Texto publicado domingo, dia 10 de abril de 2011 no Consultor Jurídico
Por Rodrigo Haidar
O advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams, fez história assim que assumiu, em 23 de outubro de 2009, o comando do maior escritório de advocacia do país, que conta com 8.500 advogados e mais de 800 representações em órgãos da administração pública e ainda representa o cliente que tem o maior número de causas na Justiça brasileira. Motivo: era o primeiro membro de carreira da advocacia pública escolhido para comandar a Advocacia-Geral da União (AGU).
Há um ano e meio à frente da instituição, o maior mérito do ministro talvez seja o de reforçar o trabalho de solução de controvérsias entre entes da administração pública internamente. Era comum departamentos do governo brigarem judicialmente por recursos financeiros, que no final das contas trocavam de endereço mas continuavam no cofre do erário.
“Não há, hoje, processos ajuizados pela administração pública contra áreas da própria administração”, afirma Adams. Em entrevista à revista Consultor Jurídico, concedida em seu gabinete, na sede da AGU, em Brasília, o ministro falou sobre o trabalho de uniformização de procedimentos dos diversos órgãos da administração e lembrou de como era penoso para o cidadão e custoso para o Estado conviver com regras diferentes sobre os mesmos temas.
“A administração tributária tinha práticas, legislações, políticas diferentes das da Receita Federal. Era um absurdo. Para a mesma questão tributária havia prazos de parcelamento, de prescrição e decadência, penalizações, juros, valores de multa, todos diferentes”, lembra. O quadro mudou, em benefício do Estado e dos contribuintes: “O cidadão tem direito à uniformidade de tratamento. Ele não pode se submeter a regras diferentes por razões eminentemente casuísticas de organizações diversas”.
Na entrevista, Adams defende mais do que a solução administrativa de muitas batalhas que são resolvidas nos tribunais. Em sua opinião, o Judiciário tem de respeitar os limites de competência do Poder Executivo, como na elaboração e instituição de políticas públicas. Não pode fazer um juízo de conveniência e oportunidade política de quando vai se realizar uma obra, a construção de escola ou um concurso público. “Isso tem de ser preservado”, diz. Até porque, como lembra o ministro, a decisão judicial nem sempre resolve o conflito.
Gaúcho de Porto Alegre, Adams foi procurador-geral da Fazenda Nacional de 2006 até ser nomeado Advogado-Geral da União. Antes disso, em 2003, foi consultor jurídico e, um ano depois, secretário executivo adjunto do Ministério do Planejamento. Entrou para a carreira de procurador da Fazenda Nacional em 1993, ano em que a AGU foi criada.
Além do trabalho interno da AGU, Adams falou à ConJur sobre a defesa do Conselho Nacional de Justiça, julgamento do pedido de extradição de Cesare Battisti, salário mínimo por decreto e sobre o fato de quase ter sido nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal. “Se viesse a convocação, eu assumiria com toda a tranquilidade porque não me sinto nem um pouco desqualificado para o cargo. Agora, não quer dizer que eu esteja em campanha. Estou preparado para continuar e aprofundar, nos quatro anos de governo da presidenta Dilma, o trabalho da AGU, que tem uma relevância pública e no sistema jurídico inquestionável”.
Leia a entrevista:
ConJur — O governo ainda ocupa muito a Justiça com litígios entre entes da própria administração pública?
Luís Inácio Lucena Adams — Hoje, muito menos. Não se adota mais a prática de ajuizar ações contra entes da administração pública. A AGU coordena nacionalmente todos os escritórios de advocacia pública com a orientação para que não façam isso. O caminho natural é buscar a solução interna do conflito. Pode haver um estoque de processos antigos ainda não identificados, mas não há, hoje, processos ajuizados pela administração pública contra áreas da própria administração. Quando surgem os conflitos, são trazidos para a câmara de conciliação e arbitragem interna e resolvidos.
ConJur — Inclusive as discussões previdenciárias, que eram responsáveis pelo maior número de processos?
Adams — Sim. A administração vem se organizando de forma harmônica. Esses processos foram gerados pelo fato de, no passado, a administração ser organizada de forma fragmentada. No caso da Receita Federal, por exemplo, houve um forte processo de uniformidade. A administração tributária tinha práticas, legislações, políticas diferentes das da Receita Federal. Era um absurdo. Para a mesma questão tributária havia prazos de parcelamento, de prescrição e decadência, penalizações, juros, valores de multa, todos diferentes.
ConJur — E o contribuinte sem saber o que fazer no meio das divergências...
Adams — A uniformização mudou isso. O cidadão tem direito à uniformidade de tratamento. Ele não pode se submeter a regras diferentes por razões eminentemente casuísticas de organizações diversas.
ConJur — A mesma realidade era repetida na área da defesa da União?
Adams — Com a AGU, a área jurídica da União saiu de uma realidade fragmentária. Cada ministério tinha sua consultoria isolada. Cada autarquia tinha sua atividade consultiva e atividade contenciosa isolada. As carreiras sequer se comunicavam. Universidades federais tinham padrões remuneratórios e de organização da área jurídica totalmente distintos, muitas vezes na mesma universidade. Estamos falando de 1992. A partir daí a AGU criou um paradigma de uniformidade jurídica. Ou seja, hoje, a Advocacia da União produz orientações comuns a toda administração para que ela se comporte de maneira uniforme.
ConJur — Há a edição de súmulas sobre determinados temas?
Adams — Súmulas e orientações. No ano passado, por exemplo, foram editadas cerca de 40 orientações para padronização de conduta na questão de licitações. Existe um colégio de consultores com essa finalidade. Houve um esforço gigantesco para dar à administração instrumentos estáveis de comportamento. Diante de uma decisão do Supremo Tribunal Federal em um caso previdenciário, por exemplo, é preciso viabilizar o pagamento dos benefícios a quem tem direito. Isso traz ganhos econômicos e sociais com o cumprimento da decisão e a redução de litígios. E há um ganho de legitimidade no que diz respeito aos atos da administração pública. Todos ganham.
ConJur — Há uma reivindicação dos advogados públicos em torno do direito de receber honorários de sucumbência. O senhor concorda com essa reivindicação?
Adams — A sucumbência é fruto direto da atuação do advogado Ela tem uma relação direta com resultados. Temos conversado sobre isso. Mas existe um problema. O nosso modelo de remuneração é o de subsídios, que exclui qualquer outra parcela de remuneração. Poderia ser achada uma solução intermediária. Por exemplo, os honorários de sucumbência serem aplicados na área de capacitação, de investimentos próprios da instituição, porque aí também se converteriam como ganho para o advogado público.
ConJur — A AGU atua mais na área consultiva ou na contenciosa?
Adams — É difícil avaliar. A área consultiva e a contenciosa se interpenetram. A divisão de alocação de pessoas nas duas áreas é equilibrada, mas o processo é contínuo. A atividade consultiva se torna mais efetiva na medida em que a etapa seguinte, que é o possível contencioso, se reduz. Temos de criar soluções na área consultiva que gerem o menor volume possível de litigiosidade. Toda decisão da administração pública afeta a vida das pessoas. Diante de uma decisão, o cidadão tem duas escolhas: aceitá-la ou contestá-la judicialmente. Se o cidadão entende que se trata de uma decisão minimamente consistente, ajustada, não busca o Judiciário.
ConJur — A área consultiva tem de estar em sintonia com as decisões judiciais...
Adams — O esforço contínuo é o de gerar decisões administrativas com o maior nível de segurança e estabilidade possíveis, para que elas não se transformem em ações judiciais. E, mesmo quando as discussões cheguem ao Judiciário, é necessário que a decisão administrativa seja consistente para prevalecer ao final do julgamento. Nos grandes projetos isso é mais claro, quando se faz um trabalho enorme de assessoramento jurídico prévio já se preparando para o inevitável litígio que vai acontecer. Muitas vezes, mais do que um conflito jurídico, há um conflito de valores. E estes casos sempre geram discussão na Justiça. Por isso, o trabalho tem de ser consistente.
ConJur — O caso da construção da usina de Belo Monte é paradigmático nesse sentido, não?
Adams — Sim. Não argumento que convença alguns setores que são contra a construção da usina de Belo Monte, porque há uma convicção forte em sentido contrário. O acompanhamento jurídico das obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) é um bom exemplo desse trabalho. Há um grupo específico para fazer o acompanhamento dos projetos, na área consultiva e na contenciosa, para evitar que batalhas judiciais causem atrasos e prejuízos aos contribuintes.
ConJur — O Judiciário pode determinar que o Executivo implemente determinadas políticas públicas?
Adams — O Judiciário resolver uma situação individual, como, por exemplo, determinar a entrega de um medicamento para um paciente em situação de urgência, é uma coisa. Outra é determinar uma política pública. Já vi mandar que se fizesse concurso público. Isso não pode. Uma decisão dessa natureza é inerente ao exercício de conveniência e oportunidade da administração pública. Nestes casos, se viola claramente o princípio da separação dos poderes. O Judiciário não pode adentrar no universo do Poder Executivo e fazer um juízo de conveniência e oportunidade política de quando vai se realizar uma obra, a construção de escola ou um concurso público. Isso tem de ser preservado. É da natureza do sistema republicano que os poderes se interpenetrem, mas também que preservem espaços próprios de decisão, de forma que funcionem harmonicamente. A Justiça pode até sugerir, recomendar que se faça algo, mas ao determinar há um claro extravasamento de atribuições. A eleição de políticas públicas e, muitas vezes, a resolução de determinados conflitos de interesse, não é possível ao Judiciário fazer.
ConJur — O senhor pode dar um exemplo?
Adams — O maior conflito que vivemos na AGU hoje é entre quilombolas e reservas ambientais. Ou seja, entre o Instituto Chico Mendes e o Incra. Por quê? Porque muitas reservas ambientais demarcadas pelo Poder Executivo têm ocupação quilombola. E muitas delas prevêem a exclusão da presença humana. Veja que neste caso não falo de conflito entre os interesses econômicos e os sociais. Trata-se de um conflito em torno exclusivamente de interesses sociais. Outro conflito que temos são áreas indígenas demarcadas que são ocupadas por pequenos agricultores. Uma decisão judicial não resolve o conflito.
ConJur — Mas o Judiciário pode determinar a retirada das pessoas. Isso resolve o conflito, não?
Adams — Certa vez fui a uma audiência do Ministério Público que discutia a necessidade de desocupação de área próxima a uma reserva ambiental, na qual moravam 20 mil pessoas carentes, pobres. Havia uma decisão para desocupar a área e uma forte pressão para que fosse cumprida imediatamente. Em respeito à decisão judicial, era o que tinha de ser feito. Mas quem é que vai sentar em cima de um trator e passar por cima das casas onde há famílias, crianças? O processo não acontece de maneira burocrática. Não há solução burocrática para casos assim. A efetividade da decisão é muito mais complexa porque envolve remanejamento, enfrenta resistência das famílias de sair do seu lugar. Muitas vezes demora. Nesse ponto, considero que o Executivo tem uma capacidade de articulação muito mais efetiva até porque lida de forma mais intensa com casos complexos como esses.
ConJur — A execução fiscal é ainda o maior gargalo da Justiça. O senhor considera possível a ideia de se fazer a execução fiscal administrativa, inclusive com a penhora de bens pelo fisco, sem manifestação do Judiciário?
Adams — Sim, considero legítimo. A execução não é, constitucionalmente, uma prerrogativa do Judiciário. Existe uma preocupação, que é correta, com a higidez da cobrança. De qualquer forma, o processo tem que ser depurado, qualificado, melhorado, e se associar a instrumentos efetivos de cobrança. O volume da execução fiscal corresponde a quase 40% dos processos judiciais no país. Isso traz um custo imenso para o Estado, para a sociedade. Todos pagam por isso e os únicos beneficiários do atual sistema, na verdade, são os grandes devedores, não os pequenos. Até porque os pequenos devedores nem vão à Justiça. O maior volume está abaixo de R$ 10 mil e não chega a ser discutido judicialmente. Mas os grandes devedores, que acumulam débitos de R$ 10 milhões, R$ 20 milhões, são os grandes beneficiários desse modelo. Até porque têm estruturas jurídicas muito bem montadas. Por isso, o atual modelo acaba contribuindo para uma postergação forte do pagamento de dívidas tributárias.
ConJur — Qual sua opinião sobre os projetos de lei que incentivam a repatriação de capitais?
Adams — O processo de repatriação é uma solução já usada por outros países. É importante para trazer à luz recursos que estão escondidos e alguma forma de receita para o Estado. Mas eles têm de ser implementados de maneira que não validem recursos financeiros que tenham origem na criminalidade, como os que vêm do narcotráfico. Parece-me que os projetos que tramitam no Congresso procuram excluir expressamente qualquer benefício para esse tipo de recurso. Usada de forma inteligente e honesta, a repatriação pode favorecer a legalização dos recursos em beneficio do Estado, em beneficio da sociedade.
ConJur — Em decisão do ano passado, o Conselho Nacional de Justiça, a partir do princípio da simetria, decidiu equiparar as vantagens de juízes às dos membros do Ministério Público. O CNJ ainda editará uma resolução para regulamentar esse decisão. A AGU vai contestá-la?
Adams — Já informei publicamente que iremos impugnar essa resolução.
ConJur — Por quê?
Adams — Porque não se pode criar benefícios sem base legal definida. No caso dos juízes, a Lomam (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) não prevê vários benefícios que eles pretendem ter por conta da simetria com o Ministério Público, que na sua origem tem esses benefícios. Muitos benefícios são até anacrônicos. Não faz sentido, por exemplo, o benefício da licença-prêmio. Se abrirmos espaço para criar benefícios mediante interpretações, se abrirá um dique incontrolável. No que diz respeito a benefícios, é indispensável, importantíssimo, o papel, moderador que o Congresso Nacional exerce nesse processo.
ConJur — Ou seja, benefício só por meio de lei?
Adams — Exato. O processo é complexo e a posição da AGU é a de puramente preservar algum nível de legalidade nessa discussão. O CNJ é uma instituição fundamental, mas não foi instituída para orientar esse tipo de benefícios.
ConJur — A AGU é responsável pela defesa do CNJ quando suas decisões são contestadas. Agora, irá contestar uma de suas decisões. Não há um conflito aí?
Adams — Nós resolvemos esse conflito com a figura do advogado ad hoc. Um advogado indicado para atuar naquele processo específico. Como é que usualmente fazemos quando há conflito entre os órgãos da administração? A AGU se posiciona em favor de um deles como instituição, mas disponibiliza para o outro uma defesa na figura do advogado ad hoc. Esse advogado, ou a equipe, a depender da complexidade do caso, atua supervisionado diretamente pelo cliente, não pela Advocacia Geral, como é de praxe. A AGU já fez isso em outras ocasiões. Por exemplo, em um conflito entre o CNJ e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Tomamos partido da decisão do CNJ e ofertamos ao TJ distrital a possibilidade de defesa. Dois advogados públicos ad hoc atuaram no caso.
ConJur — As decisões do CNJ tem sido cada vez mais contestadas no Supremo. E o Conselho vem sofrendo algumas derrotas importantes. O CNJ está indo além das suas atribuições ou o Supremo está muito rigoroso?
Adams — Nem uma coisa, nem outra. O CNJ, apesar da proeminência que alcançou, é uma instituição muito nova. O que está havendo é um ajuste na carruagem, por assim dizer assim. A atuação do CNJ tem gerado a exposição de situações muitas vezes absurdas da Justiça. Existe situação mais teratológica do que uma pessoa estar presa provisoriamente há 15 anos, como o CNJ identificou? Provavelmente, se ela fosse condenada, a pena teria sido menor que isso. E isso tem levado a uma atuação mais incisiva do Conselho. Os órgãos estão em busca do equilíbrio.
ConJur — A discussão mais importante em torno do CNJ é se ele tem competência subsidiária ou concorrente em relação às corregedorias dos tribunais locais. Ou seja, se ele pode agir antes de dar a oportunidade de a corregedoria local analisar o caso. Qual sua opinião sobre isso?
Adams — Estou confiante que o Supremo irá preservar a competência concorrente. Mesmo ministros que já deram liminares suspendendo decisões do CNJ, como o ministro Dias Toffoli, já se manifestaram em favor da competência concorrente. Para preservar o que o CNJ conquistou nestes cinco anos de existência, é importante que se reconheça essa competência. Até porque se o sistema anterior funcionasse, o CNJ não precisaria existir. Ele existe porque o sistema não funcionava.
ConJur — A AGU tem importantes batalhas pela frente. O senhor acredita na vitória do governo na ação que contesta a fixação do valor do salário mínimo por decreto, ajuizada pela oposição no Supremo?
Adams — Primeiro, a reação da oposição é natural. É da natureza do sistema democrático que haja maiorias, minorias e divergências. Vejo com muita naturalidade que eles critiquem e até impugnem essa decisão, que é do Congresso Nacional, não do governo, importante que se diga. Pessoalmente, não acho que o Congresso errou. Porque ele fixou o valor do salário mínimo, o método de correção e determinou à presidente apenas que, anualmente, informe a sociedade qual é esse valor, de acordo com os critérios que o Congresso Nacional decidiu.
ConJur — Os critérios de reajuste já estão decididos?
Adams — Sim. A presidente não vai decidir nada. Vai simplesmente informar qual é o valor com base nos critérios definidos pelo Congresso Nacional. Essa ação só prosperará se o Supremo entender que o Congresso não pode fixar nenhuma regra de correção, o que eu acho muito difícil. E mais: se o Congresso entender que os critérios não foram bons, pode revogar a regra de correção. Se quiser, por iniciativa parlamentar, revoga a regra de correção, o que obrigaria a emissão de uma lei de novo anual. Essa é uma decisão que pode ser do Congresso. Então, o Congresso não abriu mão de sua competência.
ConJur — Outra batalha importante é a questão da extradição do ex-militante italiano Cesare Battisti. Recentemente, o governador gaúcho e ex-ministro da Justiça Tarso Genro afirmou que Battisti é um preso político do Supremo Tribunal Federal. O senhor concorda com essa afirmação?
Adams — Não acho que possa se afirmar isso. O que existe é um processo de extradição complexo. O refúgio a Battisti já foi negado, depois concedido e cassado. Há uma extradição autorizada e a discussão sobre o nível de discricionariedade do presidente da República no processo de extradição. A decisão presidencial de não extraditar retornou ao Supremo para emissão do alvará de soltura. Se analisarmos a complexidade do debate, por pior que seja, infelizmente, para o Battisti, é natural que assim o seja. Mas a corte deve julgar sugar logo o processo.
ConJur — O caso Battisti é um marco nessa discussão, não? Porque até então, de acordo com a jurisprudência do Supremo, quando o presidente da República concedia o refúgio, automaticamente se arquivava o processo de extradição. O caso do Battisti marca uma virada?
Adams — A discussão extravasou para o próprio efeito vinculativo da decisão de extradição, que é muito significativa. O que vemos nesse movimento é que, no processo de extradição, a decisão sai da esfera do Executivo e vai para o Judiciário. A discussão vinculativa é se quando o Supremo autoriza extradição, ele está, na verdade, determinando extradição. Nunca foi assim. O processo de extradição sempre foi um processo autorizativo. Dessa ótica, o debate ganha complexidade.
ConJur — Por quê?
Adams — O Supremo, ao analisar a extradição, normalmente analisa alguns aspectos: se houve o devido processo legal, se a pena pelo crime é adequada, entre outros. Se o tribunal entrar em uma esfera mais ampla, terá de analisar, por exemplo, a cada extradição, as razões humanitárias, o respectivo tratado para verificar se os elementos de não extradição estão presentes naquele processo. O que nunca foi objeto de analise da Suprema Corte. Então, eu acredito sinceramente que o Supremo deve confirmar a decisão presidencial até em respeito à dinâmica desse processo. Em ultima analise, é uma dinâmica entre países. O que eu tenho sustentado é que os tratados dos países são tratados que procuram fechar, mas também manter algumas portas abertas. Eles procuram regular esse relacionamento, mas dando a cada país certo grau de discricionariedade nessa relação. Isso faz parte dessa relação de tratado. O que é uma situação pessoal que possa gerar agravamento? Isso é um juízo subjetivo, hipotético. Substituir esse juízo é substituir o juízo de suposição. É dizer que a sua suposição é melhor que a minha. Estou confiante que o que o presidente decidiu adequadamente dentro da sua esfera de competência deverá ser preservado pela Corte.
ConJur — O ministro Luiz Fux, ao ser indicado para o Supremo, declarou que se preparou a vida toda para ser ministro do STF. O senhor se tornou um nome forte nessa corrida. Chegou perto de ser nomeado. O senhor está se preparando para ser ministro do Supremo?
Adams — Nós devemos nos preparar para cumprir a nossa função. A declaração do ministro Fux não significa que ele estivesse todo o tempo em campanha para ser ministro do Supremo. Considero que ele quis dizer, fundamentalmente, que se formou e se qualificou para poder chegar ao tribunal. É isso que temos de fazer: estar preparados para enfrentar os desafios para os quais nós somos chamados. Nesse ponto, estou totalmente tranqüilo. Se viesse a convocação, eu assumiria com toda a tranqüilidade porque não me sinto nem um pouco desqualificado para o cargo. Agora, isso não quer dizer que eu esteja em campanha. Porque muitas vezes a impressão sugere essa ideia. Eu estou satisfeito na AGU porque fui confirmado pela presidente Dilma em uma função que, a rigor, não é objeto de rateio ou de composição política. É uma escolha pessoal forte e isso se traduz no reconhecimento do meu trabalho e do trabalho da própria instituição. O futuro a Deus pertence. O que vem pela frente nunca se sabe. Estou preparado para continuar e aprofundar, nos quatro anos de governo da presidenta Dilma, o trabalho da AGU, que tem uma relevância pública e no sistema jurídico inquestionável.
Rodrigo Haidar é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
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