Clito Fornaciari Júnior
Advogado; Mestre em Direito; Presidente da Comissão da Reforma do CPC da OAB/SP.
RESUMO: A nova reforma do CPC propõe-se a conceber um novo Código, implicitamente reconhecendo que tudo quanto foi feito até agora não funcionou, de modo que se volta a mexer no que antes já fora mexido. Trabalha-se em regime de urgência, como se com o novo texto tudo estará resolvido e todos receberão justiça, em tempo célere. Como o passado recente está ainda vivo nos escaninhos do fórum, justifica-se o prenúncio de mais uma frustrante aventura. Continua-se na toada de engrandecer os poderes do juiz, restringindo recursos e, além disso, tornando as decisões até de primeiro grau eficazes de pronto, aumentando o risco de dano irreparável. Coloca, por fim, uma camisa de força nos juízes, criando, sem restrições de temas e reiteração de julgados, súmulas vinculantes em todos os níveis, com o que, num passe de mágica, despreza a discussão sobre sua constitucionalidade.
PALAVRAS-CHAVE: Código de Processo Civil. Reforma.
Em gestação uma nova reforma do Código de Processo Civil. Desta vez, ela se apresenta mais ousada: propõe-se conceber um novo Código, implicitamente reconhecendo que tudo quanto foi feito até agora – e foram algumas dezenas de leis – não funcionou, de modo que se volta a mexer no que antes já fora mexido. Trabalha-se em regime de urgência, como se com o novo texto tudo estará resolvido e todos receberão justiça, em tempo célere. Como o passado recente está ainda vivo nos escaninhos do fórum, justifica-se o prenúncio de mais uma frustrante aventura.
Em 1973, após anos de trabalho, inúmeros debates e seminários, colhendo-se a opinião de todos os nossos processualistas, surgiu um novo Código de Processo Civil. Com ele ficou dotado nosso país de um texto que não devia nada às melhores leis processuais do mundo. Os mais importantes institutos, em termos de agilizar a prestação jurisdicional, sem comprometer direitos maiores, tornaram-se lei. Eliminaram-se audiências inúteis, deram-se poderes ao juiz de conduzir o processo, reprimindo a litigância de má-fé e acudindo a medidas de urgência. Isso permitiria que a Justiça fosse rápida e eficiente, sem desprezar qualquer direito processual.
Ocorre que o Estado não só não aparelhou o Judiciário para permitir que acompanhasse o crescimento populacional, criando juízos, provendo cargos de magistrados e auxiliares, estimulando seus funcionários com uma carreira alentadora, como, paradoxalmente, começou a abusar – mais do que qualquer litigante particular ímprobo – do direito de demandar, usando de expedientes para protelar o desfecho dos processos e não cumprir as decisões da Justiça, chegando a não atender a ordens judiciais de intervenção em entes menores, que não cumpriam suas obrigações. Isso tudo, além de gozar de privilégios processuais quanto a prazos, recursos e pagamentos postergados.
Se tanto já comprometia a rapidez dos processos, adveio a Constituição de 1988 que não se restringiu a por barreiras de defesa do cidadão, limitando os poderes do Estado e garantindo interesses públicos primários, mas marcou-se como uma Carta concessiva de direitos materiais. Por conta disso, convidou todos a demandar, de vez que o não reconhecimento e efetivação dos direitos prometidos enseja a sua busca no Judiciário, reivindicando-os, muitas vezes, do próprio Estado, em relação aos quais se criou a obrigação. Uma infinidade de demandas se fez possível e uma imensidão de carentes dos direitos garantidos pela Constituição acorreu à Justiça, sobrecarregando-a ainda mais.
Evidente que a máquina estruturalmente comprometida, tocada por funcionários desestimulados e em número insuficiente, assoberbada pelo abuso que dela fazia o Estado, sentiu mais esse peso e soçobrou, em que pese tivesse seu norte definido em um texto de processo de primeiro mundo, que só ficara devendo a receita para milagres.
Nessa hora, processualistas de plantão vestiram a carapuça, aceitando a pecha de que as coisas não iam bem em razão da suposta deficiência da lei de processo. Arregaçaram as mangas e começaram a elaborar leis e mais leis, retalhando o texto de outrora, agindo casuisticamente. Destruiu-se o sistema processual, retirou-se dele muito da boa técnica e se pinçou soluções pontuais, que implicaram maiores poderes para o juiz, aumento das sanções processuais, redução de recursos, criando um sistema quase de instância única e não raramente resumida numa decisão liminar, que se busca preservar com a criação de armadilhas para dificultar o acesso a quem poderia modificá-la.
Como nada disso resolveu o problema, volta-se agora à carga, propondo-se um novo Código, anunciado como a salvação de todos, inclusive do próprio Judiciário, pois se autoproclama capaz de dar celeridade à solução das demandas, sem comprometer princípios maiores garantidos aos jurisdicionados. Reclama para si aprovação com urgência, deixando a comunidade que trabalha com o processo, aí se incluindo juízes, advogados e promotores, preocupados com o que de novo se trará, embora todos carreguem a descrença, fruto da experiência, de que novos textos de processo criam novos problemas processuais, sem resolver aqueles que efetivamente interessam.
Um código representa legislação concebida para longa duração, de modo que se justifica um novo somente quando se tem uma ideia nova, em termos estruturais, representativa de uma nova concepção científica. Nova codificação há de ser, pois, reservada a reformas profundas, capazes de dar outra direção ao organismo de que cuida. O escrito que veio, porém, tanto não trás, permitindo que se reafirme que de outro Código não precisamos. Todavia, se resolveram inovar, certamente não poderia ser com o texto agora apresentado.
Mesmo que se queira rebaixar as regras processuais a receitas de modo, não se pode afastá-las da ciência que o Direito Processual é. Não se pode render a iconoclastia, desprezando os avanços e o próprio estágio da ciência processual, criando alguns modelos de como fazer. Há conquistas científicas anuladas, retrocedendo-se a superado praxismo.
As alterações projetadas não guardam potencialidade para agilizar o processo e até são perigosas. Assim, continua-se na toada de engrandecer os poderes do juiz, restringindo recursos e, além disso, tornando as decisões até de primeiro grau eficazes de pronto, aumentando o risco de dano irreparável, pois ignora estatísticas que demonstram o expressivo número de decisões reformadas por recursos, certamente porque não eram corretas. Coloca, por fim, uma camisa de força nos juízes, criando, sem restrições de temas e reiteração de julgados, súmulas vinculantes em todos os níveis, com o que, num passe de mágica, despreza a discussão sobre sua constitucionalidade.
Por isso, reclama-se ponderação, ciente da gravidade que representa a aprovação de uma lei desta abrangência de modo apressado.
TITLE: A new Code of Civil Procedure.
ABSTRACT: The new reform of the CPC proposed to devise a new Code, implicitly recognizing that what has been done so far did not work, so that they move back in before that had been stirred. Working in an emergency, as if with the new text will all be resolved and all will get justice, in quick time. As the recent past is still alive in bins of the forum, it is justified the harbinger of a more frustrating adventure. It is still in the rumor to magnify the powers of the judge, restricted resources and, in addition, making decisions to first-degree effective at once, increasing the risk of irreparable injury. It puts, finally, a straitjacket on the judges, creating, no restrictions on topics and repetition of judicial precedent, binding judicial precedents at all levels, with that, if by magic, despises the discussion about its constitutionality.
KEYWORDS: Code of Civil Procedure. Reform.
Extraído do site www.editoramagister.com
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