quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Justiça não é número; tem que ter solução

(Publicado no dia 21.10.11 no Espaço Vital)

Por Carlos Hamilton Bezerra Lima,
juiz de Direito no Estado do Piauí e vice-presidente da Anamages

Ninguém ignora que em todos os países do mundo a justiça seja morosa, neste ou naquele grau; em canto algum da terra a justiça age como relâmpago, mesmo nos países europeus; na Ásia ou América do Norte, ou em qualquer continente o estigma da lentidão judiciária não é monopólio apenas da terra brasilis.

Há anos se discute a morosidade judicial e suas causas e soluções já foram divulgadas em centenas de congressos jurídicos ao longo de décadas: excessos de prazos, formalismos exacerbados, quantidade enorme de recursos processuais, privilégios das Fazendas Públicas, Municípios, Estados e União, falta de infra-estrutura material e humana, esta quase sempre desqualificada e resistente a inovações, para citar algumas.

O fato parece remeter à fábula dos ratos a discutir o problema do gato: todos parecem saber ou apontar a solução de colocar o guizo no pescoço do bichano, mas poucos têm sido os que se apresentaram à difícil tarefa.

A culpa dos juízes - é preciso que se diga - tem sido mínima, justiça lhes seja feita. Eles cumprem o que está posto. A grande maioria trabalha inclusive aos sábados, domingos e feriados, e acreditem, outros tantos usam as férias para julgar. Não fazem leis, não administram presídios, não nomeiam, nem contratam. Não foram remetidos estes assessores ou número suficiente em material e recursos humanos qualificados, desejáveis à personificação da justiça. O juiz, peça fundamental, foi esquecido por completo ao longo dos anos, – e não há evidência de atenção na reforma do Judiciário -, e hoje, estão sendo cobrados à exaustão, como se fossem o cajado de Moisés a abrir solução para tudo para o que não deram causa.

A culpa repita-se mais uma vez, na maioria esmagadora das vezes está numa legislação anacrônica, vetusta, que quando inova parece olvidar por completo a condição de trabalho dos magistrados, como se o processo fosse algo simples, como a colocar uma roupa suja numa máquina de lavar e dali sair pronta, inclusive passada. Neste particular o Legislativo pouco concorreu para avanço do Judiciário. Uma postura mais firme e direcionada a um poder judicante mais independente e pragmático, pouco tem se revelado em efeitos concretos ao povo, real destinatário da prestação jurisdicional.

Não se pode olvidar idêntica postura ao Executivo – um dos maiores clientes do Judiciário -, seja como autor ou como réu, as infrações à lei por este assoberbam as prateleiras da mais minúscula comarca ao Supremo Tribunal Federal.

Quem esquece que num único dia mais de dez mil ações neste país foram ajuizadas quando do plano Collor? No frigir dos ovos, o Estado concorre para a quantidade necessária de juízes proporcional a seu número de habitantes? Neste particular, aqui somos triste exclusividade no mundo: um magistrado para cada vinte e três mil habitantes, uma verdadeira ilha, sob um cipoal de leis e infrações por todos os lados em canto nenhum do globo jamais testemunhado.

Que não se descure também o orçamento anual previsto ao Judiciário. Quem desconhece as constantes divergências, senão arranhões político-institucionais, quando do dito orçamento, sempre diminutos e podados pelos outros dois poderes? Ora o Judiciário não faz leis e nem tem a bolsa; aquelas são com o Legislativo e esta com Executivo; o Judiciário detém apenas e tão somente a espada, instrumento que vez por outra querem tomar ou impor rédeas a esgrimi-la, e então, como sabemos a democracia sempre corre perigos.

É de suma importância que a Justiça seja célere e dê a resposta ao direito da parte em tempo razoável; todos queremos isso e os juízes estão comprometidos com este desiderato. Entretanto, temos visto nos últimos tempos uma preocupação unicamente com números para solução do processo, aliás, com referenciais e escore de percentuais para a sentença.

A providência tem bons propósitos, até faz sentido, entretanto por mais que seja o anseio dos pais em conhecer a criança, esta não pode ser arrancada do ventre da mãe a qualquer tempo e modo, no mínimo princípios e circunstâncias médicas a cada caso urge sejam observadas, e ainda que esteja passada da hora de nascer, é que os meios e cuidados maiores devam ser observados, senão, mata-se a mãe e o filho.

Não se julga um processo, máxime os antigos, conduzidos quase sempre por outros juízes que o antecederam, sem que seja lido e avaliadas as provas e o direito com muita acuidade; não se cuida de algo simples que o magistrado pudesse apenas ditar sem meias palavras; este defiro, aquele não, este condeno, o outro absolvo. O direito e a justiça não se operam dessa forma.

A democracia precisa sobreviver, idem o bem comum e a pacificação de conflitos, mas por um Judiciário justo, coerente e sábio na avaliação das provas, obediente às leis e princípios jurídicos ínsitos da decisão judicial respectiva. E isso não se faz como quem se busca um recorde, sob pena de fazer exatamente o contrário a que se propõe.

A Justiça não são números, nem é compatível e nem deve se comprazer com estatísticas; se faz sim pela satisfação das partes, com justeza, e isso somente pode acontecer se instrumentalidade for dada ao Judiciário; caso contrário vamos ficar ouvindo o já inócuo e repetitivo discurso de uma dialética que a nada serve se não for acompanhada de ação.

Ação, pois é o que basta; o tempo, é agora. Que os juízes sejam rápidos, mas que essa urgência não os imponha ou exponha a injustos.

carloshamilton@anamages.org.br

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Emenda do divórcio ajuda a preservar o casamento

Por Rodrigo da Cunha Pereira

Os dados do IBGE divulgados em 30 de novembro de 2011 de que o ano de 2010 foi recorde na taxa de divórcios corre o risco de reforçar a descrença em uma conjugalidade duradoura e induzir a uma leitura equivocada de que a família brasileira não está bem. Certamente este elevado índice advém de uma demanda reprimida, cuja vazão foi dada pela mudança da legislação. A Emenda Constitucional 66 de julho de 2010, facilitou e simplificou o divórcio de casais acabando com os prazos para se formalizar o fim do casamento, e extirpou do ordenamento jurídico brasileiro o inútil e anacrônico instituto da separação judicial (antigo desquite), imprimindo mais responsabilidade aos casais. Afinal, quem deve decidir sobre o fim da própria vida conjugal não é o Estado, mas o próprio casal.

O fim do casamento não significa o fim da família, mas tão somente que aquele núcleo familiar se transformou em binuclear. Também não é o fim da felicidade. Quem tem filhos tem uma responsabilidade maior com a manutenção do casamento. Mas isto não significa que se deve manter um casamento a qualquer custo. O divórcio, por mais sofrido e indesejável que seja, pode significar um ato de responsabilidade com a própria saúde. O cuidado com o casamento passa pela compreensão em distinguir desejo de necessidade. Muitas vezes o divórcio não é desejo, pois imaginava-se ficar casado para sempre. Mas torna-se necessidade em razão de determinadas circunstâncias, como, por exemplo, quando há reiterado desrespeito ou até mesmo violência doméstica. Tal necessidade se impõe para se preservar ou resgatar a própria dignidade, após tantas humilhações sofridas. Outras vezes, embora não haja necessidade de se colocar fim ao casamento, há o desejo de reconstruir uma vida nova para voltar a ser feliz. E, se não foi possível reacender o desejo com a pessoa com quem se está casado, ou vivendo em união estável, o jeito é assumir que o amor chega ao fim, criar coragem e cumprir o difícil ritual de passagem que é o divórcio.

As facilidades jurídicas para se colocar fim ao casamento trazidas pela Emenda Constitucional 66, ao contrário do que se pensa, vieram ajudar a preservá-lo. Na medida em que o Estado deixa de tutelar os casais, estabelecendo prazos e culpa pelo fim da conjugalidade, consequentemente imprime mais responsabilidade às pessoas pela manutenção de seus vínculos amorosos. Foi a substituição do discurso de culpa, tão paralisante do sujeito, pelo da responsabilidade. E assim pode-se refletir melhor sobre desejo e necessidade da manutenção do casamento e até mesmo sobre o porquê de sua mantença ou não.

O amor conjugal tem prazo de validade? Afinal, o que mantém um casamento, ou o que o faz acabar? Quando permitimos que nossas neuroses cotidianas se tornem maiores que o amor, elas certamente conduzirão ao divórcio. É aí que se começa a voltar o olhar para outra direção ou a interessar-se por outras pessoas. Em outras palavras, o amor acaba porque começa-se a ver os defeitos do outro, ou começa-se a enxergar e realçar os defeitos do outro porque o desejo já não está mais ali?

Apesar de todas as facilitações para se dissolver casamentos, apesar dos amores tão líquidos de nosso tempo, a conjugalidade continua possível e até melhor que antes. Mas dá trabalho. Vê-se na "Clinica do Direito", agora sem tantas amarras jurídicas, para se dissolver um casamento que uma das possibilidades de o amor conjugal vencer as neuroses e o desencantamento, é diluir o mal estar, que geralmente advém de um mal entendido, falando dele. Dizendo de outra maneira, ao invés de "engolir sapos" é melhor cortar o mal pela raiz, esclarecendo a causa do incômodo através do exercício da palavra, que possa ser dita e ouvida com alma, sem rancor e sem agressões. Não é fácil, mas é necessário para cuidar do amor. E nisto, temos que aprender com as mulheres, que talvez saibam mais sobre o amor que os homens. De qualquer forma, e por mais elaborações verbais que tenhamos, ainda é Platão que continua apontando o melhor caminho para tornar a conjugalidade possível: o amor para permanecer o mesmo deve mudar sempre.
Rodrigo da Cunha Pereira doutor em Direito Civil (UFPR), advogado, professor da PUC-MG e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.

Revista Consultor Jurídico, 23 de dezembro de 2011

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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Filho não consegue indenização por falta de afeto

Dar amor é obrigação moral e não legal. A partir dessa premissa, o juiz Ricardo Torres Soares, da 7ª Vara Cível de Belo Horizonte, não acolheu o pedido de um homem que entrou com ação de indenização por danos morais e materiais contra o pai. A paternidade só foi reconhecida quando o filho tinha 44 anos. Cabe recurso.

O juiz afirmou que não há provas de que o pai tenha sabido, desde sempre, ter o autor da ação como filho. “Ainda que assim fosse, não haveria dano moral pela negativa de afeto, pois, se não há uma lei impondo tal obrigação, sua inobservância não pode ser considerada ato ilícito e, por consequência, não pode embasar pedido de indenização.” Acrescentou também que dar amor é uma obrigação moral.

O filho alegou ter nascido de um relacionamento secreto entre sua mãe e o pai, tendo morado com ele e os avós paternos até os 12 anos. Em 2004, propôs ação de investigação de paternidade contra o réu, que foi reconhecido como seu pai. Segundo ele, desde seu nascimento, o pai vem lhe prometendo ajuda, mas, mesmo depois de reconhecida a paternidade, jamais concretizou qualquer tipo de apoio.

O autor da ação pediu indenização por danos materiais de R$ 150 mil, já que, segundo afirmou, nunca gozou da educação, dos momentos de lazer e das ativideas culturais que o pai poderia ter lhe proporcionado. Pediu também R$ 100 mil por dano moral por ter sofrido abalo emocional, psicológico e social decorrente do não reconhecimento da paternidade.

O pai contestou, alegando que o autor da ação foi registrado pelo marido de sua mãe quando nasceu e recebeu nome em homenagem ao suposto pai. Argumentou que a mãe de seu filho nunca o procurou requerendo dele a paternidade e que o suposto pai é que teria cometido crime de registrar um filho que não era seu. Alegou ainda que falta de amor não é garantia de direito de reparação, o amor não pode ser imposto e, por isso, não se justificava o pedido de indenização por dano moral. Em relação à indenização por danos materiais, argumentou que fica excluída essa obrigação, uma vez que o filho, já adulto, pode se sustentar sozinho. Por fim, pediu que a ação fosse julgado improcedente.

O juiz negou os danos materiais. Ele levou em consideração a descoberta da paternidade pelo réu ter acontecido somente quando o filho tinha 44 anos. Para o juiz, depois de passar pela infância recebendo assistência daquele que julgava ser seu pai, não faz sentido o filho pedir indenização por danos materiais, que, na mesma época, não era reconhecido como seu pai biológico, não tendo, portanto, obrigação de sustentá-lo. O juiz entendeu que não houve demonstração do dano, o que afasta o pedido de indenização. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-MG.

Revista Consultor Jurídico, 15 de dezembro de 2011

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Ditadura do Judiciário

Sem gestão, a morosidade da Justiça não acabará

Por Antônio Cláudio da Costa Machado

Jamais afirmei que “o único problema da Justiça brasileira é a falta de orçamento para a contratação de mais juízes e serventuários.” (Bruno Dantas). Na verdade, a questão orçamentária é apenas uma das vertentes da crise da infraestrutura administrativa da nossa Justiça, mas em São Paulo este é realmente um problema gravíssimo: a proposta do TJ-SP para 2011 era de R$ 7 bilhões (para fazer frente minimamente às despesas de custeio), e vieram apenas R$ 5 bilhões, razão pela qual não foi possível investir quase nada para melhorar a Justiça paulista, (faltaram míseros R$ 19 milhões para implantar 200 varas já aprovadas por lei em nosso estado, para se ter uma idéia).

A Justiça brasileira não funciona bem por falta de vontade política para criar um Judiciário eficiente e isto pela razão de que cerca de 60% das causas cíveis têm no polo passivo a União, o Estado de São Paulo, o INSS e Caixa Econômica Federal. Ou seja, falta vontade porque a Administração Pública brasileira é o maior devedor do Brasil.

A Justiça brasileira não funciona bem porque falta informatização para valer no Judiciário. Para arrecadar impostos tudo é informatizado (Receita Federal, Banco Central, Secretarias da Fazenda), mas para pagar dívidas ou tutelar direitos não interessa ao Estado informatizar, uma vez que a informatização acabará se voltando contra ele mesmo.

A Justiça não funciona bem porque temos um número relativamente baixo de funcionários, principalmente em São Paulo (45 mil em 2011 para 19,5 milhões de processos; eram 54 mil em 2000 quando tínhamos apenas 9,0 milhões de feitos). Nossos funcionários são mal capacitados e não estão motivados. Lembremos, ainda, que enquanto o Brasil, como um todo, tem dez juízes para cada 100 mil habitantes, São Paulo tem apenas cinco.

Quem me viu falar na Comissão Especial ou assistiu alguma das muitas dezenas de aulas, palestras, entrevistas etc., sabe o que penso: precisamos de um choque de gestão no Poder Judiciário, como aconteceu no Rio de Janeiro, onde uma apelação é julgada em menos de um ano (como ocorre hoje no Rio Grande do Sul, Santa Catarina ou Minas Gerais).

Não é verdade que o CPC vai mudar alguma coisa nesse quadro. O que necessitamos desesperadamente é de administração profissional dos nossos cartórios e tribunais para combater a morosidade.

Com um choque de gestão poderemos fazer mais com os mesmo recursos orçamentários, ou mais com até menos, e isto sim representará avanço no contexto da distribuição da justiça. Com os juízes que temos hoje e o pessoal de que dispomos hoje, se houver administração séria e competente, daremos um salto de qualidade no exercício da função jurisdicional.E tudo isto sem que precisemos cogitar de uma ditadura do Judiciário para baixar o número de processos….

Execução provisória
Afirmam que critico a “execução provisória da sentença sem falar que hoje as interlocutórias concedidas em cognição sumária já são executadas”. (Bruno Dantas)

Com certeza, a crítica tem por objeto a comparação entre a sentença e as decisões liminares cautelares e antecipatórias que se cumprem imediatamente. Pois bem, com base nesta premissa passo a responder.

A comparação não tem cabimento pelo simples motivo de que as liminares cautelares sempre são, e as antecipatórias geralmente são concedidas em função da existência de periculum in mora, ou seja, para impedir que um dano irreparável ou de difícil reparação se estabeleça no processo. A ravio de tais providências in limine, portanto, está vinculada à exigência de eliminação deste perigo (de completa ineficácia da providência final ou de inutilidade do próprio processo), de sorte que ou se efetiva prontamente a liminar ou comprometida estará toda a atividade jurisdicional subsequente.

Observe-se que toda esta ponderação não se aplica às sentenças, em regra, o que torna justificável o aguardo pela manifestação da segunda instância para que se inicie a atividade executiva. Em outras palavras, no contexto sentencial, não existindo o perigo de que a demora acarrete dano, fica inteiramente legitimado o exercício do direito de recorrer via apelação provida de efeito suspensivo, o que significa, por sua vez, plenitude do exercício da garantia do duplo grau de jurisdição.

Registre-se, por outro lado, que é justamente a lógica aqui desenvolvida que faz com que o CPC retire a suspensividade da apelação na hipótese de sentença confirmatória de tutela antecipada.

Por fim, cumpre apenas salientar que o argumento baseado na existência de liminares antecipatórias não fundadas em periculum in mora no nosso sistema – que correspondem a verdadeiros privilégios processuais em favor do direito de propriedade –, não pode ser usado para infirmar a conclusão acima por sua excepcionalidade, muito menos, por óbvio o argumento de que todas as liminares se estribam em cognição sumária.

Efeitos suspensivos
Em outra crítica lançada à entrevista se diz que “o juiz terá superpoderes, pois a apelação não terá efeito suspensivo ope legis. Só não fala que o relator pode suspender (ope iudicis).” (Bruno Dantas)

Infelizmente, não foi possível explicar aos leitores da Veja as razões técnicas pelas quais acredito que, uma vez aprovado o Projeto do CPC, a sentença de “um único homem” será executada, significando isto um comprometimento do direito de defesa e também do direito ao duplo grau de jurisdição ou, em outras palavras, autoritarismo do Poder Judiciário.

Mas por que? Algumas razões me levam a afirmar que, de fato, teremos, como regra, a execução da sentença de “um único homem”. Para começar, é preciso dizer que a eliminação do efeito suspensivo ope legis da apelação vai redundar em três graves inconvenientes processuais numa sequência lógica.

Primeiro grave inconveniente: interposta a apelação contra a sentença de procedência do pedido, todo advogado endereçará ao relator (no tribunal) uma petição autônoma que reproduzirá o recurso interposto acompanhado de todos os documentos relevantes da causa (inicial, contestação, réplica, saneamento, perícia, termos de audiência, sentença, etc.), porque só desta maneira se conseguirá impedir, desde logo, o início da execução provisória (pelo efeito suspensivo da PET, segundo o projeto). O trabalho dos advogados dos demandados dobrará, portanto, a cada sentença de procedência.

Segundo grave inconveniente: sob o ponto de vista dos tribunais (e seus relatores), o que assistiremos será ao congestionamento das secretarias e gabinetes por petições autônomas – e isto independentemente de se tratar de pilhas de autos ou de informações e documentos pela via eletrônica -, exatamente como ocorreu outrora com os mandados de segurança (para atribuição de efeito suspensivo aos agravos) e, mais recentemente, com os próprios agravos de instrumento que abarrotaram e abarrotam os nossos tribunais. O trabalho dos relatores crescerá exponencialmente.

Terceiro grave inconveniente: com tanto trabalho pela frente, os relatores ficarão entre a cruz e a caldeirinha porque, se de um lado, para decidir pela manutenção do efeito suspensivo (produzido pela protocolização da PET) eles terão de examinar com vagar e cuidado todo o processado para tirar a razão do juiz e atribuí-la ao apelante, de outro, será muito mais fácil – mas muito mais fácil mesmo – dar razão ao juiz em decisões de três ou quatro linhas e liberar a execução provisória em favor do demandante.

O desumano volume de causas acabará proporcionando, salvo um caso aqui e outro acolá, execuções provisórias aos montes e, ainda mais, que tudo acontecerá em nome da sacrossanta celeridade. Ou seja: execuções provisórias de decisões singulares, que é o mesmo que sentença de “um único homem”.

Fim de agravo
Por conta da minha entrevista na Veja, fui criticado também nos seguintes termos: “ Acaba o agravo retido. Mas não fala que a preclusão passa a ser ‘elástica’ (na expressão de Zulmar-Duarte) tornando-o inútil” (Bruno Dantas). Vamos à resposta.

A ideia de fazer desaparecer a preclusão, enquanto fenômeno inerente do sistema processual civil, apenas revela mais um lado obscuro e autoritário do Projeto que tramita na Câmara dos Deputados.

É que eliminando a preclusão (a causa), consegue-se magicamente eliminar a necessidade do recurso de agravo (o efeito); se as decisões do juiz não se petrificam mais, porque podem ser impugnadas no final por meio de apelação, deixa de haver necessidade de qualquer tipo de manifestação de inconformismo contra elas no momento em que surgem no processo. A lógica, destarte, é muito simples.

O problema é que a estratégia estabelecida esconde uma grande maldade que é remeter para um momento futuro e longínquo a rediscussão de certas questões relevantíssimas para o sucesso ou insucesso da causa. Na verdade, esta estória de “preclusão elástica” significa apenas uma forma de ludibriar o advogado com a falsa perspectiva de que será possível anular o processo por vícios formais quando do julgamento da apelação. O que ocorrerá é que tanto tempo já terá se passado até que este julgamento aconteça, inclusive com a execução provisória da sentença, que não será nenhum absurdo afirmar que para o tribunal parecerá muito mais conveniente fechar os olhos para o descumprimento de “formalidades” (para negar provimento à apelação) do que anular um processo de sentença já executada anos após a ocorrência da nulidade.

O desaparecimento do agravo retido significará um grande retrocesso para a Justiça civil, porque mal ou bem ele permite o contraditório imediato (com a fala da parte contrária) e a perspectiva de retratação por parte do magistrado (a alteração de pronto da decisão interlocutória). Acabar com o agravo retido é eliminar o contraditório, comprometer o direito de ação e de defesa e ferir de morte o caráter democrático do processo civil.

Não é por outra razão que tenho denunciado que vão transformar o processo civil num verdadeiro processo do trabalho onde as decisões interlocutórias são em geral irrecorríveis e não existe, salvo pouquíssimas exceções, agravo de instrumento, nem agravo retido. Mas lá, pelo menos eles tem o “protesto”; no Projeto do CPC, como examinado, nem isto.

Além do mais, e para finalizar, é preciso dizer que preclusão é vida e processo é vida, razão por que a preclusão é parte do processo, tanto para o bem do procedimento (a petrificação imediata das decisões para permitir um julgamento final seguro) como para o mal das partes (a perda do direito processual pelo passar do tempo sem recorrer ou pela prática de ato incompatível). E como dissemos à Veja, não embora com estas palavras, hoje até em jogo de tênis existe decisão interlocutória sujeita a agravo de instrumento com efeito suspensivo! Só no Projeto do CPC é que não haverá para desespero da cidadania, da advocacia e da democracia.

É por isso que não me canso de advertir: ditadura do Poder Judiciário à vista.

Desaparecimento do agravo
Critica-se da mesma forma a entrevista da Veja sob o argumento de que já não existe hoje a possibilidade de agravar de instrumento de decisões que dizem respeito à prova, o que revelaria que o Projeto de CPC não muda nada neste sentido… (Bruno Dantas, Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Henrique Volpe Camargo). Vamos à resposta.

A disciplina vigente do agravo de instrumento não impede a utilização deste recurso contra decisões interlocutórias relativas à prova, como afirmado. O que o artigo 522, caput, em sua redação atual, diz é que, para excepcionar o cabimento do agravo retido (a regra geral hoje para o agravo), é necessária a demonstração de que se trata “de decisão suscetível de causas à parte lesão grave e de difícil reparação”. O que o parágrafo 3º do mesmo artigo faz, por outro lado, é impor o agravo retido obrigatoriamente apenas para as “decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento”. Portanto, cabe sim, hoje, agravo de instrumento contra decisões de natureza probatória!

Alguns exemplos da realidade processual podem ser dados para ilustrar o que acabo de dizer e também para justificar o paralelo que fiz na Veja com o jogo de tênis. Imagine-se inicialmente uma ação de revisão contratual movida a um banco em que se requer a exibição de um documento: tanto o indeferimento como o deferimento desta exibição dão ensejo a agravo de instrumento, demonstrando-se o risco de lesão grave e de difícil reparação. Imagine-se, ainda, uma ação de indenização por queda de um muro proposta em face de um vizinho em que o juiz indefira por qualquer motivo a produção da prova pericial no saneamento: desta decisão cabe agravo de instrumento mediante alegação de risco de lesão processual. Imagine-se uma ação de conhecimento ajuizada por funcionário público em que se requeira a requisição de certidão à certa repartição pública (artigo 399, inciso I, do CPC) e esta seja indeferida: cabe agravo de instrumento contra tal interlocutória sim. Pense-se, mais, em qualquer demanda em que o juiz fixe, no ato de saneamento do processo, um valor exorbitante de honorários periciais provisórios ou ordene ao demandado o adiantamento destes honorários quando tal providência deveria caber ao demandante.

Em todas estas hipóteses, as correspondentes decisões interlocutórias são impugnáveis por agravo de instrumento (porque sempre presente, em tese, o perigo de dano processual de difícil reparação) e não por agravo retido que conduziria o processo a uma anulação tardia, anos depois, com enormes prejuízos para as partes e para a própria função jurisdicional.

Mas, voltando às críticas e denúncias que fiz à Veja, o que precisa ficar claro é que o Projeto de CPC elimina tanto o agravo de instrumento contra decisões interlocutórias de caráter probatório – na verdade, apenas uma remanesce agravável: a “exibição ou posse de documento ou coisa” (Projeto, artigo 969, inciso VI) –, como acaba com o próprio instituto do agravo retido que hoje ainda representa a última esperança que tem a parte de buscar a retratação do juiz em relação a uma decisão interlocutória equivocada.

Acentue-se, de outra parte, que mais prejudicial ainda se tornará para o processo civil a eliminação dos recursos de agravo de instrumento e de agravo retido, se considerarmos que o Projeto dá aos juízes poderes extras em matéria probatória: 1) para inverter o ônus da prova (como no CDC); 2) para admitir a prova emprestada; e 3) para decidir sobre a proibição de prova ilícita (surge um novo regramento assim como fez recentemente a reforma do CPP). Com tantos poderes instrutórios, imagine-se o tamanho do estrago quando o juiz equivocar-se sobre qualquer destes temas, no saneamento ou em outro momento, e os advogados não tiverem como tentar reverter as respectivas decisões…

Esta situação me lembra um grande amigo advogado que sempre levanta as mãos para o céu quando se dá conta que ainda existe agravo…

Como reiteradamente tenho afirmado: o Projeto vai acabar com a advocacia, tornar os advogados escravos de juízes deuses ou, em outras palavras, estabelecer entre nós a ditadura do Poder Judiciário.

Enaltecimento omitido
Em meio às críticas à entrevista da Veja se encontra a de que omiti as virtudes do Projeto e dentre elas a “possibilidade de tratamento igualitário aos jurisdicionados” (Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Henrique Volpe Camargo).

O lado positivo da crítica é que ela realmente me faz lembrar do “tratamento igualitário” dado às partes no processo civil pelo Projeto: 1) “igualitário” para ninguém mais poder arrolar 10 testemunhas para a defesa de seus direitos em juízo (autor e réu só poderão arrolar 5 com o Projeto); 2) “igualitário” para ninguém mais ter direito de ouvir 3 testemunhas para cada fato como é hoje (as partes ouvirão quantas testemunhas o juiz quiser, exatamente como na Justiça do Trabalho); 3) “igualitário” para que ninguém mais tenha direito nenhum de agravar de instrumento de decisões probatórias (v. tópico anterior desta RESPOSTA); 4) “igualitário” para que ninguém tenha mais direito de agravar retidamente das decisões proferidas em audiência (já que desaparece a figura do agravo retido); 5) “igualitário” para que ninguém possa mais entrar com embargos infringentes; 6) “igualitário” para que ambas as partes possam sofrer medidas cautelares de ofício…

O que remanesce de tais constatações? Resposta: ditadura do Poder Judiciário.

Também integra a crítica à matéria da Veja a minha omissão quanto às virtudes do Projeto representadas pela “previsibilidade” e pela “segurança jurídica” (Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Henrique Volpe Camargo). Deixo então registrada, de início, uma observação propositalmente desfundamentada para dar a oportunidade de reflexão e questionamento a todos os leitores desta resposta.

Segue o texto do artigo 118, inciso V, do Projeto aprovado no Senado, que dá bem ideia de duas nítidas revelações da “previsibilidade” e “segurança jurídica” do novo CPC.

“Artigo 118. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

V – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico.”

O texto fala por si mesmo.

E, para encerrar este tópico, enfatizo a “previsibilidade” e “segurança jurídica” que o Projeto nos oferece ao eliminar o Livro III (do Código vigente) dedicado ao “Processo Cautelar”, e seus “procedimentos específicos”, como: 1) o arresto; 2) o sequestro; 3) a caução; 4) a busca e apreensão; 5) os alimentos provisionais e; 6) o arrolamento de bens.

Com tanto poder cautelar nas mãos dos nossos juízes singulares, só me resta bradar: ditadura do Poder Judiciário.

Sobre o enaltecimento omitido da “Isonomia Na Aplicação Da Lei” (Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Henrique Volpe Camargo). A respeito dessa minha omissão, transcrevo integralmente o texto do artigo 6o do Projeto que revela os caminhos da aplicação da lei pelo juiz caso venhamos a ter um novo CPC:

“Artigo 6º: Ao aplicar a lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, observando sempre os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.”

Parece-me um completo despropósito para quem pensa em “isonomia na aplicação da lei” admitir a ideia de que, ao julgar um conflito no processo civil, o juiz deva observar “sempre” princípios constitucionais de caráter tão abstrato quanto os “da dignidade da pessoa humana”, “da razoabilidade” e aqueles outros previstos no texto – copiados do artigo 37 da CF – que dizem respeito exclusivamente à Administração Pública. Este artigo, que afronta não apenas a isonomia, como também a própria ideia de segurança jurídica e de separação de poderes, representará uma porta aberta ao “ativismo jurisdicional”, à “politização da Justiça” ou, simplesmente, à aplicação da “justiça do juiz”, ou seja, à ditadura do Poder Judiciário mesmo.
Antônio Cláudio da Costa Machado é advogado e professor de Teoria Geral do Processo e Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP, professor de pós-graduação da Faculdade de Direito de Osasco, coordenador de Direito Processual Civil da Escola Paulista de Direito, mestre e doutor em Direito pela USP.

Revista Consultor Jurídico, 13 de dezembro de 2011

domingo, 11 de dezembro de 2011

Processos Cômicos

Casos curiosos que foram parar na Justiça

Por Rogério Barbosa

Muitas vezes o juiz tem que rir, para não chorar ou então chorar de tanto rir. É constante a demanda de casos e causos pitorescos que surgem no Judiciário brasileiro. Há quem tenha defecado nos autos contra a decisão proferida, inserido no processo fotos da mulher em cenas de sexo explícito (e neste caso a surpresa ainda está por vir), e empresa que faça advertência ao funcionário por excesso de flatulência no ambiente de trabalho. Juízes e advogados ouvidos pela revista Consultor Jurídico contaram alguns de seus casos mais curiosos. Vale conferir abaixo.

Quase traído
Desembargador que nos tempos de juiz atuou mais de 15 anos em Vara de Família, Guilherme Gonçalves Strenger, hoje na 11ª Câmara Criminal, tem boas histórias para contar. Entre tantas, relata a surpreendente história envolvendo um casal de advogados que brigava na Justiça pela guarda do filho.

Strenger conta que um dia o pai da criança o procurou em seu gabinete e lhe apresentou provas de que sua ex-mulher “não possuía idoneidade moral para ter a guarda da criança”. “Veja, Doutor. Veja se ela tem condições morais de educar uma criança. Olha o que essa vagabunda apronta. Swing (sexo entre três pessoas ou mais), na própria casa”, disse o marido mostrando fotos ao desembargador.

Mas, o mais curioso dessa história, conforme o próprio desembargador, não foi a forma como o homem expôs a ex-mulher, por meio das fotos de sexo explícito, e sim, a surpresa que se revelou no decorrer do processo. “Descobri que aquelas fotos anexadas aos autos foram tiradas pelo próprio marido, que consentia a participava das sessões de swing. Diante dos fatos, neste processo acabei por negar a tutela tanto ao marido quanto à esposa, a criança ficou com outro parente próximo."

Protesto nojento
O homem respondia a um processo crime, perante a 5ª Vara Criminal da Comarca de Jaú (SP), e teve como proposta a suspensão condicional do processo mediante algumas condições. Dentre elas, o comparecimento mensal em cartório. Por várias vezes, ele cumpriu esta condição.

Em sua última visita ao cartório, solicitou ao funcionário o controle de frequência para assinar os autos. E, “intempestivamente”, pediu para que todos se afastassem, abaixou-se em frente ao balcão de atendimento, “arriou as suas calças e defecou sobre referidos autos, inutilizando-os parcialmente”.

Segundo o desembargador Péricles Piza, “não bastasse isso, acintosamente, passou a exibir o feito a todos os presentes”. Para ele, ficou evidente “a deliberada intenção de protestar contra a decisão constante dos autos”. Mas faz uma ressalva: “A destruição dos autos, defecando sobre os mesmos, não é meio jurídico, lícito ou razoável de protesto.”

Advogado do diabo
“Parecia uma briga do bem contra o mal, foi assim que me senti”, disse o advogado Ricardo Nicolau, que defendeu os interesses de um pai que lutava para ter a guarda de sua filha de 15 anos. A adolescente também queria ficar com o pai, mas, a mãe, “religiosa fervorosa e praticante não queria permitir que a filha fosse criada pelo satanás”, conta o advogado repetindo as palavras utilizadas pela mãe durante a audiência.

O juiz achou por bem conceder a guarda da menina à mãe, mas a jovem “que em plena adolescência não queria ficar sob as regras rígidas e religiosas da mãe”, saiu correndo tribunal afora quando o juiz determinou que o pai a entregasse à mãe. “Aí é que começou a graça”, conta o advogado. “Essa mulher quase me exorcizou. Disse que eu era o capeta que estava tirando a filha dela do caminho de Deus. Que eu iria pagar por tudo aquilo no inferno. Que eu era um servo de Satanás para atrapalhar a vida dela e de sua filha. O Tribunal inteiro escutando e rindo. Foi um dos momentos mais constrangedores da minha vida. Tratei de sair o mais rápido possível para não ser reconhecido”.

Jus variandi
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região julgou, em 2007, processo em que uma empresa havia punido disciplinarmente uma funcionária por conta de flatulência no local de trabalho. O Tribunal considerou abusiva a punição à trabalhadora. “Agride a razoabilidade a pretensão de submeter o organismo humano ao jus variandi, punindo indiscretas manifestações da flora intestinal sobre as quais empregado e empregador não têm pleno domínio”, afirmou o relator do caso, desembargador Ricardo Artur Costa e Trigueiros.

Amigo da Onça
O desembargador Marco di Lorenzi, da 14ª Câmara Criminal do TJ-SP, conta do processo em que um rapaz pego com dois ou três cigarros de maconha foi levado à delegacia e processado. Na ação, arrolou seu melhor amigo como testemunha que disse em seu depoimento: “Doutor eu sempre disse para esse menino: 'Garoto larga essa droga, isso não te levará a nada. Mas ele não me escuta Doutor, usa desde criança. Esse menino não tem jeito'”.

Naquele tempo, antes da nova Lei de Drogas, mesmo a pequena quantidade, para uso próprio era crime. O depoimento da testemunha de defesa foi fundamental na decisão de condenar. "Ele deveria ter escolhido melhor a defesa, ou o amigo”, recomenda o desembargador.

Rogério Barbosa é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 11 de novembro de 2011
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sábado, 10 de dezembro de 2011

Questão de dignidade

Homem tem direito de usar apenas sobrenome materno

O direito de retirar o sobrenome paterno, devido ao abandono afetivo, é possível. Foi o que entendeu a 4ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao confirmar decisão da comarca de Joinville. O autor entrou com ação de retificação de registro civil contra seu pai para poder manter apenas o sobrenome da mãe.

Na ação, o autor alegou que o abandono do pai, quando tinha apenas um ano de idade, causou-lhe sofrimento e humilhação, e ressaltou que é conhecido na sociedade apenas pelo sobrenome da mãe. O pai, devidamente citado, não apresentou contestação. Em depoimento em juízo, o autor da ação afirmou nunca ter contato com o pai, o qual esperava conhecer no dia da audiência.

O MP, atuante como fiscal da lei, argumentou que a alteração do nome só é admitida para fins de correção, em casos de omissão ou que exponham a pessoa ao ridículo. Afirmou, ainda, que o acolhimento do pedido implicaria a multiplicação de ações idênticas, em virtude da grande quantidade de pessoas que se encontram na mesma situação.

Para os julgadores, ficaram claros nos autos a dor o abalo psicológico e os constrangimentos sofridos pelo demandante bem como a necessidade de mitigar as normas referentes ao nome diante da dignidade da pessoa humana.

“Trata-se, pois, de motivação que se me afigura assaz suficiente à exclusão do sobrenome paterno, tanto mais porque o nome do genitor permanecerá nos assentos civis do apelado resguardando-se, assim, a sua ancestralidade para todos os fins e efeitos de direito, razão pela qual não há cogitar-se de prejuízos à família, a terceiros e à sociedade”, afirmou o relator do recurso, desembargador Eládio Torret Rocha.

Por fim, a câmara refutou a tese da multiplicação de demandas idênticas. “É carente de qualquer juridicidade, constituindo, a bem da verdade, exercício de futurologia”, explanou o desembargador Torret Rocha. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SC.

AC 2008010577-5
Revista Consultor Jurídico, 10 de dezembro de 2011

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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Juízes e servidores apontam excesso de trabalho

Por Marcos de Vasconcellos

O alto volume de trabalho e a falta de apoio para treinamentos e atualizações foram apontados por magistrados e servidores do Judiciário como os principais entraves para o bom funcionamento da Justiça brasileira.

Na Pesquisa de Clima Organizacional realizada pelo Conselho Nacional de Justiça, 803 magistrados (90% de primeira instância) e 7.261 servidores responderam a perguntas que pretendem basear o planejamento estratégico do Judiciário.

Para 80,3% dos magistrados, o volume de trabalho não permite que os processos sejam concluídos no tempo previsto na legislação. Para 48,1% dos servidores, o volume de tarefas é maior do que o possível de ser cumprido durante o expediente.

A forma de lidar com a sobrecarga poderia ser melhorada a partir de cursos de atualização e treinamento, avalia o diretor de gestão estratégica do CNJ, Fabiano de Andrade Lima. Os incentivos a esse tipo de aperfeiçoamento, porém, são escassos.

Mais da metade dos servidores (52,9%) reclamam da falta de treinamento. Para 45%, poucas vezes o órgão em que atuam favorece a realização de treinamentos necessários ao desenvolvimento do trabalho. Já 7,9% dizem que isso nunca acontece.

Entre os juízes, 37,5% dizem que poucas vezes o órgão favorece a realização de treinamentos e 4% dizem que isso nunca acontece. Para Lima, isso explicita a "necessidade de rever os processos de trabalho da Justiça".

A urgência de aprofundar a pesquisa em diversos pontos é salientada por Lima. Para ele, estes foram dados iniciais, que servirão para fazer um mapeamento mais profundo futuramente.

Entre os pontos que precisam ser investigados está a segurança de magistrados. Para 77,5% dos entrevistados, as condições de segurança são ruins ou péssimas.

O diretor de gestão estratégica do CNJ levanta a hipótese de a comoção com o assassinato da juíza Patrícia Accioli ter feito com que a questão da segurança estivesse em alta.

Já entre os servidores, a percepção de segurança é melhor (64,6% estão satisfeitos). “Muito provavelmente porque eles não estão na linha de frente, emitindo ordens de prisão”, considera Lima.

O CNJ agendou a próxima pesquisa nacional para setembro de 2012, para avaliar as mudanças ocorridas a partir dos resultados deste primeiro levantamento. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.
Marcos de Vasconcellos é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 5 de dezembro de 2011

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

"Arbitragem é essencial para o capital estrangeiro"

Por Líliam Raña

A Câmara de Comércio Internacional (CCI) registrou em 2009 um aumento de 20% no número de participantes, chegando a quase 90 países. Naquele ano, o CCI registrou 817 novos casos, elevando para 1.461 os conflitos em arbitragem, o que representou 50% a mais nos últimos dez anos. O Brasil acompanhou essa tendência mundial de crescimento e registrou "um aumento sem precedentes" de participantes, segundo o relatório da CCI. Saltou de quatro, em 1995, para 86, em 2009. O Brasil é atualmente o quarto país que mais utiliza a arbitragem no mundo.

De acordo com o advogado Pedro Batista Martins, é importante observar que o Judiciário brasileiro sempre ofereceu a segurança necessária ao capital estrangeiro e tranquilidade para o país que investe. "A despeito da inexistência de uma lei que tornasse viável a arbitragem, o Brasil sempre registrou investimentos no país. O sistema jurídico brasileiro, que sempre foi alinhado com os países da Civil Law, tem reconhecida qualidade e independência", destacou durante o painel "Arbitragem e atração de investimentos no Brasil", no seminário promovido pelo jornal Valor Econômico, nesta segunda-feira (28/11) em São Paulo.

O advogado conta que a arbitragem é cada vez mais utilizada no exterior de forma que todo contrato considerado sério possui cláusla de arbitragem. "Isso é reconhecer que a arbitragem ingressa como mecanismo essencial para o fluxo de capital estrangeiro no país, no plano do comércio internacional." Para ele, a segurança que o país oferece também vem de seu histórico com normas específicas e cita a Lei 4.313 de setembro de 1962. "Desde a edição dessa lei que regula a captação e remessa para o exterior, apesar de várias situações difíceis pelas quais o país passou, poucas alterações foram feitas e nenhuma alterou a espinha dorsal da norma."

Relegada nos anos 70, a arbitragem estava mais presentes nos contratos e empréstimos internacionais contraídos pelas estatais, sempre com aval do Tesouro. A partir desse momento, nas décadas seguintes, passa a existir uma pressão para a validação dos contratos com cláusulas compromissórias. Na medida em que o país atua mais no mercado internacional e recebe mais investimentos, essa pressão começou a pedir uma estrutura jurídica que valide a utilização da arbitragem. "A Lei de Arbitragem tem no nascedouro uma pesquisa sobre o Judiciário, que foi favorável a essa solução, pois se demonstrou como sistema confiável", destaca Batista Martins.

Para o advogado, esse entendimento reconhece que a arbitragem ingressa como mecanismo essencial para o fluxo de capital estrangeiro no país, no plano do comércio internacional. A arbitragem cresceu em importância com a Lei 9.307/96, com iniciativa senador Marco Maciel (DEM-PE), em 1992. "Os empresários foram os primeiros a encampar a validade e eficácia da lei, mesmo antes da discussão sobre a constitucionalidade, pois não queriam esperar o Judiciário."

Martins acredita que o contexto atual do mercado abrange alta competitividade e agilidade empresarial, fatores que impossibilitam que uma disputa seja resolvida em três, quatro ou cinco anos no Poder Judiciário. "A culpa não é do Judiciário, pois a arbitragem de maneira nenhuma o substitui. Mas é impossível que uma empresa conviva com uma briga de sócios durante muito tempo, prejudica o andamento da empresa, que perde produtividade."

Investimentos direitos
A importância do capital estrangeiro é endossada pelo economista Roberto Teixeira da Costa, presidente da Câmara de Arbitragem do Mercado/Bovespa, que diz ser surpreendente que o Brasil continue sendo grande captador de capital estrangeiro a despeito do atual cenário mundial. "Até outubro deste ano, o país captou US$ 56 bilhões, em Investimento Estrangeiro Direto (IED). E, segundo a última estimativa, o IED deve somar US$ 60 bilhões ao final deste ano."

O economista reconhece a importância da arbitragem para dar confiança ao investidor. Para ele, o Brasil ainda atrai muito investidores pela a confiança na moeda, que também é fator relevante, e a "governança empresarial do país que está muito acima da Índia, China e Rússia. Estamos muito mais avançados", reforça Costa. Ele destaca ainda a previsibilidade para dar segurança ao investidor. "Ninguém vai para um país que não mantém as regras do jogo. As regras não podem ser alteradas." Além disso, ele destaca o fator tempo para dar segurança necessária ao investidor. "Não se pode conciliar o tempo do investidor de mercado com o tempo da Justiça."

O advogado Carlos Alberto Carmona, professor da Universidade de São Paulo (USP), acredita que não existe solução alternativa de litígios. "É preciso entender que existem mecanismos diferentes para litígios diferentes. O papel do Judiciário não é julgar de maneira fantástica todos os tipos de litígios." Carmona destaca ainda que o Judiciário deve apoiar esses mecanismos encontrados como ocorre com a mediação e conciliação.

Para o professor, os litígios societários não devem ir ao Poder Judiciário, pois os juízes não são preparados para julgá-los. "Os juízes devem julgar questões que interessam à sociedade, as questões que interessam aos particulares naturalmente são muito complexas e não podem ocupar no Judiciário lugar de questões que deveriam estar lá."

Na arbitragem, Carmona argumenta que é natural que aquele que cuida de uma única causa e está mais ligado às questões de comércio julgue melhor o conflito. "A perspectiva de um processo longo mostra que a arbitragem nos dá um mecanismo diferenciado, com responsabilidade e liberdade, para mudar parâmetros dos processos que conhecemos e são inadequados para solução de determinados conflitos."

A mudança de paradigma cultural, segundo o professor, depende muito do advogado, porque ele quem vai tranquilizar seu cliente. Carmona destaca que os advogados devem se informar mais. "Nesse momento, o advogado precisa saber escolher a câmara, ter informação necessária sobre onde vai resolver seu problema." Para ele, os advogados ainda não entenderam que ao firmar uma cláusula arbitral precisam saber quais são suas escolhas.
Líliam Raña é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 29 de novembro de 2011

sábado, 26 de novembro de 2011

"A busca da celeridade é o grande dilema do Judiciário"

Por Líliam Raña

A ação da Justiça tem contribuído para a melhoria da qualidade de vida da população. Mas se o Judiciário não encontrar meios para dar respostas mais rápidas às demandas da sociedade, ele não vai receber o reconhecimento pelo bom trabalho que faz. A opinião é do desembargador Fernando Antonio Maia da Cunha, presidente da Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, o segundo maior colegiado de segunda instância do país.

O TJ paulista cumpriu, até o dia 5 de novembro, 95% da Meta 2, solucionando todos os recursos que deram entrada na corte até 2006. "Pelas nossas estatísticas, vamos cumprir 99% da meta", afirma Maia da Cunha. "Este ano, julgamos muito mais do que o ano passado, e vamos julgar um número de recursos mais de 10% maior do que o de recursos que entraram no tribunal", prometeu, em entrevista à Consultor Jurídico.

O aumento da produtividade da Seção de Direito Privado e de todo o Tribunal de Justiça paulista teve como ponto de partida uma série de providências que culminou com a Resolução 542, de março de 2011. Editada pelo Órgão Especial, a norma definiu estratégias para acabar com o acervo de processos anteriores a 2006 e previu sanções administrativas para aqueles que, injustificadamente, não o fizessem.

Apesar das críticas e da resistência de muitos desembargadores, a cobrança mostrou bons resultados. Em oito meses, 95,2% dos 60.072 processos antigos receberam decisão. O desembargador Maia da Cunha teve influência decisiva na mudança da forma de gestão da corte. Ele sempre foi reconhecido pela metodologia aplicada na administração de seu gabinete, que o levou a zerar o acervo desde janeiro de 2007.

A redução do acervo, aliás, é um desafio constante que Maia da Cunha persegue por meio de estratégias que facilitem e agilizem o trabalho dos desembargadores. Pensando nisso, ele criou o Grupo de Apoio ao Direito Privado (Gapri), que faz todas as pesquisas de jurisprudência que os desembargadores precisam, além de editar boletins semanais. “Só a Seção de Direito Privado não tinha um grupo desses. Era um atraso”, destaca.

Quando assumiu a presidência da Seção de Direito Privado, tinha em seus planos a criação de súmulas que unificassem a jurisprudência. "Até janeiro de 2010,em 130 anos de existência, o Tribunal de Justiça não tinha uma única súmula", diz. Hoje, no entanto, são 62 súmulas só relacionadas ao Direito Privado.

A Seção de Direito Privado corresponde à metade do Tribunal de Justiça de São Paulo, tanto em número de integrantes como no volume de feitos em tramitação nos gabinetes. Com 190 desembargadores, quase 50 substitutos e 10 juízes convocados em três subseções é maior que qualquer outro Tribunal de Justiça do país.

O Conselho Nacional de Justiça “atendeu” a um desejo de Maia da Cunha. O desembargador procurava instrumentos que ajudassem a alavancar a conciliação em segunda instância. O Tribunal já contava, há dez anos, com um núcleo de conciliação, mas este não havia conquistado ainda a importância necessária. "Quando o CNJ baixou a Resolução 125, pensei: 'Isso veio como se eu tivesse pedido'."

Fernando Antonio Maia da Cunha, 60 anos, nasceu em Bauru, criou-se em Adamantina e formou-se em Direito pela Faculdade da Alta Paulista, de Tupã, em 1974. Sete anos depois, foi aprovado no concurso de ingresso á magistratura. Em 2004 foi promovido a juiz do Tribunal de Alçada Criminal e um ano depois, com a Emenda Constitucional 45, passou a desembargador do Tribunal de Justiça. De acordo com o Anuário da Justiça São Paulo 2011, "é um dos expoentes da nova geração de desembargadores empenhados na renovação, inserção e dinamização do TJ paulista."

Também participaram da entrevista os jornalistas Márcio Chaer, Maurício Cardoso e Lilian Matsuura.

Leia a entrevista:

ConJur — No início de dezembro termina o seu mandato à frente da Seção de Direito Privado do TJ-SP. O senhor pensa em se reeleger?
Maia da Cunha — Não. A possibilidade de reeleição existe, pois o regimento não veda. No entanto, na Seção de Direito Privado combinamos que a cada biênio o integrante de uma das subseções preside a Seção. O primeiro presidente foi o desembargador Ademir Benedito da Subseção 2, depois foi o Luiz Antonio [Rodrigues da Silva] da Subseção 3 e agora sou eu, representante da Subseção 1. Então, esta é a vez de um integrante da Subseção 2. A escolha é por eleição envolvendo todos os desembargadores da Seção.

ConJur — E por que não pode haver reeleição?
Maia da Cunha — A reeleição não faz sentido no Direito Privado. Nós somos 190 desembargadores e cada um pode fazer uma nova gestão de motivação, de ampliação e de melhoria. Não há motivo para alguém ficar quatro anos. Eleger a cada biênio o representante de uma subseção mantém a Seção unida. Antes, esta era uma Seção muito separada, porque foi formada por três tribunais distintos.

ConJur — Como foi a união dos três tribunais?
Maia da Cunha — Ela ocorreu com a soma do 1º TAC [Tribunal de Alçada Cível], do 2º TAC e do TJ, na parte de Direito Privado. Levou um tempo para conseguir unificar a Seção e tirar um pouco daqueles interesses personalizados de cada tribunal. Hoje a Seção é bem integrada, mas isto não foi um trabalho meu, foi de toda Seção. A união possibilitou que nós colocássemos no Órgão Especial oito dos 12 desembargadores que são eleitos. Sem as disputas internas, a Seção está maior e melhor, inclusive no relacionamento com as outras Seções.

ConJur — Quais foram os avanços da Seção de Direito Privado?
Maia da Cunha — Por conta desse começo de união dos três tribunais, a primeira gestão, do desembargador Ademir Benedito, ficou muito tempo trabalhando em temas que ainda eram próprios dos três tribunais que se unificaram. Isso tomou muito tempo e, ainda precisou lidar com a proposta de uma unificação de competências, ou seja, misturar tudo que estava formado e fazer novas cinco divisões de competência. Era a ideia de alguns e acabou consumindo grande tempo da gestão do desembargador Benedito, sem que isso tivesse dado certo, pois não era desejo da maioria das três subseções. Depois, o Luiz Antonio administrou a Seção, mas ainda havia outros problemas de três tribunais que igualmente consumiram grande tempo da gestão. As gestões dos meus antecessores ficaram com todos os problemas oriundos da unificação. Prometi que não mais discutiria divisões de competência. Uma vez eleito pela Seção pude, desde o início, aproveitar para cuidar dos 330 mil processos que tínhamos para julgar. Para mim voltar a falar de modificações de competência, naquele contexto, era perda de tempo.

ConJur — Qual foi o foco da sua gestão?
Maia da Cunha — Eu tinha três focos principais. A primeira voltada para tornar os julgamentos mais rápidos na Seção, além de encontrar um modo de resolver os seus problemas, principalmente de atraso nos julgamentos. A equação era difícil. De acordo com dados do CNJ, a produtividade dos desembargadores em São Paulo é uma vez e meia superior à média nacional. Além do que, a distribuição de novos processos não é possível de ser controlada. Antes, quando a distribuição era controlada, o processo levava cinco ou seis anos para ter um relator. Hoje os processos chegam ao Tribunal e são distribuídos.

ConJur — Qual foi sua estratégia para lidar com essa demora?
Maia da Cunha — Com base nessa dificuldade, pensei que nós teríamos de criar alguma coisa entre o desembargador e o jurisdicionado, para que se pudesse julgar mais no mesmo tempo e sem mexer na distribuição. Uma das fórmulas era a edição de súmulas, que não surtem um efeito imediato, mas com o tempo evitam novos processos e facilitam os julgamentos. Em seus 130 anos, o Tribunal de Justiça não tinha súmulas. Em janeiro de 2010, não havia uma súmula no tribunal. Nos 1º e 2º TACs existiam algumas súmulas e o Direito Público tinha alguns enunciados. Trabalhamos diretamente nisso, desde o início da gestão, e temos hoje mais 62 súmulas só das relacionadas ao Direito Privado. O tribunal tem ao todo 75 súmulas, que ainda é pouco, considerando que o Superior Tribunal de Justiça tem mais de 400 súmulas.

ConJur — As súmulas agilizaram e unificaram as decisões do tribunal?
Maia da Cunha — A unificação da jurisprudência é fundamental, mas não dá resultado imediato. A partir da súmula, o primeiro grau passa a utilizá-la para agilizar os julgamentos. Quando chega ao tribunal um recurso baseado na súmula, a preparação desse voto é muito simples, porque a sentença já vem ao encontro do pensamento do tribunal. Isso leva um tempo até se consolidar, mas acredito que hoje já produz bom resultado. Nos últimos anos, também criamos comissões de estudo e jurisprudência de cada subseção e formamos as turmas especiais, que hoje definem os conflitos de competência entre as suas próprias câmaras.

ConJur — Os advogados ainda reclamam da edição de súmulas?
Maia da Cunha — Os advogados reclamaram muito quando se criou no Supremo a Súmula Vinculante e no STJ a Lei de Recursos Repetitivos. Não acredito que isso gere qualquer prejuízo aos advogados e às partes. Pelo contrário. A segurança jurídica, o caminho sobre uma determinada matéria, um determinado entendimento, é fundamental para os advogados, desde a orientação ao cliente até o resultado da demanda, que não pode ser imprevisível quando se trata de questões pacificadas nos Tribunais. As súmulas permitem que cada um possa ter uma ideia muito próxima da realidade do que vai acontecer com o seu processo, caso ele decida entrar com a ação. Aumenta a segurança jurídica e vai diminuir o número de processos no primeiro e no segundo grau.

ConJur — Quais foram as suas outras metas?
Maia da Cunha — O segundo ponto foi a criação do Gapri [Grupo de Apoio ao Direito Privado]. O número de desembargadores é grande e quando eles precisavam de pesquisas de jurisprudência, tinham que pedir na biblioteca, que atendia o estado todo. Era um atraso. O Fórum João Mendes tem o Centro de Apoio aos Juízes há mais de dez anos. As varas da Fazenda Pública contam há mais de 12 anos com o Centro de Apoio aos Juízes da Fazenda. E a Seção de Direito Público também possui, há mais de dez anos, o Centro de Apoio ao Direito Público. Só o Direito Privado não tinha e sua criação foi muito difícil por conta de falta de funcionário, de espaço, etc. Mas, em agosto de 2010, inauguramos o Gapri, com a presença do ministro do Supremo Cezar Peluso [presidente do Supremo Tribunal Federal], que sempre foi do Direito Privado.

ConJur — Como funciona o grupo?
Maia da Cunha — Ele faz todas as pesquisas que os desembargadores precisam, edita boletins semanais e mensais com jurisprudência selecionada da nossa Seção, do STJ e do Supremo e encaminha a cada desembargador por e-mail. Para se ter uma ideia do tempo que perdíamos antes, quando saiu a modificação do Código de Processo Civil, do artigo 475-J, sobre a fase de execução da sentença, os desembargadores todos perderam dois meses estudando a mesma coisa para decidir os agravos. Se tivéssemos o Gapri, ele teria feito a compilação desses dados e encaminhado para os gabinetes. Nós não precisaríamos ter perdido dois meses estudando aquilo que foi, depois, uma conclusão quase unânime. O Gapri envia a todos os juízes de primeiro grau que se cadastraram a nossa jurisprudência atualizada e todos os boletins, o que considero fundamental para facilitar os julgamentos nas duas instâncias. Realizará até o final do ano quase dez palestras para os escreventes e assistentes sobre matérias da Seção, além de ter feito workshops sobre o melhor aproveitamento do SAJ [Sistema de Automação da Justiça] e julgamento virtual. Tem um acervo ainda pequeno de pesquisas temáticas, mas em 2012 investirá nessa área para facilitar o trabalho dos gabinetes. Eu considero que o Gapri foi uma conquista muito importante. Em alguns anos, o grupo será a alma da Seção de Direito Privado.

ConJur — Qual a estrutura do Gapri?
Maia da Cunha — No Estatuto do Gapri, independentemente do coordenador, que será sempre o presidente da Seção de Direito Privado — pois ele tem toda a facilidade de circulação no Palácio no âmbito administrativo —, o grupo tem nove Magistrados, três de cada subseção, sendo dois desembargadores e um juiz substituto. Penso que o Gapri foi uma conquista bem sucedida. Mas, se não fosse esse apoio de todos, dificilmente teria conseguido fazê-lo sozinho. O apoio que recebi durante a minha gestão criou um círculo virtuoso, em que você faz e os colegas vão gostando, e com isso estimulam, contribuem com ideias e sugestões. Isso acaba criando um conjunto muito bom.

ConJur — Quando os integrantes do Gapri se reúnem?
Maia da Cunha — Uma vez por mês, dependendo das circunstâncias. Nos reunimos no final da tarde no gabinete de um dos integrantes do grupo e colocamos a pauta em dia. Geralmente, duram pelo menos duas horas as nossas reuniões .

ConJur — Como é o relacionamento da presidência da Seção com os desembargadores?
Maia da Cunha — Reorganizamos o setor que cuida do processamento dos recursos especiais e extraordinários aos Tribunais Superiores, tendo sido a primeira Seção a assinar digitalmente os despachos de admissibilidade, que são em torno de 250 por dia útil. Com isso poupamos um tempo enorme do presidente, que passou a ser usado em prol da solução dos problemas diários dos desembargadores e juízes, a quem dei tratamento prioritário e urgente, respondendo imediatamente todas as ligações e tentando solucionar de forma rápida todas as dúvidas. Desde pequenas providências a presidência fez o que pode para poupar tempo dos magistrados, inclusive indo aos gabinetes dos colegas para que não precisassem perder tempo de irem ao Palácio solucionar problemas que precisavam ser conversados pessoalmente.

ConJur — Qual foi a terceira meta de sua gestão?
Maia da Cunha — Foi o setor de conciliação de segundo grau, que existe há mais de dez anos no tribunal. Ele foi criado originariamente por desembargadores aposentados que ainda tinham vontade de participar e ajudar. Fizeram isso na conciliação em segundo grau. Muitos advogados colaboraram. Ninguém dava muita importância para o efeito da conciliação na diminuição dos recursos. O setor tinha estrutura mínima, mas a ideia era alavancá-la. Eu pensava nisso há 12 anos, desde a época em que eu trabalhava no Fórum João Mendes. Então, veio a Resolução do CNJ, de 2010 [que dispõe sobre a política judiciária para solução alternativa de conflitos], e pensei: “Isso veio quase como se eu tivesse pedido.” O tribunal ainda tem muita resistência às novidades. Isso é próprio do juiz, e eu me incluo, porque fomos criados nessa concepção de cuidado, de cautela, de prudência, de medo de errar. O medo de errar fez com que o tribunal se atrasasse. Como se fosse tão difícil dizer: “Olha, esse não era o melhor caminho mesmo. Então, fecha-se esse caminho e vamos agora por aqui.”.

ConJur — A Resolução do CNJ ajudou a agilizar a instalação do Centro de Conciliação?
Maia da Cunha — Quando veio a Resolução 125, fui ao presidente Viana Santos e disse: “Presidente, nós temos que fazer isso. E temos que fazer isso em primeiro lugar.” Expliquei que o percentual de acordos na conciliação feito pelo tribunal era de 20%. Isto ocorria na conciliação feita pelos desembargadores e advogados aposentados, por mais de dez anos, que não ganhavam, nem ganham um centavo para o trabalho que desenvolvem com cuidado e zelo. Se tivéssemos capacidade de fazer mil conciliações, faríamos 20% de mil acordos. Fiz um projeto ousado e criamos um Núcleo, que era obrigatório pela Resolução 125, e transformamos o setor de conciliação no Centro Judiciário de Conciliação. E passou a ter a atenção que há muito tempo merecia.

ConJur — Quais foram os obstáculos para instalação do Centro de Conciliação?
Maia da Cunha — Não foi fácil. A nossa resolução, do provimento do Conselho que cria um núcleo e o centro, é de fevereiro de 2011. Estava tudo pronto para funcionar, mas o presidente Viana Santos morreu e, com isso, até a nova eleição, os projetos foram adiados. Inauguramos o Centro de Conciliação em Segundo Grau com a presença da Ministra Eliana Calmon e agora vamos inaugurar as novas instalações, no 18º andar do Fórum João Mendes, com capacidade para 2.500 audiências por mês. Se for mantida a produtividade de 20% de acordos, significa que teremos 500 acordos por mês, 6 mil por ano. Mas a ideia é chegar a 50% de acordos. E, para isto, basta que nós tenhamos o endereço das partes para intimá-las pessoalmente a comparecer na audiência, e não só os advogados. Fizemos testes durante seis meses e chegamos a essa conclusão que ou intimamos as partes ou não vamos melhorar o percentual de acordo. Isso ocorre porque o advogado tem uma série de afazeres e talvez não acredite muito na conciliação de segundo grau. Ainda, ele não consegue tempo para conversar mais com o cliente. Quando você intima a parte, e isso está estatisticamente comprovado, ela vem. Além de querer resolver o problema, quando é feita a proposta ela pensa: “Bom, se eu estou esperando há quatro ou cinco anos, não sei nem se eu tenho direito a mais ou a menos, mas acontece que esse dinheiro hoje para mim é bom.”

ConJur — Quais processos são selecionados para conciliação?
Maia da Cunha — Nós começamos a fazer pelos mais antigos ou por aqueles que manifestam a intenção de fazer acordo. Estamos agora montando a estrutura de informática que vai unificar o estado todo. Nem todas as cidades fazem parte desse sistema unificado. O programa também precisa ser aprimorado, para exigir no cadastro informações como o nomes das partes e o seu endereço. Vamos fazer isso em duas frentes, afinal o tribunal tem hoje 500 mil processos. Quando o processo chega vamos cadastrar o endereço das partes e, quem já usa o sistema integrado com o segundo grau, preenche o endereço lá. Parece simples, mas o impacto operacional é grande pelo número processos — um universo de milhares de processos que chegam todo dia. Incluir essa informação no cadastro, sem correspondente aumento de recursos humanos, acarreta um atraso de 20% na distribuição dos recursos.

ConJur — Como se evitaria esse atraso?
Maia da Cunha — Seria simples e não muito difícil. Basta colocar um funcionário a mais em cada lugar ou 20% a mais. Isto não causaria retardamento da distribuição. O problema é que para colocar funcionários precisa de dinheiro, de verba, de orçamento. Mas não estamos falando de poucos pela grandiosidade dos números de processos que chegam ao tribunal. Há expectativa de que a Secretaria Judiciária seja prioridade para 2012 e com isso poderemos resolver boa parte dos problemas.

ConJur — Qual foi o impacto da conciliação no número de processos?
Maia da Cunha — Nós fazemos 2.500 audiências por mês e se tivermos 40% de acordos, são 12 mil recursos resolvidos por ano. Em cinco anos reduziríamos o acervo em 60 mil processos sem acrescentar trabalho ao desembargador. Estamos terminando a estrutura do sistema, porque não há como desprezar números tão significativos. E é uma pena que não tenhamos visto isso cinco anos atrás.

ConJur — A corte acaba de inaugurar o Centro de Conciliação na Barra Funda. Este não cuidará dos processos da segunda instância?
Maia da Cunha — Não. O Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania cuidará da primeira instância com essa mesma filosofia, de que é uma forma muito produtiva de solução de conflito.

ConJur — A conciliação é, portanto, o caminho para o Judiciário?
Maia da Cunha — Eu acredito que ajuda o jurisdicionado, melhora muito a vida da população, mas não estou certo de que diminui o número de ações. O tempo dirá. Quando formamos o Juizado Especial de pequenas causas, esperava-se que a Justiça comum tivesse uma redução de trabalho. Não aconteceu isso. O Juizado atingiu uma população que era excluída do Judiciário, por vários motivos. Ele achava caro, demorado, precisava contratar advogado, etc. Então, nada do que foi para o Juizado saiu da justiça comum. E pode acontecer que nos próximos dois, três ou quatro anos isso aconteça com a conciliação. Nós vamos fazer lá milhares de acordos e pode não haver redução de ações porque vai atingir um público que não entraria com a ação nem no juizado e nem na justiça comum. São os conflitos menores que o cidadão pensa: “Lá eu vou.” E vai lá, chama a outra parte e resolve. Mas ele não entraria com a ação. Eu tenho a impressão que só daqui cinco ou seis anos, vamos sentir a diminuição da demanda contida, já absorvida.

ConJur — Mas, para a população, vai melhorar, já?
Maia da Cunha — Essa é uma história que faz parte desse contexto, porque o judiciário tem melhorado a vida da população ao longo desses últimos anos. O reconhecimento da população, porém, é mais difícil. Uma das explicações que eu encontro é que a demora impede o reconhecimento da qualidade no judiciário. Nós demoramos muito. Dez anos depois é indecente julgar. Cinco anos depois, essa pessoa fala: “Que bom que reconheceram meu direito. Já deviam ter feito isso há mais tempo”. Eu creio que ou o judiciário encontra uma forma de julgar mais rápido ou, por mais alguns anos, não vamos ter o respeito que nós já teríamos da população se estivéssemos julgando mais depressa. “Justiça e celeridade: a busca da razoável duração do processo”. Penso que este é o nosso grande dilema e o sentimento que hoje está na alma da maioria dos magistrados que integram o Tribunal de Justiça de São Paulo.
Líliam Raña é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 20 de novembro de 2011

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Ex-vereador condenado a indenizar promotor de justiça

(23.11.11)

O comerciante e ex-vereador Rui Baierle (PDT), de Santa Cruz do Sul, foi condenado pela 9ª Câmara Cível do TJRS a reparar financeiramente, por dano moral, o promotor de justiça Francisco Luiz da Rocha Simões Pires, ex-subsecretário de Estado do Meio Ambiente, agora aposentado.

A indenização - concedida, na sentença, na cifra de R$ 5 mil - foi majorada para R$ 10 mil.

Na inicial, Simões Pires afirma que "se sentiu ofendido em sua honra pela manifestação de Baierle, em 4 de junho de 2005, em tribuna - na época vereador - ao ser atacado com a pecha de ´incompetente e andarilho´, conforme publicado no jornal, ´O Estado Gaúcho, de circulação regional".

Ainda segundo Simões Pires, "o requerido Rui Baierle, na condição de vereador, foi processado pelo Ministério Público em função do exercício irregular da função pública, de modo que a manifestação em plenário foi um ato de vingança pessoal".

O demandado contestou, confirmando sua manifestação na tribuna, porém negando o desejo de macular a honra do autor. Afirmou que a crítica exercida durante o mandato legislativo "se dirigia à atuação excessiva do autor, enquanto representante do Ministério Público, pelos prejuízos que estava causando às pessoas investigadas e processadas".

O juiz Cleber Augusto Tonial entendeu que "quanto à imunidade parlamentar, ela não incide quando o
vereador desborda dos limites de suas funções". O vencido recorreu e o autor apresentou recurso adesivo.

Na 9ª Câmara do TJ gaúcho, o relator - juiz convocado Roberto Carvalho Fraga - reconheceu ter havido "manifestação desabonatória em sessão legislativa acerca da pessoa do promotor requerente" e afastou a imunidade parlamentar. Entendendo que a cifra fixada em primeiro grau fora "tímida", a Câmara dobrou o valor.

Em nome do autor da ação atuam os advogados Theobaldo Spengler, Fabiana Marion Spengler e Fernando Pritsch. A condenação transitou ontem (22) em julgado. Desde o ajuizamento da ação (junho de 2006) até agora, decorreram cinco anos e meio. (Proc. nº 70035651447).


Publicado no Espaço Vital, dia 23.11.2011

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Juiz condena filho a devolver pensão

O juiz da 11ª Vara de Família de Belo Horizonte, Valdir Ataíde Guimarães, condenou um filho a restituir ao pai valores de pensão recebidos após ter atingido a maioridade. Ele explica que a obrigação alimentar do genitor, fundamentada no poder familiar, não mais vigora a partir do momento em que o filho alcança a maioridade civil e os pagamentos efetuados na maioridade são indevidos.

O pai, 46 anos, com rendimento bruto de R$1.040 mil, entrou com a ação de exoneração de alimentos, alegando que 20% dos seus rendimentos são destinados à pensão do filho de 19 anos. Para ele, como o filho já completou a maioridade, a sua obrigação de pagar os alimentos deve cessar.

O filho declarou que é estudante, pobre e mora de aluguel. Ele acredita que o pai tem a obrigação de perseguir a profissionalização do filho, apoiando a continuidade dos seus estudos, como dever de solidariedade familiar, mesmo tendo atingido a maioridade, até que ele consiga emprego. Alegou que ficará marcado em seu mundo psíquico e emocional o resto de sua vida, pela pouca receptividade e o descaso, numa hora da maior necessidade, a ausência paterna.

O juiz explicou que a jurisprudência predominante nas decisões de tribunais superiores aponta para que o dever da prestação de alimentos não deve cessar automaticamente, logo quando o alimentado completa a maioridade, porque ele deve comprovar a impossibilidade de se sustentar e ainda porque subsiste o dever de prestar alimentos com base no parentesco. Porém, para o juiz Valdir Ataíde, não é justo generalizar a norma sem levar em conta a situação, inclusive econômica, também da parte que paga a pensão. Não é essa a finalidade social a que se destina a lei, comenta. Para ele, a norma nivela por cima os alimentantes, como se todos fossem ricos, e frisou que não é essa a situação da maioria dos clientes nas demandas judiciais, e não seria qualquer receita que habilitaria o pai custear gasto de filho maior.

O juiz ainda observou que a obrigação alimentar de parentesco pode durar por toda uma vida e pode ser prestada de forma in natura , não necessariamente com desencaixe financeiro. Constatou que o filho não comprovou no processo eventual incapacidade para o trabalho e nem justificou a razão de estar ainda cursando a 3ª série do ensino médio. De acordo com o processo, ele é maior, capaz e igual a qualquer outro.

Portanto, justa e coerente a restituição, caso contrário seria louvar o enriquecimento sem causa, concluiu Valdir Ataíde, seguindo o mesmo entendimento em decisão do TJDFT: Constitui enriquecimento indevido do filho que atingiu a maioridade civil, descontar verba alimentar do genitor, com fundamento no poder familiar, que não mais vigora.

Essa decisão de 1ª Instância está sujeita a recurso.

Assessoria de Comunicação Institucional – Ascom

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A difícil busca por um Judiciário mais rápido

Data: 21.11.11

Lutando para julgar processos que ingressaram ainda no início da década passada, a Justiça brasileira deve levar pelo menos dez anos para eliminar de seus balcões os processos de papel. Ao substitui-los por documentos virtuais, acessíveis de qualquer canto do país pela Internet, ficará - alegadamente - mais fácil atingir metas como as definidas na sexta-feira (18) no 5º Encontro Nacional do Judiciário, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça, em Porto Alegre.

Em São Paulo - sem ter participado do evento em Porto Alegre, o desembargador Fernando Antonio Maia da Cunha, presidente da Seção de Direito Privado do TJ-SP, o segundo maior colegiado de segunda instância do país, disse que "a ação da Justiça tem contribuído para a melhoria da qualidade de vida da população".

Mas alertou que "se o Judiciário não encontrar meios para dar respostas mais rápidas às demandas da sociedade, ele não vai receber o reconhecimento pelo bom trabalho que faz". As declarações foram prestadas ao saite Consultor Jurídico.

Detalhes

* No país, hoje tramitam 85 milhões de processos judiciais. A virtualização – tornar eletrônicos os processos – é, segundo o CNJ, um aliado poderoso para reduzir o tempo de espera por uma decisão. "A ideia é que não faça diferença para o cidadão se a Justiça é do Trabalho, estadual, se é em Rondônia ou em Santa Catarina" – disse o juiz-auxiliar da presidência do CNJ Antônio Carlos Alves Braga Junior.

* No RS, até o final do ano de 2014 todos os novos processos já deverão tramitar em formato digital. Porém, o presidente do TJ gaúcho, desembargador Leo Lima, não estima prazo para digitalizar o estoque atual de 4 milhões de processos. A prioridade é reduzir o número, com um quadro de servidores enxuto.

* Antes de atingir um nível ideal de informatização, a Justiça brasileira tem outros desafios. Um deles é reduzir o estoque de execuções a serem encerradas – processos já julgados que dependem apenas de execução (geralmente, o pagamento do débito pela parte vencida). Em torno de 27 milhões do total de 85 milhões de processos em aberto estão nesta situação. "Resolver uma execução exige localizar pessoas, os devedores, e localizar bens. Muitos processos ficam parados por algo que não depende da Justiça" – explicou Braga Junior. Ele afirma também que "destas execuções, cerca de 25 milhões são fiscais, de tributos, que eventualmente o Executivo poderia cobrar administrativamente".

* O presidente do STF e do CNJ, Cezar Peluso, defende emenda à Constituição limitando o número de recursos judiciais – o que aceleraria os julgamentos –, mas ressaltou que as metas aprovadas ontem não dependem de mudanças na lei.

* Segundo recente matéria veiculada pelo Jornal da Ordem (OAB-RS), conforme o presidente da entidade gaúcha, "o Poder Judiciário como um todo não dá mais conta da demanda, estando à beira do colapso e as Varas da Fazenda Pública são reflexos destes problemas de prestação jurisdicional, já que estão sofrendo uma sobrecarga de processos, além da demora na liberação de alvarás".


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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Judiciário não foi feito para tratar de casos de massa

Por Pablo Cerdeira

É preciso separar justiça de Judiciário. Uma Nova Justiça não depende apenas deste. Depende também dos outros poderes e da sociedade, todos eles atores de um conjunto maior. Já tratamos disso anteriormente. E volto ao tema.

Se analisarmos o volume de processos do nosso Poder Judiciário, veremos que os Juizados Especiais têm um papel extremamente relevante. Segundo o Justiça em Números de 2010, elaborado e publicado pelo Conselho Nacional de Justiça, enquanto a Justiça Estadual de primeiro grau recebeu 7,6 milhões de casos novos naquele ano, os Juizados Especiais Estaduais receberam 3,5 milhões. Essa conta é ainda mais relevante na Justiça Federal. Foram 466 mil casos novos na Justiça Federal comum contra 1,3 milhão nos Juizados Especiais Federais.

É preciso fazer uma consideração. A Justiça Estadual tem competência residual. Ou seja, tudo que não é de competência das outras justiças acaba nela. Por isso, o espectro da natureza processual na Justiça Estadual é muito amplo. São brigas de vizinhos, questões empresariais, casos penais, tributários contra estados e municípios, Lei Maria da Penha e tudo o mais. De outro lado, os casos de Juizados Especiais Estaduais são praticamente todos relacionados a questões de consumo.

Pois bem. Chegamos ao ponto. O maior volume de processos em nosso Poder Judiciário hoje é relacionado a empresas prestadoras de serviços de interesse público (água, luz, telefone) ou de serviços financeiros (bancos, financiadoras e cartões de crédito). Também somam a essa conta as empresas de varejo de massa. Apenas algumas poucas empresas concentram boa parte da litigância nacional. São os casos que chamamos "de massa".

E aí vem a pergunta. Deve nosso Poder Judiciário dedicar boa parte de seus esforços para resolver questões repetitivas, de massa mesmo? Ou isso deveria ser resolvido em outras esferas? Pelas agências reguladoras, ou por órgãos de defesa do consumidor?

Minha posição é: não devem ser resolvidas pelo Poder Judiciário, não. E isso por algumas razões.

A primeira delas é que o Poder Judiciário não foi feito para tratar de questões de massa. Nossas regras processuais são muito burocráticas para isso. São importantes para questões complexas, que envolvem perícias, testemunhos, prova e contra-prova. Decisão e recurso. Mas para questões de massa, como as de consumo nos Juizados Especiais, elas não são adequadas. Mesmo no procedimento mais simplificado adotado nos JECs.

O outro ponto negativo de se deixar apenas com o Judiciário a solução de todas essas questões é que o juiz deve julgar cada caso isoladamente. Ele não pode, nem deve, só porque uma empresa está com altos índices de litigância, se deixar influenciar por isso. Sua decisão deve se ater àquilo que o processo mostra.

E mais. O juiz não dispõe das ferramentas adequadas para, a partir das reclamações, definir políticas públicas com o fim de sanar o problema. Seus recursos, muitas vezes, podem se voltar contra o próprio sistema judicial. Exemplo disso são as multas que um magistrado pode aplicar nos casos de consumo. Alguém diria: "Poxa, basta que os juízes passem a aplicar multas altas para que as empresas mudem seu comportamento." Isso não é verdade. Apesar de ainda não termos os números disponíveis, já se detectou, nos JECs do Rio de Janeiro, que o aumento na multa — que é revertida para o autor do processo — faz com que o número de processos aumente. A lógica é simples. Quando o Judiciário concede multas mais altas em favor dos autores dos processos, os vizinhos, os parentes, os conhecidos, enfim, veem ali uma oportunidade para ganhar uma bolada sem muito esforço. É uma lógica cruel para com o sistema. Mas é assim que funciona.

A solução para os processos de massa passa por uma mudança profunda. Os casos precisam ser tratados como de massa. As penas precisam ser duras, mas não podem estimular a litigância artificial. É preciso agir preventivamente, e não apenas depois que o problema está consolidado — ou seja, já absorvido como despesa pelas empresas.

E a tendência, caso o atual modelo seja mantido, é o aumento do número de processos em juizados. Conforme pesquisa recente da FGV, a melhora na distribuição de renda dos últimos anos fez com que as classes A, B e C, que representavam menos de 50% da população em 2003, hoje respondam por 75,5%. Classe C é consumidora. E muito consumidora. Quando alguém da Classe C compra uma geladeira, em geral, estabelece mais de uma relação de consumo: há uma com a loja que vendeu o produto e outra com a instituição financeira que vendeu o crédito. Ou seja, melhor distribuição de renda significa mais consumidores. E mais consumidores geram mais processos de Juizados Especiais.

Podemos esperar, portanto, que o número de processos de consumo em Juizados Especiais continue a crescer, em ritmo mais acelerado que o crescimento da economia, na medida em que a distribuição de renda continue a melhorar.

A solução para esse problema não poderá ser dada pelo Judiciário isoladamente. É preciso que os outros atores venham à cena.

Um bom exemplo de ação que pode melhorar esse cenário foi dado recentemente pela cidade do Rio de Janeiro, com a criação do Procon municipal. Será o maior Procon municipal do país, já que São Paulo só conta com um Estadual. Este parece ser um caminho interessante. Se bem estruturado, o Procon tem capacidade de ser um grande aliado do Poder Judiciário na redução do número de casos repetitivos.

Os demais grandes municípios do país deveriam se espelhar no exemplo dado pela cidade do Rio de Janeiro, instalando e estruturando seus Procons. O Judiciário e a sociedade agradeceriam.

Pablo Cerdeira é advogado e professor de Evolução, Aperfeiçoamento e Reforma da Justiça na Escola de Direito do Rio de Janeiro da FGV. Atuou como gestor de projetos como "Justiça sem Papel" e "Prêmio Innovare".

Revista Consultor Jurídico, 16 de novembro de 2011

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Tem livro novo na parada! Dessa vez sobre JUSTIÇA RESTAURATIVA E MEDIAÇÃO



SPENGLER, Fabiana Marion. LUCAS, Doglas César. Justiça restaurativa e mediação: políticas Públicas no tratamento dos conflitos sociais. Ijuí: UNijuí, 2011.

É possível comprar pela página da Livraria Cultura ou pela página da Editora UNIJUI (http://www.unijui.edu.br/component/option,com_wrapper/Itemid,3172/lang,iso-8859-1/)

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Justiça Estadual lança projeto de conciliação pré-processual "Quero Conciliar Consumidor"

A Central de Conciliação e Mediação em 1º Grau do TJRS lança esta semana o projeto Quero Conciliar Consumidor. Trata-se de iniciativa pré-processual, na área de direito do consumidor, cujo objetivo é resolver conflitos de forma amigável, antes do ajuizamento de processos. As empresas NET, Claro, Vivo, Unimed, CDL e Praticard já assinaram o termo de adesão ao projeto, dispondo-se a comparecer para tentar prevenir litígios.

Segundo o Juiz Daniel Englert Barbosa, Coordenador da Central de Mediação e Conciliação em 1º Grau do TJRS, haverá audiência de tentativa de conciliação. Uma vez realizado o acordo e homologado, ele terá força de título executivo judicial. Se não houver acordo, caberá à parte interessada ajuizar um pedido no juízo competente.

Para participar do projeto, é necessário respeitar o limite de valor do Juizado Especial Cível (40 salários mínimos nacionais). Não há cobrança de custas para tentar conciliar através deste projeto.

A medida apresenta facilidades para advogados, que poderão remeter o formulário de adesão por e-mail, junto com a cópia da procuração. Com base nesse procedimento, será marcada a data para audiência, a qual será informada pela via eletrônica. No entanto, a presença física da parte é necessária no ato da solenidade.

O Juiz-Coordenador da Central de Mediação e Conciliação de 1º Grau do TJRS ressalta que, além desses fornecedores que já aderiram ao Projeto, toda pessoa jurídica que tiver interesse poderá entrar em contato para aderir ao Projeto. E, caso o consumidor queira tentar a conciliação com empresa que ainda não aderiu, a própria Central tentará contato para verificar a possibilidade de comparecimento.

Os interessados em participar do Quero Conciliar Consumidor poderão comparecer diretamente na Central de Conciliação e Mediação do 1º Grau (Av. Borges de Medeiros, 1945, 8º andar, sala 802). Outras informações podem ser obtidas pelo e-mail cjconciliacao@tj.rs.gov.br ou telefone 32106500, ramal 1078.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Ellen Gracie discute arbitragem em seminário em SP

O Seminário Internacional de Arbitragem em Seguro e Resseguro, que acontece no dia 10de novembro, no Hotel Grand Hyatt, em São Paulo, contará com a presença da ministra recém-aposentada do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie. Em sua palestra, a ministra vai discutir o tema: "A Validade dos Laudos Arbitrais no Sistema Jurídico Brasileiro”. Ela vai analisar o reconhecimento e a execução dos laudos arbitrais estrangeiros no país.

Ellen Gracie foi a primeira mulher a presidir um dos Poderes da República, ao assumir o comando do STF e do Conselho Nacional de Justiça, entre 2006 e 2008. Advogada especialista em Direito Civil, ela já integrou o Ministério Público Federal e o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul. Também presidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, de 1997 e 1999.

Além da ministra, o Seminário Internacional de Arbitragem em Seguro e Resseguro contará com a participação de dois especialistas estrangeiros experientes em complexos litígios em resseguros, que apresentarão casos práticos de arbitragem. Peter Hirst, advogado admitido na Inglaterra e no País de Gales, abordará o tema “Mediação e Arbitragem no mercado londrino”. Já Diane Westwood, advogada admitida em Nova York e Connecticut, apresentará a “Mediação e Arbitragem nos Estados Unidos”.

Outras informações sobre o seminário podem ser obtidas pelo telefone (11) 3889-8996 ou pelo e-mail: lais@ssaadv.com.br.

Revista Consultor Jurídico, 2 de novembro de 2011

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domingo, 30 de outubro de 2011

Os miseráveis não têm outro Remédio a não ser a esperança.

Willian Shakespeare

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Acordando a gente se entende!!!

Divisão dos bens de falecido entre suas duas companheiras

Espaço Vital Data: 27.10.11

A juíza da 3ª Vara de Família, Sucessões e Cível da Comarca de Goiânia (GO), Sirlei Martins da Costa, homologou acordo firmado entre duas mulheres companheiras do mesmo marido, já falecido, e determinou que o seguro de vida seja dividido igualmente. O homem faleceu em junho de 2010 e cada uma das mulheres entrou com uma ação de reconhecimento de união estável no juizado, com a intenção de receber o seguro de vida e a pensão previdenciária deixada por ele.

Segundo os autos, as companheiras do homem mantiveram união estável com ele ao mesmo tempo, sem que uma soubesse da existência da outra.

As mulheres concordaram em dividir os bens do falecido e o seguro de vida deixado por ele. O homem era motorista de ônibus e pela profissão precisava se ausentar de casa com frequência, em função de viagens. Isso lhe permitiu manter uniões paralelas sem o conhecimento das famílias envolvidas.

O Código Civil prevê em seu artigo 1.723 que, para determinar se uma união é estável, é necessária “a convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Baseada no dispositivo, a magistrada entendeu que as duas mulheres mantiveram relacionamento duradouro com o falecido.

“Ambas as autoras juntaram documentos firmados pelos locadores dos imóveis em que viveram com o falecido, comprovando a convivência comum, sob o mesmo teto, durante anos”, pontuou a sentença.

Para a juíza, as duas mulheres viveram de forma ética e de acordo com o comportamento afetivo imposto pelo Direito, porque cada uma se relacionava com o falecido sem conhecer a outra. “O transgressor da boa-fé, o único que poderia, portanto, sofrer as consequências de seu comportamento desviado, faleceu”, explicou a magistrada. (Com informações do TJ-GO)

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terça-feira, 25 de outubro de 2011

“Os problemas não estão nos artigos da Constituição”

Por Néviton Guedes

“Você não precisa de muitos heróis se você escolhe cuidadosamente”, disse John Hart Ely, célebre jurista norte-americano, para honrar a memória de Earl Warren, presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos, nas décadas de 1950 e 1960. No Brasil, alegando falta de heróis, não nos envergonhamos de celebrizar todos os dias gente cuja maior contribuição à humanidade jamais ultrapassará as quatro linhas de um campo de futebol, ou os 15 minutos de fama que lhes confere a tela plana das televisões, ou dos computadores. Contudo, num país cuja história é, desde suas origens, protagonizada por personagens como Anchieta, Zumbi dos Palmares, Tiradentes, Ruy Barbosa, José Bonifácio, Machado de Assis, Oswaldo Cruz, Villa-Lobos, Irmã Dulce e Juscelino Kubitschek, talvez fosse o caso de escolhermos um pouco mais cuidadosamente os nossos ícones.

A propósito, 19 de outubro de 2011 há de ser lembrado, por todos os juristas que se comprometeram com o aperfeiçoamento democrático e com a concretização da Constituição de 1988, como o dia em que o famoso constitucionalista português José Joaquim Gomes Canotilho, um grande amigo do Brasil, cessa suas funções como professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

O notável professor edificou uma vida voltada ao estudo do Direito, onde o que mais ressalta é o compromisso permanentemente renovado com a dignidade da pessoa humana, com a consolidação da democracia e com a efetivação dos direitos fundamentais. Herdeiro da tradição iluminista, sempre confiante na capacidade do homem de conformar o próprio destino, Canotilho acabou tendo profunda influência no desenvolvimento do Direito Constitucional que se ensina nas Academias brasileiras e que tem aplicação em nossos tribunais. Divergindo de um antigo costume de intelectuais estrangeiros, entretanto, jamais ministrou conselhos, ou receitas, para os nossos problemas. Ao contrário, vezes sem conta, repetiu lá fora que via nos juristas brasileiros o que havia de mais criativo no estudo do Direito Constitucional e, comprovando essa admiração, dedicou a sua principal obra, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, aos seus alunos brasileiros.

Nada mais adequado, pois, do que prestar uma justa homenagem ao professor Canotilho, precisamente, no momento em que a Constituição de 1988 se vê ameaçada por mal explicadas propostas de assembléias constituintes. A Constituição brasileira, no resumo do grande jurista português, “foi um grito de modernidade ouvido trinta anos depois da criação de Brasília, um estatuto de contraste com a ditadura da qual o país se libertou.” Mas a nossa Constituição, como qualquer outra, lembra o mestre português, não tem capacidade suficiente, só por si, para fazer transformações sociais. Portanto, “o desencanto que pode haver, embora se debite à Constituição, é, na verdade, com os agentes concretos da vida do país. Os problemas estão nas ruas do país, não nos artigos da Constituição”.

Talvez seja essa a lição menos compreendida do mestre português: a Constituição não cria o paraíso pelo simples fato de existir, pois, aqui, como no Fausto do Goethe, a vida e a liberdade não são dádivas atribuídas por qualquer governo, ou documento escrito, e só as fazem por merecer os povos que as tem de conquistar todos os dias.
Néviton Guedes é desembargador federal do TRF da 1ª Região e Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.

Revista Consultor Jurídico, 24 de outubro de 2011

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domingo, 23 de outubro de 2011

Limites do ativismo

23 de outubro de 2011

“Política pública não pode ser decidida por tribunal”

Por Rogério Barbosa


O Poder Judiciário precisa refletir sobre seu avanço diante das atribuições dos outros dois Poderes da República. Na implementação de políticas públicas, por exemplo, a Justiça pode até ter uma participação complementar, mas nunca atuar como protagonista em ações típicas dos Poderes Legislativo e Executivo. A opinião é de um dos maiores estudiosos de Direito Constitucional do mundo, o professor da renomada Universidade de Coimbra José Joaquim Gomes Canotilho — ou apenas J. J. Canotilho, como gosta de ser chamado.

O jurista, que tem em seu currículo o fato de ser um dos autores da Constituição de Portugal, é um crítico da ampliação do controle do Poder Judiciário sobre os demais poderes, principalmente na esfera da efetivação de direitos que dependem de políticas públicas, o que se convencionou chamar de ativismo judicial: “Pedir ao Judiciário que exerça alguma função de ordem econômica, cultural ou social é pedir ao órgão que exerça uma função para a qual não está funcionalmente adequado”.

J. J. Canotilho recebeu a revista Consultor Jurídico para uma breve entrevista em São Paulo, por onde passou para participar da entrega do Prêmio Mendes Júnior de Monografias Jurídicas, promovido pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Além fazer observações sobre ativismo, ele também fez ressalvas sobre o mecanismo de Repercussão Geral aplicado pelo Supremo Tribunal Federal no Brasil.

O professor ainda revelou que há coisas que aproximam bem a Justiça portuguesa da brasileira. Por exemplo, o fato de processos em Portugal poderem percorrer até cinco instâncias para, enfim, chegarem a uma conclusão. O jurista ainda falou sobre as metas do Conselho Nacional de Justiça e considerou questionável a intenção da presidente Dilma Roussef de flexibilizar patentes. “A flexibilização é muito perigosa porque pode significar a quebra de patente”, disse. Para o professor, as empresas têm direito de exploração econômica, por certo período, por ter inventado um produto. É uma garantia constitucional que não deve ser violada a não ser em casos de extremo interesse público.

Aos 68 anos, Canotilho é considerado um dos papas do Direito Constitucional da atualidade, citado com frequência por ministros do Supremo Tribunal Federal. É doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, professor visitante da Faculdade de Direito da Universidade de Macau e autor de obras clássicas como Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador e Direito Constitucional e Teoria da Constituição.

Leia a entrevista

ConJur — Recentemente, o senhor participou de um debate em que se discutiu o ativismo judicial. Qual a sua opinião sobre o assunto?
J. J. Canotilho — Não sou um dos maiores simpatizantes do ativismo judicial. Entendo que a política é feita por cidadãos que questionam, criticam e apontam problemas. Os juízes nunca fizeram revoluções. Eles aprofundaram aplicações de princípios, contribuíram para a estabilidade do Estado de Direito, da ordem democrática, mas nunca promoveram revoluções. E, portanto, pedir ao Judiciário que exerça alguma função de ordem econômica, cultural, social, e assim por diante, é pedir ao órgão que exerça uma função para a qual não está funcionalmente adequado.

ConJur — No Brasil, há uma enxurrada de ações e determinações judiciais para que o Estado forneça remédios para quem não pode comprá-los. Como o Judiciário deve atuar quando o Estado não põe em prática as políticas públicas?
J. J. Canotilho — As políticas públicas não podem ser decididas pelos tribunais, mas pelos órgãos socialmente conformadores da Constituição. Mas é fato que existem medicamentos raros e certa falta de compreensão para situações especificas de alguns doentes. Isso põe em causa a defesa do bem da vida. Os tribunais devem ter legitimação para solucionar um problema desses. É um problema de Justiça e o valor que está a ser invocado é indiscutível: o bem da vida.

ConJur — O senhor afirma que as políticas públicas não devem ser decididas pelo Judiciário. Mas, uma vez que passam a representar uma demanda que a Justiça não tem como deixar de enfrentar, qual a melhor forma de equalizar esta questão?
J. J. Canotilho — O Judiciário precisa enxergar o seu papel nessa questão. Ele pode ter uma participação, mas tem que complementar, e não ser protagonista. Até porque, quando determina a entrega de um medicamento a um cidadão, ele não está resolvendo o problema da saúde. Ele não tem o poder, a incumbência e não é o mais apropriado para a solução das políticas públicas sociais. Os que são responsáveis são os órgãos com responsabilidade política dos serviços de saúde, desde o Legislativo ao Executivo.

ConJur — Qual a sua opinião sobre o mecanismo da Repercussão Geral, criada para filtrar a subida de recursos e para pacificar em todo o Judiciário os posicionamentos do Supremo Tribunal Federal?
J. J. Canotilho — É uma das perguntas a que não sei responder. Porque, no fundo, o apelo à Repercussão Geral é, de certo modo, uma urgência de sintonizar as decisões judiciais — que são muitas — com a República e com os cidadãos. Nessa medida, entendo que o Supremo Tribunal Federal está levando em conta uma dimensão interessante. Essa é uma atitude inteligente. Mas uma coisa é convocar a vontade da Repercussão Geral e outra é avocar os argumentos, que é um conceito indeterminado, para justificar um caso concreto. Existe então a possibilidade da jurisprudência ser uma jurisprudência que não aplica o Direito para o caso concreto, mas que repete a retórica e os textos argumentativos de outras sentenças.

ConJur — Qual é a diferença?
J. J. Canotilho — A diferença é que embora você tenha uma Repercussão Geral, cada caso possui uma particularidade. Por isso, cada juiz deve julgar o caso concreto. O que por vezes se tem percebido é que tanto a Repercussão Geral quanto a disponibilização do processo digitalizado têm contribuído para que juízes apliquem a decisão, a mesma que o tribunal tomou sobre aquele tema, quando na verdade o correto é avocar o entendimento para tomar sua própria decisão.

ConJur — O senhor é contra a informatização dos processos?
J. J. Canotilho — Não há razão nenhuma para duvidar da bondade da informatização, até porque ela oferece ao cidadão acesso a um ato do tribunal e à possibilidade de saber em que pé está o processo. Eu acho que isso é uma evolução absolutamente incontornável, então não podemos criticá-la. Até porque, relativamente aos juízes que aparecem agora, mais jovens, nenhum pode deixar de saber trabalhar com os instrumentos da informática, com os computadores.

ConJur — Mas, ao falar da Repercussão Geral, o senhor deu a entender que existe algum problema com relação à digitalização do processo...
J. J. Canotilho — Sim. É a questão de os juízes pensarem em copiar uns aos outros. Ou seja: “Como é jurisprudência constante... Como já decidimos...”. Com a ausência do papel, agora isso é muito mais fácil. E pode haver alguma uniformização da própria estrutura, da própria retórica, o que não é mal, desde que aquilo sirva ao caso concreto que está a ser discutido. Mas isso também parece incontornável. Isso facilita também que os juízes transcrevam um esquema básico e, afinal de contas, não é só um parâmetro, mas é um esquema que eles utilizam todos da mesma maneira. Ou seja, garante-se um nível de uniformização, mas perde-se alguma coisa desta dimensão de que cada processo é um processo, de que cada caso é um caso. E há esta possibilidade da jurisprudência ser uma jurisprudência que não diz o Direito para o caso concreto, mas que repete a retórica e os textos argumentativos de outras sentenças.

ConJur — Mas isso também ocorre em virtude do número grande de processos, não? A propósito, qual a opinião do senhor sobre as metas impostas pelo CNJ?
J. J. Canotilho — Há mais ou menos uns dois anos, o governo português tinha mandado fazer um estudo sobre o tempo médio de trabalho necessário para proferir uma decisão. Os magistrados logo se revoltaram dizendo que era intrusão do Executivo no Judiciário, porque não há possibilidade de determinar um tempo médio na produção de um juiz. Essa cobrança é natural, afinal, nos tempos de hoje, tudo requer agilidade e eficiência. Mas basta entrar em qualquer tribunal para ver processos com milhares de partes, processos com monstruosa complexidade, que levam meses e até anos para serem decididos. Por mais que se criem soluções como a informatização, ainda é o ser humano que decide. Por exemplo, se determina que o juiz julgue 500 casos por ano. Ele julga 300. Depois se pede 400. E ele julga 300. E quando se pede 200? Ele julga 300. Portanto, as metas nos permitem dizer que é humanamente impossível decidir por ano mais do que tantos processos.

ConJur — Aqui ainda é forte a máxima do “ganha, mas não leva”, porque o pleito da causa e a execução se dão em processos diferentes. Isso também ocorre em Portugal?
J. J. Canotilho — Em Portugal também funciona assim. Muito dos processos acabaram por ser processos puramente declaratórios. Muitas partes não abdicam de todas as dimensões recursais e vão até o Supremo. Em Portugal, há o risco de termos até cinco instâncias. São três até ao Supremo Tribunal de Justiça, quatro com a Corte Constitucional e cinco ao Tribunal Europeu. Muitas empresas arrastam os processos sem razão de ser. Há processos demasiado formalistas ou garantistas que impedem uma solução dos conflitos.

ConJur — Parece que não existe Defensoria Pública em Portugal. Como isso funciona?
J. J. Canotilho — Não existe a instituição Defensoria Pública, mas há defensores pagos pelo Ministério da Justiça. Portanto, de uma lista de advogados, indicados pela Ordem dos Advogados, há defensor oficioso que é pago pelo Estado. Isso traz alguns problemas. Muitas vezes, são jovens advogados que não têm experiência, o governo atrasa o pagamento, mas não sei qual é o melhor modelo, até porque não sei como seria se tivéssemos a Defensoria. No Brasil tem, mas não conheço seu trabalho.

ConJur — O senhor falou sobre advogados com pouca experiência, mas como o avalia a nova geração da advocacia?
J. J. Canotilho — Existe uma questão que precisa ser observada no Brasil, que é a qualidade das universidades, em especial das privadas. A quantidade de universidades que publicam livros, que realmente acrescentam para o mundo do conhecimento é muito pequena. As universidades não podem ser escolas primárias. Vejo muita honestidade e boa vontade na iniciativa do Brasil em democratizar o acesso ao ensino superior, mas isso precisa vir acompanhado de qualidade.

ConJur — Aqui no Brasil se critica o baixo índice de aprovação no Exame da OAB. O senhor acredita que isso é resultado do número de universidades de má qualidade?
J. J. Canotilho — Não apenas. Qual é o brasileiro que pode se dedicar exclusivamente aos estudos? Poucos. Isso influencia também. Não que eu defenda que as pessoas devam se dedicar integralmente aos estudos, mas é preciso reservar tempo considerável. O mesmo se aplica aos professores. As universidades públicas pagam quase nada para que eles façam orientação de mestrado, doutorado, por isso muitos saem da aula e vão direto para o tribunal advogar. Eles não têm tempo para preparar uma boa aula. Os alunos estão cansados. Não há tempo para o estudo, não há tempo para pesquisa. Trabalhos acadêmicos são grandes plágios.

ConJur — Por falar em plágio, a presidente Dilma Roussef tem falado em flexibilização de patentes. Qual a sua opinião?
J. J. Canotilho — A flexibilização é muito perigosa porque pode significar a quebra de patente. As empresas têm direito de exploração econômica, por certo período, por ter inventado um produto. É uma garantia constitucional que não deve ser violada a não ser em casos de extremo interesse público, como no caso dos genéricos, e não nos moldes que ocorre no Brasil.

ConJur — Por quê? O que há de errado na política brasileira de medicamentos genéricos?
J. J. Canotilho — No meu ponto de vista esta é uma questão que o Brasil deveria ter superado. O que é um genérico? Um medicamento com o mesmo princípio ativo que um de mercado. Ou seja, de um que foi desenvolvido pela indústria, com base em anos de pesquisa, muito dinheiro investido e que está protegido por lei por 20 anos. Como um medicamento genérico pode confeccionar uma bula dizendo que em 2% dos casos pode ocorrer tal reação adversa? Ele não fez nenhum teste, como pode afirmar? O genérico é um grande plágio.

Rogério Barbosa é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 23 de outubro de 2011

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