quarta-feira, 21 de julho de 2010

Ainda sobre o divórcio

Emenda do divórcio: cedo para comemorar
Publicado no Espaço Vital (espacovital@espacovital.com.br)
(21.07.10)


Por Luiz Felipe Brasil Santos,
desembargador do TJRS

Em vigor desde 14 de julho último, a Emenda Constitucional nº 66/2010 alterou a redação do § 6º do art. 226 da Constituição Federal, retirando do texto a referência à separação judicial e aos requisitos temporais para a obtenção do divórcio.

Ao fazê-lo, suscitou natural perplexidade entre os operadores do Direito, que se indagam acerca da imediata extinção do instituto da separação judicial e da possibilidade, agora, de obter o divórcio sem que seja exigido qualquer tempo de separação de fato ou de separação judicial.

Como costuma ocorrer em ocasiões como esta, opiniões há em ambos os sentidos. É preciso, pois, neste momento, extrema cautela na análise técnica e desapaixonada da questão. Vejamos.

Atente-se que qualquer norma será formalmente constitucional pelo só fato de constar na Constituição Federal. Porém, nem todas as normas formalmente constitucionais são também materialmente constitucionais. Os dispositivos apenas formalmente constitucionais são denominados por alguns autores de lei constitucional. São regras que, por sua natureza, não precisariam constar da Constituição, mas lá são colocadas por razões de simples conveniência política. É como se fosse uma lei inserida no corpo da Constituição. Uma lei travestida de Constituição. Nossa Carta Magna é notoriamente pródiga em normas constitucionais em sentido apenas formal. Os exemplos são até dispensáveis e não caberiam em um texto resumido como este.

É esse exatamente o caso do texto modificado pela EC nº 66/2010. Uma breve retrospectiva histórica auxiliará na compreensão do que aqui se sustenta.

O casamento civil somente foi implantado em nosso país no ano de 1890, pelo Decreto 181, de 24.01.1890, que não tratava da dissolução do vínculo, prevendo apenas a separação de corpos (divórcio canônico). No Código Civil de 1916 foi introduzido o desquite, como forma de pôr fim à sociedade conjugal, mantendo íntegro o vínculo.

Até então, sinale-se, o tema da extinção da sociedade conjugal não tinha sido alçado à dignidade constitucional. Nossa primeira Constituição a dispor acerca dessa matéria foi a de 1934, que, no art. 144, erigiu a princípio constitucional a indissolubilidade do vínculo matrimonial, como estratégia para dificultar a introdução do divórcio em nosso país, acrescentando, no parágrafo único, que “A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação de casamento(...)”.

A Constituição de 1937, porém, em seu art. 124, embora tenha mantido o princípio da indissolubilidade, calou acerca do desquite, que, no entanto, permanecia previsto no Código Civil. O mesmo ocorreu com a Carta de 1946, com a Carta outorgada de 1967 (art. 167) e com a Emenda Constitucional 01/69: preservação do princípio da indissolubilidade do vínculo e silêncio completo acerca do desquite, que, como notório, sobrevivia soberanamente apenas na legislação ordinária (Código Civil de 1916).

Ao que se saiba, na época, ninguém sustentou a tese de que, pela circunstância de que a Constituição deixara de contemplar o desquite dentre seus dispositivos, esse instituto fora abolido. E isso pela singela razão de que o desquite continuava previsto no Código Civil. E isso bastava!

Somente em 1977 a Emenda Constitucional nº 09/77 retirou da Constituição o princípio da indissolubilidade do vínculo, possibilitando a introdução do divórcio em nosso país. No entanto, como parte do pacto político então firmado entre divorcistas e antidivorcistas, o § 1º do art. 175 estabeleceu, em contrapartida, como condição para a obtenção do divórcio a existência de prévia separação judicial por, no mínimo, três anos.

Ou seja: o divórcio somente poderia ser obtido transcorrido esse lapso temporal e por conversão da separação judicial. E, dispondo assim a Constituição, assegurava-se que a lei ordinária não poderia regrar diferentemente, risco que os antidivorcistas não queriam correr! Essa a razão para, a partir de então, ter sido reintroduzida na Constituição Federal – como norma apenas formalmente constitucional, frise-se – a menção à separação judicial e às condições para a obtenção do divórcio: nada mais do que um dispositivo de segurança para as correntes conservadoras.

Por aí se vê que a eliminação da referência constitucional aos requisitos para a obtenção do divórcio não significa que aquelas condicionantes tenham sido automaticamente abolidas, mas apenas que, deixando de constar no texto da Constituição, e subsistindo exclusivamente na lei ordinária (Código Civil) – como permaneceram durante 40 anos, entre 1937 e 1977 –,está agora aberta a porta para que esta seja modificada.

Tal modificação é imprescindível e, enquanto não ocorrer, o instituto da separação judicial continua existente, bem como os requisitos para a obtenção do divórcio. Tudo porque estão previstos em lei ordinária, que não deixou de ser constitucional. E isso basta!

Contenhamos um pouco, pois, nosso entusiasmo com a Emenda Constitucional nº 66/2010. Ela é, sem dúvida, extremamente importante, mas um próximo e indispensável passo necessita ser dado para que se alcance o objetivo de eliminar os entraves legais ao exercício da liberdade no seio das famílias, extirpando institutos anacrônicos como a separação judicial.

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