quarta-feira, 18 de maio de 2011

O ladrão-amante, ou o amante-ladrão, ou nada disso Charge de Gerson Kauer



Data: 17.05.11

Por Marco Antonio Birnfeld,
criador do Espaço Vital.

Porto Alegre, uma tarde outonal de maio de 1975. O comerciante chega à sua residência imprevistamente, sente um clima diferente e é surpreendido pelos gritos de aparente pânico da própria esposa:

- Um ladrão, um ladrão! Fugiu para o pátio!...

O homem recomenda à esposa que "atice o cachorro no bandido" e logo pega o revólver no bidê, mete-se a valente, enfrenta o "ladrão" (só de cuecas). Este em reação toma a arma do adversário e o fere com um tiro.

Na sentença, o "ladrão" é condenado a seis anos de prisão. O defensor público recorre ao TJRS e os autos vão à Procuradoria-Geral da Justiça para parecer.

* * * * *

"A história é sempre a mesma, desde os tempos da corte do Rei Artur: a traição é permanente à lei natural. Começa a história no paraíso, onde só existia um homem e uma mulher, mas o triângulo formou-se através do réptil; a cobra tentou, a mulher seduziu e o homem pecou; desde então ninguém mais deixou de tentar, de ser tentado, de seduzir e ser seduzido" - escreve o procurador de justiça.

Seguem-se alguns conceitos doutrinários antes que surja, no mesmo parecer, a revelação de que "neste caso houve uma nova faceta do comum e usual triângulo amoroso".

Então, o agente do Ministério Público desfila suas conclusões: "não houve invasão de domicílio, primeiro porque o cachorro, habituado ao visitante, não deu sinal nenhum; segundo porque o réu não é ladrão e não conheço nenhum que tire a roupa toda dentro de casa em que entra para furtar e fugir depois, quase nu, deixando camisa, calça e o resto na casa que sabia estar habitada".

Algumas laudas mais do parecer abordam a prova testemunhal de que a esposa da vítima namorava o suposto ladrão. "Ela, a Helena insatisfeita, e o réu, o troiano inveterado. Nem Atlas, nem Aquiles, nem Ulisses seguram este descendente de Párias" - é uma digressão que se reporta às lendas gregas.

E em seguida, vem um paralelo com o fato real porto-alegrense: "na cama do dono da casa e na presença deste, Paulo, brasileiro pelo nome e por todos os sentidos, bateu o recorde da coragem de qualquer conquistador de capa e espada já descritos pela história, pois enfrentou tiros de revólver e ainda tomou a arma do senhor, sem possuir um canivete".

Paulo tinha 20 anos; a mulher, 25; e o marido 27.

Logo vêm as conclusões: "não houve invasão de domicílio, nem tentativa de furto, houve apenas amor, a alavanca mais poderosa da atividade humana. Paulo entrou na casa com o consentimento da amada amante".

E então o pedido final do agente ministerial: "Paulo não deve pagar o tributo de ser macho - razão pela qual o parecer é pelo provimento do apelo".

* * * * *

Três semanas depois - naquele tempo a Justiça era rápida - a Câmara Criminal do TJ proveu o apelo em parte para reduzir a pena a três anos, pelo crime de lesões corporais.

Paulo pagou a dívida com a sociedade. Marido e mulher se separaram. E não se teve mais notícias de nenhum dos três.

A não ser de que, no seu estrito círculo de relações, a (ex) esposa passou a ser conhecida como a versão porto-alegrense da histórica Lucrécia Bórgia: gostava de atrair os amantes para o perigo e para a morte.


©Copyright 2011 - Espaço Vital
Proibida a reprodução sem autorização (Inciso I do Artigo 29 - Lei 9.610/98).
Todos os direitos reservados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário