Para Hobbes o medo é a mola propulsora da criação do político e do nascer do Estado cuja principal meta é proteger o cidadão uma vez que a “[...] condição do homem é uma condição de guerra de todos contra todos [...] .
É nesse sentido que Roberto Esposito conclui que o que os homens têm em comum, segundo a concepção hobbesiana, é a capacidade de matar e correspondentemente, de ser morto. Uma fragilidade generalizada a ponto de se transformar em elo entre os indivíduos unidos pelo desejo comum de assassinar-se reciprocamente . Desse modo a vida (primeira necessidade) pode ser assegurada acumulando poder (primeira paixão). Essa é a leitura hobbesiana do fundo obscuro da comunidade. Desse modo vem interpretada por Hobbes a indecifrável lei comunitária: a comunidade traz dentro de si uma doação de morte .
Nesse contexto, avista-se um outro paradoxo hobbesiano: a relação que une os homens não se dá entre amigo e inimigo e sim entre inimigo e inimigo. Assim, toda a amizade é instrumental no sentido de que as amizades são boas quando são úteis na administração no único elo social possível na concepção hobbesiana: a inimizade.
Portanto, se a relação entre os homens é destrutiva, a única saída deste estado insustentável de coisas é a destruição da relação em si mesma. Se a única comunidade humanamente possível é aquela do delito/morte , nada resta além do delito da
comunidade: a drástica eliminação de todo o tipo de vínculo social.
Esse propósito se materializa com a criação do Estado enquanto ato constitutivo e dissociativo simultaneamente, ou seja, o Estado “dessocializa” o elo comunitário chamando para si a tarefa de fazer essa “ligação social” a partir da força institucionalizada . Assim, cria uma nova forma de comunidade, composta por “unità senza rapporto, soppressione del cum” . É exatamente nesse momento que os súditos da figura estatal passam a não ter mais nada em comum: tudo é separado entre o “meu” e o “teu”, acontece uma divisão sem condivisão.
É justamente essa relação que imuniza todos do risco de morte contido na comunidade segundo a oposição contrastante entre immunitas e communitas que organiza o atual projeto de modernidade .
Daqui a idéia de uma comunidade da morte. É esta a autêntica comunidade, segundo Bataille . Mas por qual motivo a comunidade, para ser realmente tal, deve necessariamente ser uma comunidade da morte? Porque a morte é irrepresentável por excelência. Mas não é exatamente a experiência da morte a colocar-se em comunicação com aquilo que nós não somos, ou com a nossa impropriedade? A morte é o faltar a nós mesmos, é aquilo que nos separa de nós mesmos: é aquilo “que nos coloca em comunicação com aquilo que nós não somos: com o nosso outro e com o outro de nós”. Portanto, a experiência da morte é uma experiência de desapropriação de nós mesmos.
A morte não é jamais minha: é o faltar do que possuo. Ninguém pode viver a própria morte, a morte é sempre do outro. Mas nem mesmo o outro possui e vive a sua morte. A morte é em essência uma impropriedade que nos nivela a todos. E este é o segredo da comunidade: a “partilha da impossibilidade de morrer a própria morte”. A experiência da morte - entendida como “abandono de cada identidade não a uma identidade comum, mas a uma comum ausência de identidade” - equivale, portanto, à experiência de uma comunidade: já que “a morte é a nossa comum impossibilidade de ser aquilo que nos esforçamos para continuar a ser: indivíduos isolados” .
(Extrato do texto que estou escrevendo atualmente, rsultado da pesquisa de pós-doutorado)
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