que tratando-se de órgãos do Poder Executivo em um dos lados da demanda, é um feito histórico.

Com 63 anos, Cedenho julga, desde o ano passado, na 5ª Turma da 1ª Seção do tribunal, que cuida, entre outros casos, de processos criminais. Em 2011, também ocupou o cargo de ouvidor-geral da 3ª Região. Recentemente foi nomeado diretor da Revista do Tribunal. Paulistano, formou-se em Direito pela PUC-SP em 1972 e é mestre em Direito Constitucional pela mesma universidade. Deu aulas de Direito Administrativo e Comercial em duas faculdades, entre 1995 e 1998.

Conselheiro do Corinthians, Cedenho tem na ponta da língua o placar de torcedores da corte. Para sua alegria, os corintianos lideram com 15 desembargadores. Outros seis são palmeirenses, três são são-paulinos e dois são santistas. A corte ainda tem, segundo suas contas, um flamenguista — Cotrim Guimarães, e um colorado — Nelton dos Santos.

O desembargador concedeu entrevista à ConJur para o Anuário da Justiça Federal 2012, lançado neste mês.

Leia trechos da entrevista.

ConJur — Assim que entrou no tribunal, o senhor já começou julgando na seção mais sobrecarregada da corte, que cuida de casos previdenciários. Como trabalhar com tamanho estoque?
Antônio Cedenho — Tomei posse em 15 de julho de 2004 e assumi o gabinete que pertencia ao desembargador Newton De Lucca [atual presidente do TRF-3], com aproximadamente 12 mil processos. Esse gabinete ficou sob minha responsabilidade até o início de fevereiro de 2011, quando então troquei a 3ª Seção pela 1ª. Ao deixar o antigo gabinete, o número de processos era de aproximadamente 7 mil, ou seja, houve uma redução bastante grande. Na época em que deixei o gabinete, três gabinetes na seção tinham cerca de 18 mil processos.

ConJur — Qual o segredo?
Antônio Cedenho — O trabalho foi bem intenso, houve colaboração de todas as áreas do gabinete para que nós alcançássemos essa diminuição. Desde que assumi, só não vencemos a distribuição em um ou dois meses, porque são meses em que normalmente está todo mundo de férias, como dezembro e janeiro. Para a minha felicidade, o mesmo está acontecendo no atual gabinete. Quando cheguei, no fim de janeiro [de 2011], havia 8.221 processos. Em poucos meses [até setembro] já reduzimos para 6.831. O viés é sempre de queda.

ConJur — É uma questão de gestão?
Antônio Cedenho — A gente ouve falar muito em gestão, mas não temos uma formação acadêmica para poder tratar desse assunto como se fosse realmente uma gestão administrativa. Vai um pouco de intuição também, um pouco de experiência em relação ao outro gabinete, o previdenciário. Aqui, temos um acervo bastante grande de processos de crimes e, na área cível, a matéria-prima mais frequente aqui é Sistema Financeiro de Habitação. Então, a ideia é concentrar esforços em um determinado tema, durante um tempo, até praticamente zerar os processos relacionados, para só depois pegar outro tema. Agora, o número de processos sobre SFH já é relativamente pequeno. O próximo alvo são casos sobre Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

ConJur — Como divide as tarefas dentro do gabinete?
Antônio Cedenho — Adotamos uma rotina. Há funcionários que preparam voto só dentro de um determinado tema. Tem gente que só cuida de agravos, porque o número de agravos também é bastante grande. Outros pegam só mandados de segurança. Alguns só cuidam da parte criminal, em que o cuidado que se tem é evitar a prescrição. Fazemos um pente fino nos processos que chegam ao gabinete para saber quais são os principais atos processuais, e em quais há contagem de prazo prescricional. Além disso, hoje em dia o gabinete também se volta para a questão da estatística, o que envolve um controle administrativo para fornecer dados ao CNJ. Finalmente, há também a elaboração das pautas de julgamento, o que toma um tempo que poderia ser usado para a solução de processos. Temos julgamento de Turma todas as segundas-feiras. Na primeira e na última semanas de cada mês temos julgamento na Seção. Recebemos processos para a sessão de segunda-feira até a quinta-feira, para dar tempo de conhecer a pauta proposta pelos colegas. Ás vezes, a pauta só se completa na sexta-feira, que acaba me tomando até o fim de semana, porque tenho de olhar toda a pauta para poder votar com consciência, com tranquilidade, sabendo exatamente o que vai acontecer, principalmente nos casos criminais. As sessões de julgamento têm muitas sustentações orais nos casos criminais, por isso são demoradas. Começamos às 14h e vamos até as 19h ou 20h.

ConJur — Ter chegado ao tribunal pelo quinto constitucional é uma das razões do traquejo administrativo?
Antônio Cedenho — É. Porque o advogado tem que administrar seu escritório. Não é uma critica, é uma constatação. O fato de você ter sido juiz de carreira e, na primeira instância, ter sido muito soberano com relação a tudo e a todos cria, às vezes, uma dificuldade de trabalhar em colegiado, de aceitar críticas que não são pessoais, são divergências. Isso não significa dizer que não tenhamos aqui desembargadores que são de carreira que já têm outro comportamento. O fato de eu ter trabalhado institucionalmente na OAB também ajudou. Minha subseção, por exemplo, é uma das maiores do estado. Na época, tinha mais de 3,5 mil advogados. É uma classe difícil. Para ser presidente, é preciso passar por uma eleição, não se é indicado.

ConJur — Sua atuação à frente do Gabinete da Conciliação foi elogiada. Como começou esse trabalho?
Antônio Cedenho — Durante minha trajetória do gabinete previdenciário, comecei um trabalho junto ao CNJ em uma comissão de conciliação especificamente destinada à parte previdenciária, em 2007, na época em que o ex-ministro da Previdência Social era Luiz Marinho, hoje prefeito de São Bernardo do Campo (SP), com quem eu tinha uma amizade devido à atuação da OAB. Isso fez com que conseguíssemos fazer um convênio com o INSS. Em janeiro de 2088, já na gestão da desembargadora Marli Ferreira na presidência do tribunal, foi criado o Gabinete da Conciliação, e ela me chamou para coordená-lo. Como já havia um trabalho de conciliação desde o tempo da desembargadora Ana Maria Pimentel, em 2004, em relação ao Sistema Financeiro de Habitação, paralelamente desenvolvemos um trabalho em relação à Previdência Social. Na montagem do gabinete, passamos a trabalhar com esses dois temas. Hoje, já passaram pelo Gabinete da Conciliação aproximadamente 60 mil processos, dos quais conseguimos conciliar aproximadamente 29 mil. Na área previdenciária, foram mais de 20 mil conciliações.

ConJur — Como funciona o Gabinete da Conciliação?
Antônio Cedenho — No caso do Sistema Financeiro de Habitação, que traz processos em que as pessoas financiam imóveis, mas acabam não conseguindo pagar, as conciliações são feitas tanto em relação aos processos da primeira quanto da segunda instâncias. Temos um calendário anual, marcamos semanas de conciliação, não só na capital, mas também em algumas subseções da nossa jurisdição. São marcadas as audiências. No Fórum Pedro Lessa, por exemplo, temos cerca de 12 mesas de conciliação. São convocados juízes e os processos são selecionados pela Caixa Econômica Federal e pela Emgea, que é uma empresa que cuida do passivo desses processos, de tudo o que foi considerado perdido pela Caixa. Ela tenta, então, fazer conciliação e recuperar parte desse passivo. As partes são intimadas a comparecer e então fazemos a conciliação. Em relação aos casos previdenciários, firmamos um convênio com o Ministério da Previdência Social e o INSS. Temos um número de funcionários dentro do Gabinete da Conciliação, que no inicio eram 12 e mais quatro procuradores. Os gabinetes da 3ª Seção do tribunal mandavam de cem a duzentos processos por ano para a conciliação. Lá, só trabalhamos com processos que versem sobre aposentadoria por idade do trabalhador rural.

ConJur — Por que esse tema em especial?
Antônio Cedenho — Porque o número de processos sobre isso é muito grande no tribunal, e são processos que para o próprio INSS é mais fácil analisar. No SFH, por exemplo, a negociação leva em conta caso a caso. Já no previdenciário, o INSS concorda em pagar 80% dos valores atrasados e implantar os benefícios imediatamente. Os valores são corrigidos, inclusive os honorários advocatícios, que também são pagos em 80%. Essa era uma atividade que a 1ª Região já vinha praticando por força do nosso trabalho lá, de uma comissão que existia no CNJ, com pessoas da Justiça Federal, do INSS e da própria Advocacia-Geral da União. Isso foi formatado lá, e aqui fizemos uma grande adaptação: uma vez analisado o processo, feitos os cálculos, uma correspondência é enviada ao advogado da parte, com envelope timbrado do tribunal, com cópia do convênio e um ofício assinado por mim, falando da assinatura do convênio entre o tribunal e o INSS. Segue também uma planilha de cálculo dos valores corrigidos, além de uma petição, que nós chamamos de petição-proposta, já dirigida ao Gabinete da Conciliação e assinada pelo procurador do INSS, com campo próprio para a parte e para o advogado assinarem. A petição já pode ser enviada no próprio envelope-resposta, segundo convênio que fizemos com os Correios. Chegando ao gabinete, eu homologo a proposta por assinatura digital e isso já entra no sistema. O INSS, via DataPrev, comunica às agências e o benefício é implantado. Como esses valores estão aquém do valor do precatório, são pagos através do sistema de Requisição de Pequeno Valor, e o processo volta ao juízo de origem. Em 30 ou 40 dias, no máximo, esses 80% são pagos na origem.

ConJur — Por que há mais casos previdenciários que de SFH?
Antônio Cedenho — Porque no SFH as questões são um pouco mais difíceis. Além disso, o acervo tanto do tribunal quanto da primeira instância também não é relevante. O CNJ inclusive está em um movimento de tentar liquidar esses casos no Brasil inteiro. A informação que a Emgea passou em uma reunião em que estivemos em Brasília com a ministra Eliana Calmon, que está coordenando está atividade, é de que existem 20 mil processos em todo o país, sendo que desses 20 mil, nós teríamos na 3ª Região cerca de 5,4 mil.

ConJur — Qual o mérito do CNJ nisso?
Antônio Cedenho — A Resolução 125 do CNJ cria as centrais de conciliação e institucionaliza a conciliação em todo o Judiciário nacional. Hoje, obrigatoriamente, tem que ser criado um programa de conciliação em todos os tribunais. Na 3ª Região, já iniciamos o cumprimento dessa resolução com a instalação da Central de Conciliação na Praça da República, que corresponde à subseção judiciária da Capital de São Paulo. Lá, começamos a tratar de processos de conselhos de classe. Fizemos um levantamento que mostrou que temos, na primeira instância, só no estado de São Paulo, cerca de 130 mil processos de conselhos de classe. Isso nós só vamos conseguir vencer por intermédio da conciliação, não tem outro meio. Também estamos tentando levar para a conciliação as ações que envolvem a carteira comercial da Caixa Econômica, processos sobre cheque especial, empréstimos e cartão de crédito. Os acordos já têm sido excelentes. Em um mutirão que fizemos recentemente, 80% dos casos foram resolvidos por conciliação. Outra questão problemática é o Financiamento Estudantil, que tem um número muito grande de processos. Fizemos algumas experiências em audiências, mas não deram resultado, porque o governo não dava nenhuma abertura, queria receber tudo. Agora, já me parece que há outra orientação do governo. Assim que tivermos definida essa situação, vamos começar a trabalhar também com o FIES.

ConJur — Os demais desembargadores compraram a ideia?
Antônio Cedenho — Hoje, os processos não são mais solicitados aos gabinetes. Antes, solicitávamos o processo aos desembargadores, e às vezes eles ficavam um pouco bravos porque tinham que separar os casos e mandar para o gabinete da conciliação, mas aqueles que não eram conciliados tinham que voltar, e isso implicava colocar tudo de volta outra vez. Hoje, conseguimos na gestão do desembargador Roberto Haddad na presidência, que ele baixasse um ato direcionando a distribuição desses processos diretamente ao gabinete da conciliação. O que não é conciliável aí sim volta para os seus relatores de origem.

ConJur — Tratar via conciliação cobranças de conselhos de classe envolve romper a barreira de negociar em execuções fiscais. Isso é possível?
Antônio Cedenho — É a única forma de fazer frente ao acervo que se tem. Segundo a AGU, as agências reguladoras têm mais de 2 milhões de autuações lavradas, que eventualmente podem se transformar em processos. Continuamos insistindo com o governo para que se crie uma situação em que seja possível cuidar das execuções fiscais. No caso do INSS, por exemplo, eles têm autorização da AGU, por isso nós estamos otimistas em relação à questão das execuções fiscais.

ConJur — Como as centrais de conciliação atacarão as execuções?
Antônio Cedenho — Uma das características dos conselhos de classe é ter um corpo reduzido de advogados para atender aos profissionais. Sempre se queixavam de ter de ir a Araçatuba (SP), por exemplo, para resolver dois ou três processos, e no dia seguinte teriam de estar em Santos, para resolver também poucos casos. Porque é o juiz quem marca a audiência. Com a criação das centrais de conciliação, queremos estabelecer um rodízio. Enquanto o Conselho Regional de Medicina está em Ribeirão Preto (SP), o de Farmácia está em Franca (SP). E vão rodando. Mas é necessário ter estrutura. É preciso um juiz específico para a conciliação, com um corpo funcional também específico. Quando o Conselho Nacional de Justiça baixou a resolução, não deu o suporte material necessário. Outra meta é trabalhar naquilo que nós chamamos de pré-processual, ou seja, evitar que os processos sejam distribuídos. Os conselhos de classe, por exemplo, para fugir da Lei de Responsabilidade Fiscal — porque são subordinados aos tribunais de contas — e não perderem prazos de prescrição, ajuízam 15 mil processos de uma só vez. Nossa ideia é fazer com que esses processos sejam distribuídos, para que as dívidas não prescrevam, mas em seguida já colocar no programa de conciliação. Começamos também um curso, em parceria com da Escola da Magistratura da 3ª Região, para formação de conciliadores.

ConJur — Com centrais de conciliação em diversos municípios, elas terão de seguir o roteiro determinado pelo tribunal?
Antônio Cedenho — A ideia é que elas tenham vida própria, porque a resolução do CNJ diz que tem que ser assim. Cada central de conciliação tem suas peculiaridades. Organizar um programa de conciliação sobre assuntos previdenciários em um determinado lugar não é interessante, porque não há processos suficientes, mas em outros lugares sim. Por isso, elas vão poder desenvolver seus próprios programas. É claro que há temas que fazem parte do programa do gabinete, como esse sobre SFH, e as metas deverão ser cumpridas.

ConJur — Há juízes suficientes para servir exclusivamente nas centrais?
Antônio Cedenho — A portaria fala em um juiz titular e um auxiliar, com funcionários próprios. Em São Paulo, estamos tentando a todo custo. Quando não tem conciliação, esses funcionários cuidam da parte administrativa da central, que seriam as intimações. No dia da conciliação, eles vão para as mesas de atendimento. Pedimos à Presidência do tribunal e ela convoca juízes para poder dar conta dessas mesas. Assim vai funcionar também nas outras centrais, muito provavelmente com juízes da própria subseção. Vai ter um responsável pelo gabinete da conciliação, alguns funcionários, mas na semana da conciliação os juízes da subseção vão ter que colaborar, eventualmente até cedendo funcionários. No início, vai ser assim, até que se crie uma outra estrutura. Para fazer do jeito que o CNJ pretende, teríamos que ter um número grande de funcionários, talvez até seja necessário concurso público.

ConJur — Há outros temas em vias de entrar no programa?
Antônio Cedenho — Um campo bastante rico são as questões referentes às desapropriações em torno dos aeroportos de Guarulhos e Campinas (SP). Em Campinas, são 2 mil ações. Em Guarulhos, são quase 400. Lá, já estava quase tudo pronto para começar, mas o prefeito pediu à Infraero que aguardasse um pouco, porque eles precisariam alocar as pessoas que sairiam das propriedades, uma população bem pobre. A Infraero já faz isso na 4ª Região com êxito grande. As avaliações são honestas, eles fazem reuniões dizendo como vai ser, apresentam propostas, dão prazos para que as pessoas analisem. No dia da audiência, fica todo um corpo de apoio: juiz, Ministério Público, Defensoria Pública, advogado da Infraero e até um perito avaliador. O índice de acordos é muito grande.

ConJur — Como foi sua carreira antes de entrar no tribunal?
Antônio Cedenho — Eu me formei em 1972, e advoguei de 1974 até 2004. Foram 30 anos. Sempre me estabeleci profissionalmente na região do ABC, e fui presidente da subseção da OAB de Santo André (SP) durante quatro mandatos consecutivos, durante praticamente 11 anos, até 2003. Eu me desliguei da subseção para concorrer à vaga no tribunal, mas não consegui da primeira vez, por não alcançar o número de votos necessários para a lista tríplice. Só que, na OAB, quando você mostra intenção de concorrer a uma vaga na magistratura, essa comunicação é recebida como uma renúncia ao cargo. Então, deixei de ser presidente durante um determinado período, eu não cumpri até o final meu mandato. É uma coisa interessante, porque se você se candidatar a um cargo eletivo, você se licencia. Mas no caso de concorrer a uma vaga no tribunal, eles entendem como renúncia. Em seguida, tornei-me secretário de Combate à Violência Urbana na Prefeitura de Santo André, na gestão pós-Celso Daniel, em função do relacionamento existente entre a OAB de Santo André e a Prefeitura. Equivaleria à Secretaria de Segurança Pública do estado.

ConJur — Tinha envolvimento com a política?
Antônio Cedenho — Não, até porque, como presidente da subseção da OAB, não poderia ter. Mas em função de afinidade, fiquei na função por nove meses, até que se abriu outra vaga, do desembargador Aricê do Amaral Santos, que era também do quinto da advocacia e se aposentou. Obtive 39 dos 41 votos no tribunal.

ConJur — De onde veio o interesse pela magistratura?
Antônio Cedenho — Como presidente da subseção da OAB, participei da instalação da Justiça Federal em Santo André. Foi daí que surgiu o interesse de vir para o tribunal. Pode ser até que os desembargadores que votaram em mim tenham lembrado do empenho que mostrei para a instalação. Além disso, tenho um padrinho de casamento cujo pai foi desembargador do Tribunal de Justiça, dr. Coelho de Paula, primeiro presidente do 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo. E eu ia estudar muito com ele, vinha de Santo André, do subúrbio, e ficava na casa dele em Perdizes. O desembargador sempre falava: “Você tem jeito de juiz, deveria prestar concurso”.

ConJur — Quais decisões mais marcaram?
Antônio Cedenho — Creio ter sido o segundo julgador no país a reconhecer o relacionamento homoafetivo para efeito previdenciário. Teve uma decisão anterior na 4ª Região. Depois, o próprio INSS passou a reconhecer o direito. Mas a decisão mais marcante da minha vida foi em um plantão. Impedi o fechamento do aeroporto de Congonhas. Recebi um recurso da Anac contra decisão de um juiz que tinha determinado o fechamento do aeroporto para as aeronaves da Gol e da Ocean Air. Dei a liminar para continuar aberto. Esse processo depois foi distribuído para a desembargadora Cecília Marcondes e a liminar foi mantida. Isso causou uma repercussão mundial. Seria um absurdo fechar o aeroporto. Iria saturar Viracopos e Guarulhos e paralisar a aviação. Do ponto de vista pessoal, tive certo aborrecimento. Depois de dois anos, houve aquele acidente com o avião da TAM em Congonhas. Um advogado de Santos, logo depois do ocorrido, divulgou na internet que as famílias das vítimas deveriam me responsabilizar. Só que, em primeiro lugar, as aeronaves da TAM não estavam na proibição que derrubei. Em segundo lugar, houve um termo de ajuste de conduta com o Ministério Público e acabou a história. Eu até liguei para o advogado e disse que ele não tinha noção, não sabia da história. Recebi conselhos para entrar com uma ação contra ele, mas resolvi não fazer. Ele me disse que não sabia. “Então, o senhor procura se informar melhor, porque isso causa uma situação muito ruim”, respondi. Se você pesquisar no Google, vai achar essas declarações.

ConJur — É a favor do aumento do número de desembargadores no tribunal?
Antônio Cedenho — Se houver uma reorganização do tribunal e uma conscientização de todos, o acervo dos gabinetes cairá muitíssimo. Eu peguei um gabinete previdenciário com 12 mil ações e consegui baixar para 7 mil. Não sei se se justificaria aumentar o número de desembargadores só para dizermos: “Agora estamos julgando o suficiente”. O excesso de processos se deve, por exemplo, a estratégias erradas como a que a OAB defendeu, e falo porque estive lá dentro participando de tudo. A OAB deu um tiro no pé com esse negócio de tirar as férias coletivas dos tribunais. Achar que o Judiciário tem que funcionar como um hospital é bonito, mas você cria problemas dentro dele. Eu, por exemplo, no previdenciário, cheguei a tirar processo de pauta porque a composição da Turma com juízes convocados ficou de tal forma que eles tinham pensamento contrário à nossa jurisprudência. Não achei justo. Sempre julgamos de um forma. Daí dois desembargadores tiram férias, vêm juízes convocados em seus lugares e aquele segurado do INSS vai ser prejudicado em razão disso. Vira loteria. Nos últimos nove meses, em apenas dois tivemos composição integral da Turma.

ConJur — Convém aos juízes ter 60 dias de férias diante de tantos processos?
Antônio Cedenho — Sim, porque trabalhamos nos fins de semana. Mas, para mim, se passar a ser de 30 dias, não tenho constrangimento. Em mais de 30 anos de advocacia, tive um mês de férias. Advogado cuida de escritório, não tira férias. Esse é um outro problema da bandeira da OAB contra as férias coletivas nos tribunais, porque o maior prejudicado acaba sendo o advogado. Em 2010, a semana nacional da conciliação caiu no meio das minhas férias. Não poderia perder.

ConJur — Alguns desembargadores do TRF-3 se mostram mais suscetíveis a pressões do Ministério Público Federal. Que efeitos isso traz?
Antônio Cedenho — Vou falar sobre a experiência que eu estou tendo nesse período. Não acho que alguns setores do tribunal sofram influência do Ministério Público, mas sim que há procuradores que são mais contundentes, que não reagem de uma forma tão profissional em relação às decisões, e levam para o lado pessoal, buscando pessoalmente obter sucesso em relação aos processos de que cuidam. Alguns procuram o desembargador, de alguma forma cercam o desembargador, cobram. Eu, por exemplo, fiquei de licença durante um período porque acabei caindo no meio da Avenida Paulista e tive uma luxação no ombro, um rompimento de tendão. Para não ter problemas de continuidade do trabalho, pedi ao meu médico para me dar licença até um domingo, porque na segunda-feira eu teria sessão e o desembargador André Nekatschalow estava de férias e não haveria quórum. Só que teve uma decisão que dei justamente no dia em que eu estava aqui, que não agradou à representante do Ministério Público. Fiquei sabendo que ela foi à Turma para saber se eu teria dado a decisão durante a minha licença ou se eu estava apto para dar a decisão. Quer dizer, eu vim para colaborar, mas as pessoas reagem de uma forma inadequada. Uma vez comentei com um representante do Ministério Público: “Deve ser muito complicado ter uma profissão em que você praticamente não pode, mesmo por uma questão de consciência, pedir a absolvição de alguém e ter de ir na linha da condenação o tempo todo”. Porque no MP estadual, se você der um parecer contrário à condenação, tem que mandar o caso para o Conselho aprovar.

ConJur — Hoje o senhor está do outro lado do balcão, julgando. Mas como advogado, que decisões do TRF-3 lhe vêm à memória?
Antônio Cedenho — A que obrigou os profissionais liberais a recolher a Cofins é uma delas. Havia deixado de recolher a Cofins durante muito tempo, tive até uma sentença favorável. Quando chegou aqui no tribunal, no entanto, acabei perdendo. Aí foi para o STJ, onde já havia jurisprudência favorável ao contribuinte, com súmula. Mas o Supremo mudou a orientação seguindo a linha do TRF-3. Tive que entrar no Refis. Até em função da minha atividade agora, não quis discutir mais. Essas coisas a gente vai empurrando goela abaixo, porque não tem jeito.
Alessandro Cristo é editor da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 1º de abril de 2012

quinta-feira, 29 de março de 2012

AMOR EM DOBRO!!!!

Juíza garante dupla paternidade em certidão de criança

A Justiça de Rondônia garantiu a uma criança o registro em certidão de nascimento, de dupla filiação paterna (biológica e socioafetiva). No caso, a criança reconhece os dois homens como pais e deles recebe, concomitantemente, assistência emocional e alimentar.

De acordo com os autos, o homem que registrou a criança o fez sabendo que ela não era sua filha. Anos depois, a criança descobriu sua ascendência biológica e passou a ter contato com o pai, mantendo, contudo, o mesmo vínculo afetivo e "estado de posse de filha" com o pai afetivo. A situação foi demonstrada em investigação social e psicológica realizada pela equipe multiprofissional.

Como a criança declara expressamente que reconhece e possui os dois pais, a promotora de Justiça Priscila Matzenbacher Tibes Machado se manifestou contrária ao deferimento da exclusão de paternidade, requerendo a manutenção do pai atual e a inclusão do biológico.

Para a juíza Deisy Cristhian Lorena de Oliveira Ferraz, ficou evidente que a pretensão da declaração de inexistência do vínculo parental entre a criança e o pai afetivo partiu de sua mãe, que na tentativa de corrigir "erros do passado", pretendia ver reconhecida a verdade biológica, sem se atentar para o melhor interesse da própria filha. Ela destacou ainda que o pai afetivo não manifestou interesse em negar a paternidade, tanto que em contato com a criança disse que, mesmo sem ausência de vínculo de sangue, a considera sua filha. Com informações da Assessoria de Imprensa do MP-RO.

Revista Consultor Jurídico, 28 de março de 2012